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A Pessoa e Obra do Espírito Santo (203) - Hermisten Maia

A Pessoa e Obra do Espírito Santo (203)

1. A natureza de nossa adoção

1.1. Resultado da graça de Deus

             A nossa adoção, como todas as demais bênçãos que temos é por meio de Jesus Cristo, segundo a vontade prazerosa do Pai (Ef 1.5). Deus por inteira graça nos escolheu para nos tornar seus filhos em Cristo. Percebam então, que a obra sacrificial de Cristo, como um dos fundamentos da adoção, sempre esteve inserida no propósito eterno de Deus. A adoção é uma bênção que faz parte essencial da manifestação da graça.[1]

          Após a ressurreição, Jesus diz a Maria Madalena: “….Vai ter com os meus irmãos, e dize-lhes: Subo para meu Pai e vosso Pai, para meu Deus e vosso Deus” (Jo20.17).

          Devemos ressaltar, portanto ,que se a nossa filiação é por adoção ,a de Jesus Cristo é de natureza eterna :Ele é eterna e necessariamente Filho de Deus. Nós, diferentemente, o somos pela graça. Por isso, Jesus não usava a expressão inclusiva “nosso Pai”, mas, sim “meu Pai e vosso Pai”. Todos somos filhos de Deus ,contudo ,a nossa relação é diferente em comparação à filiação do Verbo eterno.[2]

          Com exceção da ideia de criação de todas as coisas(At17.24-29), a Bíblia em nenhum momento ensina a paternidade universal de Deus. Por outro lado, o Senhor fala dos filhos éticos e espirituais de Satanás, que são influenciados por Ele e, por isso odeiam a Jesus Cristo e a sua Palavra (Jo 8.41,44).[3]

           Deus é Pai apenas do seu povo; esta é a doutrina bíblica.

          Os homens são filhos de Deus não simplesmente por nascimento natural, mas, sim, por um novo nascimento concedido por Deus, tornando-se, assim, seus filhos adotivos.

          A nossa filiação, olhando porque ângulo for, é uma toda livre graça de Deus (Jo3.3,5;Rm8.15;Gl4.3-6;Ef1.5,6). “Entre todos os dons da graça, a adoção é o maior”, resume Packer.[4] Todas as demais bênçãos que recebemos de correm da “graciosa adoção divina como sua causa primeira”, comenta Calvino.[5]

          A adoção é o clímax da predestinação, tendo passado necessariamente pelo caminho da regeneração[6] e justificação[7] Aqueles aos quais Deus predestinou na eternidade, Ele os redime e os adota, tornando-os seus filhos, por intermédio de Jesus Cristo, o nosso irmão primogênito.

Como filhos de Deus e irmãos de Cristo, temos acesso às bênçãos decorrentes do Pacto da Graça: “ Por meio da fé, Cristo nos é comunicado, através de quem chegamos a Deus, e através de quem usufruímos os benefícios da adoção”, escreve Calvino.[8]

          A Confissão de Westminster (1647) declara de forma correta: “A todos os que são justificados, Deus se digna fazer participantes da graça da adoção….”(XII.1).

          Do mesmo modo,o Catecismo Menor, em resposta à pergunta 34,  “O que é adoção?” –diz: “ Adoção é uma toda livre graça de Deus, pelo qual somos recebidos no número dos filhos de Deus, e temos direito a todos os seus privilégios(1Jo3.1;Jo1.12;Rm8.14-17)”.

          A graça é o favor de Deus manifestado livremente para com os homens que estavam numa situação desfavorável, resultante do seu pecado. O pecado tornou-nos – já que todos pecamos – inimigos de Deus, contrários aos seus mandamentos e propósitos. 

          A redenção é que torna possível a adoção. Deus nos liberta da escravidão, tornando-nos seus filhos. Fomos transferidos de uma família estranha à aliança, sendo governada pelo curso deste mundo, para a família de Deus (Ef 2.1-22). Temos agora, pelo Espírito, um novo roteiro, com “novas falas” e um novo papel e propósito.[9]

A Palavra nos diz que “Deus enviou Seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei, para resgatar (e)cagora/zw)[10] os que estavam sob a lei, a fim de que recebêssemos a adoção de filhos (ui(oqesi/a) (Gl 4.4,5).

          Jesus Cristo cumpriu a lei por nós – já que era impossível a nós fazê-lo – para que justificados por Deus pudéssemos nos tornar filhos de Deus.[11] Deus nos liberta para fazer-nos seus filhos.  A libertação do pecado e da consequente escravidão não implicaria na adoção, contudo, a adoção pressupõe a regeneração e a justificação.

          Vemos aqui aspectos do poderoso e vitorioso amor de Deus por nós, conforme comenta Calvino com profundo senso de admiração: “O espantoso poder de Deus se exibe quando somos trazidos da morte para a vida; e quanto, sendo nós filhos do inferno, somos transformados em filhos de Deus e herdeiros da vida eterna”.[12]

          Deus não tem filhos escravizados, dominados pelo pecado. Deus nos liberta para si mesmo.“A justificação é a bênção básica, sobre a qual a adoção se fundamenta; a adoção é a bênção do coroamento, para a qual a justificação abre o caminho”, conclui Packer.[13]

          As Escrituras nos ensinam que este ato histórico se amparou no decreto eterno, livre, soberano e bondoso de Deus: “Nos predestinou para Ele, para adoção de filhos (ui(oqesi/a), por meio de Jesus Cristo, segundo o beneplácito de Sua vontade” (Ef1.5).

