A Pessoa e Obra do Espírito Santo (223)
Orar em nome de Jesus
Outro ponto relevante, é que a oração no Espírito é sempre por intermédio de Cristo. Isso significa que quando oramos, o fazemos por iniciativa do Espírito, por intermédio de Cristo, no nome de Cristo. Portanto, orar genuinamente significa harmonizar a nossa vontade com a do Filho, alinhando a nossa vontade com a dele.[1]
Orar ao Pai não significa simplesmente usar o seu nome, mas, sim, dirigir-nos de fato a Ele conforme os seus preceitos, em submissão à sua vontade. Uma oração francamente oposta aos ensinamentos de Jesus não pode ser considerada de fato uma oração dirigida ao Pai, por mais que usemos e repitamos o nome de Jesus.
Quando oramos genuinamente em nome de Cristo, podemos descansar nas promessas de Deus certos de que Ele que nos ouve e, pelo Filho, satisfará as nossas necessidades. Essa certeza, além de alegre e humilde confiança, nos conduz à perseverança em ação de graças (Cl 4.2).[2]
Calvino comenta:
Cristo testifica que, se nossas orações lhe forem endereçadas, não ficarão sem efeito. E deveras sem essa confiança a solicitude da oração seria totalmente arrefecida. Mas quando Cristo satisfaz aos que a ele vão, e se dispõe a satisfazer seus desejos, já não há mais lugar para indolência nem delonga. E não há ninguém que não sinta que isso é dito a todos nós, se não fôssemos impedidos por nossa incredulidade.[3]
Deste modo, é necessário que tenhamos cuidado para que não cometamos falsidade ideológica em nossas orações. Orar em nome de Jesus é dizer ao Pai que o seu Filho eterno, aquele que é santo, o nosso irmão mais velho, subscreveu o que estamos dizendo. Orar no nome de Jesus significa a confiança única e exclusiva na suficiência de seus méritos.[4]
Portanto, não devemos nem podemos pedir qualquer coisa a Deus contrária à vontade de Jesus Cristo, visto que as nossas orações são feitas em seu nome.
A nossa oração não pode ser uma diminuição da santidade de Cristo. Como bem compreendeu Pink (1886-1952), ao escrever:
Solicitar algo a Deus, em nome de Cristo, quer dizer solicitar-lhe algo em harmonia com a natureza de Cristo! Pedir algo em nome de Cristo, a Deus Pai, é como se o próprio Cristo estivesse formulando a petição. Só podemos pedir a Deus aquilo que Cristo pediria. Pedir em nome de Cristo, pois, significa deixar de lado nossa vontade própria, aceitando a vontade do Senhor![5]
O Espírito nos dirige para que não usemos o nome do Filho em vão. Somente o Espírito pode nos mostrar qual é a vontade de Deus e nos capacitar a aceitá-la com fé. Quando oramos no Espírito estamos confessando a nossa pequenez e, ao mesmo tempo, testemunhando a nossa fé na soberania de Deus.
“O Espírito constrói uma determinada atmosfera em torno de toda a oração autêntica, e dentro desse círculo próprio é que a oração vive e triunfa; fora dele, a oração é apenas uma formalidade morta”, enfatiza Spurgeon (1834-1892).[6]
Agostinho (354-430), comentando o Salmo 102.2 – quando o salmista diz “… inclina-me os teus ouvidos; no dia em que eu clamar; dá-te pressa em acudir-me”– faz uma paráfrase: “Escuta-me prontamente, pois peço aquilo que queres dar. Não peço como um homem terreno bens terrenos, mas já redimido do primeiro cativeiro, desejo o reino dos céus”.[7]
As orações, portanto, devem ser feitas ao Pai, sem constrangimento, em nome de Cristo, pelo auxílio do Espírito, segundo a vontade de Deus.
O auxílio do Espírito
Paulo,discorrendo sobre a fraqueza humana, a exemplifica na vida cristã no fato de nem ao menos sabermos orar como convém (Rm 8.26-27).[8] Por isso, o Espírito que em nós habita nos auxilia em nossas orações, fazendo-nos pedir o que convém, o que é natural e necessário à nossa existência, capacitando-nos a rogar de acordo com a vontade de Deus. A oração eficaz é aquela que tem o Espírito como seu autor. Sem o auxílio do Espírito jamais oraríamos com discernimento.
