A Pessoa e Obra do Espírito Santo (210)
6. Adoção e escatologia
Assim como a redenção, a adoção tem um sentido presente, desfrutado por todos os redimidos (Rm 8.15,16; Gl 4.6,7),[1] e o seu aspecto futuro, ainda não plenificado, o qual aguardamos, “a redenção do nosso corpo”, ou seja, a nossa ressurreição (Rm 8.23)[2] como coroação de nossa santificação. “Ninguém pode ser herdeiro do reino celestial sem que antes seja conformado ao Filho Unigênito de Deus”, conclui Calvino.[3]
Deus em seu amor eterno e insondável escolheu-nos em Cristo, transformando totalmente a nossa situação: de condenados passamos a filhos e herdeiros de Deus e coerdeiros com Cristo: “Ora, se somos filhos, somos também herdeiros, herdeiros de Deus e coerdeiros com Cristo; se com ele sofremos, também com ele seremos glorificados” (Rm 8.17).
Neste ato, Deus nos deu privilégios que nem mesmo Adão conheceu. Escreve Lloyd-Jones: “Adão foi feito à imagem e semelhança de Deus, entretanto nunca foi ‘participante da natureza divina’. (…) Fomos colocados numa nova relação com Deus que nem mesmo Adão gozou”.[4]
No entanto, ainda assim aguardamos o que haveremos de ser. Na realidade, não mais do que filhos, visto que não há privilégio maior. Contudo, a glória para nós preparada ainda não se manifestou em sua plenitude, nem somos capazes de imaginar, visto que jamais penetrou em coração humano o que Deus tem preparado para os seus filhos (Rm 8.18; 1Co 2.9; 2Co 4.17; Ef 3.20).[5]
Escreve o apóstolo João: “Amados, agora, somos filhos de Deus, e ainda não se manifestou o que haveremos de ser. Sabemos que, quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque haveremos de vê-lo como ele é”(1Jo 3.2).
Davids comenta:
A Adoção, pois, é libertação do passado (…), um status e um modo de vida no presente (andando pelo Espírito, santificação) e uma esperança para o futuro (salvação, ressurreição). Descreve o processo de alguém tornar-se um filho de Deus (…) e de receber uma herança da parte de Deus.[6]
Somos herdeiros do Reino eterno: “Ouvi, meus amados irmãos. Não escolheu Deus os que para o mundo são pobres, para serem ricos em fé e herdeiros do reino que ele prometeu aos que o amam?”(Tg 2.5).
Frame pontua de modo significativo e jubiloso:
Quando cremos em Cristo, nós nos tornamos membros da sua família. Mas, a plenitude de nossos privilégios como filhos e filhas nos aguarda no futuro (…).
Cristãos não costumam ser muito respeitados neste mundo. Mas nosso destino último é uma vida de tamanha dignidade e autoridade que não conseguimos imaginar agora. Assim, até mesmo a criação geme na expectativa da manifestação dos filhos de Deus: você e eu.[7]
Conforme já vimos, a consumação de nossa vocação é descrita por Pedro às igrejas possivelmente perseguidas:
3Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que, segundo a sua muita misericórdia, nos regenerou para uma viva esperança, mediante a ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos, 4 para uma herança incorruptível, sem mácula, imarcescível, reservada nos céus para vós outros 5 que sois guardados pelo poder de Deus, mediante a fé, para a salvação preparada para revelar-se no último tempo. 6 Nisso exultais, embora, no presente, por breve tempo, se necessário, sejais contristados por várias provações, 7 para que, uma vez confirmado o valor da vossa fé, muito mais preciosa do que o ouro perecível, mesmo apurado por fogo, redunde em louvor, glória e honra na revelação de Jesus Cristo; 8 a quem, não havendo visto, amais; no qual, não vendo agora, mas crendo, exultais com alegria indizível e cheia de glória, 9 obtendo o fim da vossa fé: a salvação da vossa alma. (1Pe 1.3-9). (Ver: Ap 21.1-7).
Neste estado de existência, até os anjos que serviram fisicamente a Cristo servem agora à Igreja, seu corpo místico, como espíritos ministradores: “Não são todos eles espíritos ministradores, enviados para serviço a favor dos que hão de herdar a salvação?” (Hb 1.14).
A nossa certeza e conforto de hoje permanecem para toda a eternidade, quando estaremos na glória: “Aquele que não poupou o seu próprio Filho, antes, por todos nós o entregou, porventura, não nos dará graciosamente com ele todas as coisas?” (Rm 8.32).
Celebremos com júbilo ao Senhor a nossa filiação. Amém.
São Paulo, 11 de junho de 2021.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1] “Porque não recebestes o espírito de escravidão, para viverdes, outra vez, atemorizados, mas recebestes o espírito de adoção (ui/oqesi/a), baseados no qual clamamos: Aba, Pai. 16 O próprio Espírito testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus” (Rm 8.15-16). “E, porque vós sois filhos, enviou Deus ao nosso coração o Espírito de seu Filho, que clama: Aba, Pai! 7 De sorte que já não és escravo, porém filho; e, sendo filho, também herdeiro por Deus” (Gl 4.6-7).
[2]Veja-se: Wayne A. Grudem, Teologia Sistemática, São Paulo: Vida Nova, 1999, p. 617.
[3]João Calvino, Exposição de Romanos,São Paulo: Paracletos, 1997, (Rm 8.29), p. 296.
[4]D.M. Lloyd-Jones, O Supremo Propósito de Deus, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1996, p. 121. Continua: “Cristo, em Sua obra, não somente desfez os trágicos resultados da Queda, não somente riscou os nossos pecados: Ele promoveu a nossa posição” (D.M. Lloyd-Jones, O Supremo Propósito de Deus, p. 121).
[5] “Se acaso tivermos a pretensão de ser mais que filhos e herdeiros de Deus, teremos que subir mais alto que Cristo. Mas se temos nele o nosso limite extremo, não estaremos provocando Sua ira máxima, se buscarmos fora de Cristo o que já obtivemos nele, sendo que só o podemos obter nele? Além disso, visto que Cristo é a sabedoria eterna do Pai, a verdade imutável, o conselho inabalável, não devemos acreditar que o que Ele nos declara com Sua boca possa diferir um átomo que seja da vontade do Pai, a qual buscamos conhecer. Antes, Ele nos manifesta fielmente qual é a vontade do Pai, desde o princípio e para sempre” (João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 3, (III.8), p. 61).
[6] P.H. Davids, Adoção: In: Walter A. Elwell, ed. Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, São Paulo: Vida Nova, 1988-1990, v. 1, p. 19.
[7]John Frame, Teologia Sistemática, São Paulo: Cultura Cristã, 2019, v. 2, p. 332.