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A Pessoa e Obra do Espírito Santo (19) - Hermisten Maia

A Pessoa e Obra do Espírito Santo (19)

6.1.2.2. Unidade e coesão das Escrituras

Nada é mais solicitamente intentado por Satanás do que impregnar nossas mentes, ou com dúvidas, ou com menosprezo pelo evangelho. − João Calvino.[1]

                                                                                                                      A Bíblia em sua formação, apesar de elementos que conduziriam a uma mensagem desconexa e até mesmo contraditória, revela em seu conteúdo “uma interconexão orgânica que se impõe no decurso dos muitos séculos que sua composição levou”, escreve Archer, Jr. (1916-2004).[2]

            Mesmo havendo diferenças de idiomas, do estilo de cada escritor, dos objetivos específicos de cada livro e do tempo e circunstâncias em que foram escritos, há em todos estes livros que compõem a Bíblia, uma unidade que desafia as tentativas antigas e principalmente modernas de negar a agência de Deus na formação e preservação da Sua Palavra escrita.

            A unidade e coesão bíblica demonstram de forma incontestável a ação de uma mente única, a mente sábia e soberana do próprio Deus, dirigindo os escritores sagrados, sem anular as suas personalidades, para a concretização de sua vontade. Paulo e Pedro, respectivamente, ensinam essas verdades:

Toda Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra. (2Tm 3.16,17).

Nenhuma profecia da Escritura provém de particular elucidação; porque nunca jamais qualquer profecia foi dada por vontade humana, entretanto homens santos falaram da parte de Deus movidos pelo Espírito Santo. (2Pe 1.20,21).

            Devido a esta unidade coesa, a Escritura se auto-elucida (interpreta) por meio da comparação dos textos (At 15.12-21; Jo 5.46). Foi justamente isto que fizeram os crentes de Beréia, que receberam a pregação de Paulo e Silas com avidez e entretanto, conferiram o que era pregado com as Escrituras para ver se coincidiam (At 17.11). O resultado foi que por intermédio desse exame sincero e criterioso, sob a iluminação do Espírito Santo, muitos se converteram (At 17.12).

            A Confissão de Westminster (1647) no Capítulo 1, seção 9, diz:

A regra infalível de interpretação da Escritura é a mesma Escritura; portanto, quando houver questão sobre o verdadeiro e pleno sentido de qualquer texto da Escritura (sentido que não é múltiplo, mas único), esse texto pode ser estudado e compreendido por outros textos que falem mais claramente. (Mt 4.5-7; 12.1-7).

                            6.1.3. A harmonia dos Evangelhos

Não examinamos o Antigo Testamento apenas para encontrar os antecedentes históricos de Cristo e de seu ministério, nem mesmo para buscar referências que façam previsões sobre ele. Temos de encontrar Cristo no Antigo Testamento – não aqui e ali, mas em toda parte. − R. Albert Mohler Jr.[3]

                                                        6.1.3.1. Um ou quatro Evangelhos?

                                                                                                            Quando falamos que a Bíblia tem quatro evangelhos, na realidade, estamos dizendo que há quatro registros feitos por Mateus, Marcos, Lucas e João, conforme encontramos no Novo Testamento.

            O Novo Testamento desconhece a forma plural “Evangelhos” – ainda que ela seja usada na Septuaginta ta\ eu)agge/li/a (2Sm 4.10), “recompensa pelas boas novas” e ”h( eu)aggeli/a” (2Sm 18.20,22,25,27; 2Rs 7.9) -, isto porque o Evangelho é um só. Se alguém proclamar outro, seja considerado “anátema” (= maldito) (Gl 1.8,9).

            Harrison (1902-1999), comentando a respeito dos registros evangélicos, observou acertadamente que, “Aos olhos da igreja primitiva estes documentos eram virtualmente um. Juntos, eles abarcavam o evangelho único, que foi diversamente expressado por Mateus, Marcos, Lucas e João. O feito de Cristo foi a causa de um novo tipo de literatura”.[4] As quatro narrativas são na realidade uma descrição inspirada do mesmo e único Evangelho; biblicamente falando, “evangelhos” é uma contradição de termos. Não há outro Evangelho (Gl 1.6-9).

            A forma plural referindo-se aos registros de Mateus, Marcos, Lucas e João, só é documentada a partir de Justino, o Mártir (100-167 AD), que por volta do ano 155 AD., na sua obra Primeira Apologia, descrevendo a Santa Ceia e o seu significado, escreveu: “Os Apóstolos nas Memórias por eles escritas, que se chamam Evangelhos, nos transmitiram….”.[5] Estes registros, ao que parece, a partir do segundo século receberam o nome de “evangelhos” (forma plural). Todavia, quando dizemos que a Bíblia tem um só Evangelho, estamos afirmando que o conteúdo, a Mensagem bíblica é uma só; por isso, nela, na Escritura Sagrada, só há um Evangelho.