Deus na eternidade já nos olhava como filhos aos quais, no tempo determinado por Ele mesmo, por intermédio de seu Filho, Jesus Cristo, nos adotaria, integrando-nos à família de Deus; à família da fé, dos eleitos pela graça.

          Portanto, quando falamos de nossa filiação,devemos ter em mente que ela é um dom de Deus; “é o próprio Deus agindo graciosamente para conosco”, conclui Stott.[14]

          O Catecismo de Heidelberg (1563), à pergunta 33– “Por que é Ele chamado Filho UNIGÊNITO DE DEUS, se nós também somos filhos de Deus?” –responde: “ Porque só Cristo é o Filho eterno de Deus, ao passo que nós, por sua causa, e pela graça, somos recebidos como filhos de Deus”.

          1.2.Resultado do seu amor eterno

                  A paternidade divina é entendida como um ato de intenso amor para com os homens que se encontravam num estado de rebelião, total depravação e miséria(Jo3.16;1Jo3.1).

          A nossa filiação revela parte do amor inefável e eterno de Deus. Temos aqui “a mais elevada expressão do próprio amor de Deus”, afirma Lloyd-Jones.[15]

          Ao considerarmos a graça da adoção, vemos nesta doutrina estampada o amor invencível de Deus, que nos tira da condenação do pecado para a sua herança eterna.

          Aos nossos olhos, na eternidade, a santidade e o amor serão sempre dois dos maiores atributos de Deus a serem realçados. Nós participaremos da eternidade como filhos e isto é pelo santo amor de Deus:  “Vede que grande amor nos tem concedido o Pai, a ponto de sermos chamados filhos de Deus; e, de fato, somos filhos de Deus….” (1Jo3.1). 

Maringá, 04 de junho de 2021.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] “A adoção é uma misericórdia proveniente das entranhas da graça” (Thomas Watson, A Fé Cristã: Estudos baseados no breve catecismo de Westminster, São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 270).

[2] Vejam-se: John Murray, Redenção: Consumada e Aplicada,São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1993, p. 153 e 155; John Frame, Teologia Sistemática,  São Paulo: Cultura Cristã, 2019, v. 2, p. 330.

[3]41 Vós fazeis as obras de vosso pai. Disseram-lhe eles: Nós não somos bastardos; temos um pai, que é Deus.  42 Replicou-lhes Jesus: Se Deus fosse, de fato, vosso pai, certamente, me havíeis de amar; porque eu vim de Deus e aqui estou; pois não vim de mim mesmo, mas ele me enviou.  43 Qual a razão por que não compreendeis a minha linguagem? É porque sois incapazes de ouvir a minha palavra.  44 Vós sois do diabo, que é vosso pai, e quereis satisfazer-lhe os desejos. Ele foi homicida desde o princípio e jamais se firmou na verdade, porque nele não há verdade. Quando ele profere mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso e pai da mentira” (Jo 8.41-44).

[4] J.I. Packer, O Conhecimento de Deus,São Paulo: Mundo Cristão, 1980, p. 197.

[5] J. Calvino, Exposição de Romanos,(Rm 8.28), p. 294.

[6] “A regeneração é o pré-requisito da adoção” (John Murray, Redenção: Consumada e Aplicada,São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1993, p. 149).

[7] “A justificação é maravilhosa, mas a adoção é o ápice, o ponto mais alto, na nossa relação com Deus. Por isso, a doutrina da adoção merece uma ênfase muito maior na nossa pregação e no nosso trabalho teológico do que a que tem recebido” (John Frame, Teologia Sistemática,  São Paulo: Cultura Cristã, 2019, v. 2, p. 331. Do mesmo modo, na página 333). Na década de 1940, o Dr.  Webb em sua excelente obra sobre adoção, fez uma revisão bibliográfica entre alguns dos maiores autores reformados e Confissões, destacando que lamentavelmente pouco destaque foi dado ao tema adoção (Veja-se: Robert A. Webb, The Reformed Doctrine of Adoption, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1947, p. 17-18).

[8]João Calvino, Efésios, São Paulo: Paracletos, 1998, (Ef 1.8), p. 30.

[9]Essas figuras foram empregadas por Horton. Veja-se: Michael Horton, Doutrinas da fé cristã, São Paulo: Cultura Cristã, 2016, p. 676.

[10]E)cagora/zw: Redimir, resgatar (*Gl 3.13; 4.5; Ef 5.16; Cl 4.5). A palavra está relacionada à compra e venda de escravos nas praças, mercado (a)gora/). A forma intensiva usada por Paulo (e)cagora/zw), era também aplicada à redenção de escravos.

[11] Veja-se: A.A. Hoekema, Salvos pela Graça, São Paulo: Cultura Cristã, 1997, p. 192.

[12]João Calvino, Efésios,São Paulo: Paracletos, 1998, (Ef 1.19), p. 43.

[13] J.I. Packer, Teologia Concisa,São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1999, p. 157.

[14]John R.W. Stott, A Cruz de Cristo,Miami: Editora Vida, 1991, p. 95.

[15] D.M. Lloyd-Jones, O Supremo Propósito de Deus, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1996,p. 108.

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