Calvino, analisando o fato de que pedimos tantas coisas erradas a Deus e que, se Ele nos concedesse o que solicitamos, traria muitos males sobre nós,[9] ao tratar da Oração do Senhor, afirma:
Nem podemos abrir a boca diante de Deus, sem grave perigo, a não ser que o Espírito nos instrua sobre a norma certa de orar [Rm 8.26]. Em quão maior apreço merece ser julgado entre nós este privilégio, quando o Unigênito Filho de Deus nos sugere à boca palavras que desvencilhem nossa mente de toda vacilação!.[10]
A oração genuína é sempre precedida do senso de necessidade e de uma fé autêntica nas promessas de Deus.[11]
Muitas vezes estamos tão confusos diante das opções que temos, que não sabemos nem mesmo como apresentar os nossos desejos e as nossas dúvidas diante de Deus. Todavia o Espírito nos socorre. Ele “ora a nosso favor quando nós mesmos deveríamos ter orado, porém não sabíamos para que orar”, resume Palmer (1922-1980).[12]
Comentando o Salmo 91.12, diz o reformador: “Nunca podemos aquilatar os sérios obstáculos que Satanás poria contra nossas orações não nos sustentasse Deus da maneira aqui descrita”.[13] Em outro lugar, ilustra a sua tese:
Chamo tentação espiritual quando não somente somos açoitados e afligidos em nossos corpos; senão quando o diabo opera de tal modo em nossos pensamentos que Deus se nos converte em inimigo mortal, ao que já não podemos ter acesso, convencidos de que nunca mais terá misericórdia de nós.[14]
Precisamos, portanto, “que o mesmo Deus nos ensine, conforme ao que Ele sabe que convém, e que Ele nos leve guiando como que pela mão, e que nós o sigamos”.[15]
Orar como convém é orar segundo a vontade de Deus, colocando os nossos desejos em harmonia com o santo propósito de Deus.[16] Isto só é possível pelo Espírito de Deus que se conhece perfeitamente (1Co 2.10-12).[17] Assim, toda oração genuína é sob a orientação e direção do Espírito (Ef 6.18; Jd 20).[18]
O Catecismo Maior de Westminster nos instrui:
Não sabendo nós o que havemos de pedir, como convém, o Espírito nos assiste em nossa fraqueza, habilitando-nos a saber por quem, pelo quê, e como devemos orar; operando e despertando em nossos corações (embora não em todas as pessoas, nem em todos os tempos, na mesma medida) aquelas apreensões, afetos e graças que são necessários para o bom cumprimento do dever.[19]
Maringá, 25 de junho de 2021.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1]“A oração não é um recurso conveniente para impormos a nossa vontade a Deus, ou para dobrar a Sua vontade à nossa, mas, sim, o meio prescrito de subordinar a nossa vontade à de Deus. É pela oração que buscamos a vontade de Deus, abraçamo-la e nos alinhamos com ela. Toda oração verdadeira é uma variação do tema, ‘Faça-se a tua vontade'” (John R.W. Stott, I,II e III João, Introdução e Comentário, São Paulo: Vida Nova; Mundo Cristão, 1982, p. 159). Na mesma perspectiva, escreveu MacArthur: “A oração ajuda a alinhar os nossos desejos com a vontade de Deus. Ela agrada a Deus porque é um ato de obediência à Sua Palavra, mas não fornece informações adicionais a Ele” (John MacArthur, Deus: Face a face com sua majestade, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2013, p. 61).
[2] “Nós mal podemos conceber a oração, em seu sentido mais elevado, subindo ao trono da graça, sem ações de graça. (…) Oração sem louvor e ações de graça não é oração” (Abraham Kuyper, A Obra do Espírito Santo, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 619).
[3]João Calvino, O Evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 1, (Jo 4. 10), p. 160.
[4]Charles Hodge, Systematic Theology, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1976 (Reprinted),v. 3, p. 705.
[5]A.W. Pink, Deus é Soberano,Atibaia, SP.: FIEL, 1977, p. 134. Veja-se também: R. Youngblood, Significados do Nomes nos Tempos Bíblicos. In: Walter A. Elwell, ed. Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã,São Paulo: Vida Nova, 1988-1990, v. 3, p. 25.
