A Pessoa e Obra do Espírito Santo (234)
8. A Santidade de Deus: reverência, confiança e santificação (Continuação).
Repetição como ênfase: Santo, Santo, Santo!
A repetição e a recapitulação são reconhecidas como metodologias importantes de ensino.[1] Uma das grandes ênfases das Escrituras, diz respeito à educação do povo de Deus. O Senhor fala insistentemente com o povo para que preserve a sua Palavra, guardando-a (praticando) e ensinando aos seus descendentes.
Um dos recursos da literatura hebraica para enfatizar um conceito ou ensinamento, era a repetição de um ensinamento ou palavra. O método da “repetição” (}n$ = “repetir”) (Shãnâ) (Dt 6.6ss.) estabelecido por Deus perpassa a todos os outros.[2]
Desse modo, pronunciar uma palavra três vezes é conferir um grau superlativo e completo à mensagem: Quando nos deparamos com o livro de Isaias, durante a visão do profeta, encontramos no canto alegre e, talvez, antifônico, de adoração e louvor por parte dos Serafins, essa gloriosa ênfase: “E clamavam uns para os outros, dizendo: Santo, santo, santo é o SENHOR dos Exércitos; toda a terra está cheia da sua glória” (Is 6.3).
Sproul (1939-2017) observa que nenhum dos atributos de Deus é assim dito três vezes. As Escrituras não dizem que Ele é amor, amor, amor ou, misericórdia, misericórdia, misericórdia ou justiça, justiça, justiça. Mas Deus é santo, santo, santo.[3]
Motyer (1924-2016) apresenta uma interpretação de Is 6.3: “A santidade é a verdade suprema em relação a Deus, e sua santidade está em si mesma muito acima do pensamento humano de maneira que é necessário inventar um “superlativo” para expressá-la”.[4]
Desse modo, os serafins declaram em louvor que Deus é superlativamente santo; completamente santo.
Fora de Deus não existe santidade. Toda santidade é relacional e derivada de Deus. Por isso, podemos dizer que toda santidade nas Escrituras é teorreferente. E mais: somente Deus pode santificar todas as coisas (Ex 31.13; Lv 20.8; 21.8; 15,23; 22.9,16,32; Ez 20.12; 37.28).
Como temos estudado, Deus é transcendente e pessoal. É o Deus santo, mas, que se relaciona conosco (Os 11.9).[5] Deus é santo em si e se relaciona de forma santa com o seu povo o santificando.
É por isso que podemos ter a certeza de que Ele cumprirá as suas promessas. Essa é a certeza de Davi em grande desassossego: “Contudo, tu és santo (vAdq’) (qadosh), entronizado entre os louvores de Israel. 4 Nossos pais confiaram em ti; confiaram, e os livraste. 5 A ti clamaram e se livraram; confiaram em ti e não foram confundidos” (Sl 22.3-5).
E o seu cântico em salmo de ação de graças: “20 Nossa alma espera no SENHOR, nosso auxílio e escudo. 21Nele, o nosso coração se alegra, pois confiamos no seu santo (vAdq’) (qadosh) nome” (Sl 33.20-21[HC1] ).
O que traz paz à nossa alma? O que nos conduz à alegria. O salmista se alegrava em poder confiar em Deus, o seu pastor que o guia em segurança.
Salmo 11
Tomemos o Salmo 11 como uma ilustração da compreensão da santidade Deus na vida de seus servos.
O salmista inicia o salmo com sua declaração de fé e confiança, resultantes, certamente, de sua extensa e intensa experiência espiritual: “No Senhor me refugio”(Sl 11.1).[6]
Ainda que muitos de seus amigos pudessem fazer declaração semelhante, a percepção do salmista a respeito de suas adversidades não era a única. Em suas cogitações e medo, em nenhum momento estes amigos conselheiros, ainda que bem-intencionados, levam em consideração o nome de Deus.
As nossas palavras mesmo não sendo mentirosas, são limitadas na descrição do que sentimos, ou para distinguir as nuances da inteireza de sentimentos expressos por pessoas diferentes a respeito do mesmo assunto, ainda que se valendo de termos semelhantes.
Posso usar a palavra horrorosa para descrever uma pequena insatisfação com uma comida enquanto, que na realidade, quis apenas dizer que achei um pouco salgada. O meu colega pode usar a mesma expressão porque, de fato, com gosto mais refinado, detestou o tempero que, em sua opinião, estragou todo o prato.
A avaliação estratégica dos amigos de Davi, ainda que aparentemente sincera, foi regida pelo medo e senso de preservação, funcionando num plano puramente material. Quem poderia recriminá-los por isso? O cenário apresentado não era falseado ou descrito com cores exageradamente vivas, antes, refletia a realidade evidente: Os inimigos eram muitos, amavam a violência (Sl 11.5), tinham se preparado estrategicamente, estavam fortemente armados e em lugar com visão e proteção privilegiadas (Sl 11.2).
A concretude adversa da história por vezes faz diluir a nossa declaração eufórica de fé, contudo, sem fundamento seguro contingenciada pela nossa, até então, insuspeita fraqueza.
Isso se manifesta até mesmo em nossas declarações melódicas de fé quando afirmamos querer coisas maravilhosas, como ter um coração igual ao de Deus, viver de forma gloriosa, ser inundado pela glória do Senhor, etc., e não pedimos a Deus que nos capacite a sentir alegria em permanecer no templo durante pouco mais de uma hora de culto, a sermos fieis na devolução de nossos dízimos, a trabalhar com alegria, tratar com dignidade as pessoas e as demais coisas que podem fazer parte de nossa humana rotina.
A fé deve me conduzir com naturalidade em minha percepção e ação cotidiana. Porém, parece, que só percebemos isso em momentos de crise. Na realidade, solidificamos em nossa fé nas pequenas e rotineiras decisões diárias. Quando atentamos para os mandamentos de Deus nas demandas da vida e corrigimos rotas à luz das Escrituras, evidenciamos a nossa fé nas promessas de Deus, demonstrando a seriedade com que consideramos a sua Palavra.
As aflições com frequência servem para testar a nossa fé, evidenciar as nossas carências e revelar a fragilidade de nossos ídolos que mantínhamos em segredo no íntimo de nosso coração.
Uma fé autoconfiante pode ser o caminho mais rápido para a evidente demonstração de sua fraqueza e, por vezes, “não fé”; incredulidade.
Maringá, 10 de julho de 2021.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1] Veja-se entre outros: John Milton Gregory, As sete leis do ensino. 3. ed. Rio de Janeiro: JUERP., 1977, p. 65-72.
[2]Não deixa de ser elucidativo, que o Shemá (“ouve”) (É a primeira palavra que aparece em Dt 6.4, derivada do verbo ((m$) (Shãma’), “ouvir”, envolvendo normalmente a ideia de ouvir com afeição, entender, obedecer), o “credo judeu” – que consistia na leitura de Dt 6.4-9; 11.13-21 e Nm 15.37-41) –, fosse repetido três vezes ao dia. Lloyd-Jones entende corretamente a importância da repetição, quando diz: “A quintessência do bom ensinar é a repetição” (D. Martyn Lloyd-Jones, As Insondáveis Riquezas de Cristo, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1992, p. 25). A Lei de Deus envolvia toda a vida do educando; todas as suas necessidades e para sempre; desde a juventude até a velhice: “do berço à sepultura”. Toda a educação cristã começa pela unicidade e essencialidade de Deus. Há somente um Deus; este fato deve ser repetido e assimilado pelos educandos.
[3] R.C. Sproul, A Santidade de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 1997, p. 35-36.
[4] Alec J. Motyer, O Comentário de Isaías, São Paulo: Shedd, 2016, p. 100.
[5] “Não executarei o furor da minha ira; não tornarei para destruir a Efraim, porque eu sou Deus e não homem, o Santo (vAdq’) (qadosh) no meio de ti; não voltarei em ira” (Os 11.9).
[6] Este Salmo tem conexão com os Salmos 5, 7, 10 e 17.