[6] C.H. Spurgeon, Firmes na Verdade,Lisboa: Edições Peregrino, LDA., 1987, p. 85.
[7] S. Agostinho, Comentários aos Salmos,São Paulo: Paulus, 1998, v. 3, p. 12.
[8]“26 Também o Espírito, semelhantemente, nos assiste em nossa fraqueza; porque não sabemos orar como convém, mas o mesmo Espírito intercede por nós sobremaneira, com gemidos inexprimíveis. 27 E aquele que sonda os corações sabe qual é a mente do Espírito, porque segundo a vontade de Deus é que ele intercede pelos santos” (Rm 8.26-27).
[9]Bernardo de Claraval (1090-1153), disse: “Não permitam que eu tenha tamanha miséria, pois dar a mim o que desejo, dar a mim o que meu coração almeja, é um dos mais terríveis julgamentos do mundo” (ApudJeremiah Burroughs, Aprendendo a Estar Contente, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1990, p. 28).
[10]João Calvino, As Institutas ou Tratado da Religião Cristã, 2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2006, III.20.34. Comentando o texto de Romanos 8.26, Calvino segue a mesma linha: “O Espírito, portanto, é Quem deve prescrever a forma de nossas orações” (João Calvino, Exposição de Romanos,São Paulo: Paracletos, 1997, (Rm 8.26), p. 291). Ver também, J. Calvino, O Catecismo de Genebra,Perg. 254.
[11] Veja-se: João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 1, p. 34.
[12] Edwin H. Palmer, El Espíritu Santo,Edinburgh: El Estandarte de la Verdad, (s.d.), Edición revisada, p. 190.
[13] João Calvino, O Livro dos Salmos,São Paulo: Parakletos, 2002, v. 3, (Sl 91.12), p. 454.
[14]Juan Calvino, El Carácter de Job, In: Sermones Sobre Job, Jenison, Michigan: T.E.L.L., 1988, (Sermon nº 1), p. 28. “A falta de confiança nessas preciosas promessas de Deus; a falta de fé em sua disposição e prontidão para ouvir-nos, é um dos maiores e mais comuns defeitos nas orações dos cristãos. Todo o pai anseia pela confiança de seus filhos, e qualquer evidência de desconfiança lhe traz tristeza. Deus é nosso Pai; ele demanda de nós os sentimentos que os filhos devem nutrir para com seus pais terrenos” (Charles Hodge, Teologia Sistemática,São Paulo: Hagnos, 2001, p. 1540).
[15]J. Calvino, Catecismo de Genebra, Perg. 254.
[16]“A oração não é um recurso conveniente para impormos a nossa vontade a Deus, ou para dobrar a Sua vontade à nossa, mas, sim, o meio prescrito de subordinar a nossa vontade à de Deus. É pela oração que buscamos a vontade de Deus, abraçamo-la e nos alinhamos com ela. Toda oração verdadeira é uma variação do tema, ‘Faça-se a tua vontade’.” (John R.W. Stott, I,II e III João, Introdução e Comentário, São Paulo: Vida Nova; Mundo Cristão, 1982, p. 159). Leenhardt comenta: “Para orar ‘como convém’ é preciso orar ‘segundo a vontade de Deus’; isto, entretanto, não pode advir senão de Deus, Que só Se conhece. O mais é ação estéril” (Franz J. Leenhardt, Epístola aos Romanos,São Paulo: ASTE., 1969, p. 226).
[17] “Mas Deus no-lo revelou pelo Espírito; porque o Espírito a todas as coisas perscruta, até mesmo as profundezas de Deus. 11 Porque qual dos homens sabe as coisas do homem, senão o seu próprio espírito, que nele está? Assim, também as coisas de Deus, ninguém as conhece, senão o Espírito de Deus. 12 Ora, nós não temos recebido o espírito do mundo, e sim o Espírito que vem de Deus, para que conheçamos o que por Deus nos foi dado gratuitamente” (1Co 2.10-12).
[18]“Com toda oração e súplica, orando em todo tempo no Espírito e para isto vigiando com toda perseverança e súplica por todos os santos” (Ef 6.18). “Vós, porém, amados, edificando-vos na vossa fé santíssima, orando no Espírito Santo” (Jd 20).
[19] Catecismo Maior de Westminster,Perg. 182.