            Foi nesse sentido que Paulo escreveu:

Mas, ainda que nós, ou mesmo um anjo vindo do céu vos pregue evangelho que vá além do que vos temos pregado, seja anátema. Assim como já dissemos, e agora repito, se alguém vos prega evangelho que vá além daquele que recebestes, seja anátema. (Gl 1.8,9).[6]

                                                        6.1.3.2. Harmonia na autoria

                                         Conforme vimos, a Bíblia foi escrita por cerca de 40 escritores; entretanto, na realidade, há somente um Autor: Deus é o Autor da Escritura, do Evangelho. Conforme escreveu Packer (1926-2020), “A Bíblia apesar de ser um livro humano, que fala de pecado e do erro e em muitos lugares da fraqueza dos seus autores, não deixa de ser, acima de tudo, uma obra divina, cujo autor primário é Deus”.[7]

            Pink (1886-1952) raciocina de modo semelhante, quando diz: “A imagem divina se acha estampada em cada uma das páginas. Escritos tão santos, tão celestiais, tão profundamente criadores de temor não poderiam ser produzidos pelos homens”.[8]

            A Bíblia atesta em diversos textos a origem divina de seu conteúdo (Is 30.1,8; Jr 30.2; 36.2; Hc 2.2; Mt 19.4,5; At 4.25,26; Hb 1.6; 3.7-19; 2Pe 1.20,21; Ap 1.19; 14.13; 21.5, etc.).[9]

            Deus registrou a sua Palavra por meio de Moisés, Josué, dos Profetas, de Davi, Salomão, dos Apóstolos, enfim, por intermédio de todos os escritores sagrados. A harmonia da revelação de Deus está presente em todas as páginas da Bíblia. Em Cristo temos a revelação de Deus e o genuíno intérprete do Pai.[10]

            Ryle (1816-1900) avalia: “Vê-se como a verdade é revelada e desenvolvida através deles (os escritores) enquanto se percorre todo o volume de seus escritos, mas nunca se descobre qualquer contradição ou contrariedade real em seus pontos de vista”.[11] A Bíblia é a verdade inerrante e harmoniosa de Deus, produzida por Ele mesmo!

São Paulo, 14 de outubro de 2020.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] João Calvino, Efésios,São Paulo: Paracletos, 1998, (Ef 1.13), p. 35.

[2] Gleason L. Archer, Jr., Merece Confiança o Antigo Testamento,São Paulo: Vida Nova, 1974, p. 15.

[3] R. Albert Mohler Jr., Estudando as Escrituras para encontrar Jesus: In: D.A. Carson, org., As Escrituras dão testemunho de mim, São Paulo: Vida Nova, 2015, p. 18.

[4]E.F. Harrison, Introducción al Nuevo Testamento, Grand Rapids, Michigan: Subcomision Literatura Cristiana, 1980, p. 132.

[5]Justino de Roma, I Apologia, São Paulo: Paulus, 1995, 66, p. 82. (Ver: Eusebio de Cesarea, Historia Eclesiástica,Madrid: La Editorial Catolica, S.A., (Biblioteca de Autores Cristianos), 1973, III.37.2. p. 187; V.8.2ss. p. 296ss). Devemos observar, que, mesmo fora dos escritos do Novo Testamento, a palavra evangelho continuou sendo usada no sentido singular. Por exemplo: No Didaquê, obra anônima publicada por volta do ano 100 d.C., lemos: “E não oreis como os hipócritas, mas como o Senhor os mandou em Seu Evangelho….” (Didaquê, VIII.2) (Vejam-se também, Inácio de Antioquia (c. 30-110), Epístola aos Filadélficos,V.1-2; VIII.2; IX.2; Epístola aos Esmirnenses,V.1; VII.2. In: Cartas de Santo Inácio de Antioquia, 3. ed. São Paulo: Vozes, 1984; Irineu, Irineu de Lião,São Paulo: Paulus, 1995, IV.20.6; Eusebio de Cesarea, Historia Eclesiástica,V.24.6.

[6]“Admira-me que estejais passando tão depressa daquele que vos chamou na graça de Cristo para outro evangelho (eu)agge/lion), o qual não é outro, senão que há alguns que vos perturbam e querem perverter o evangelho (eu)agge/lion) de Cristo. Mas, ainda que nós ou mesmo um anjo vindo do céu vos pregue evangelho (eu)aggeli/zw) que vá além do que vos temos pregado, seja anátema. Assim, como já dissemos, e agora repito, se alguém vos prega evangelho (eu)aggeli/zw) que vá além daquele que recebestes, seja anátema” (Gl 1.6-9).

[7]J.I. Packer, Revelação e Inspiração: In: F. Davidson, ed. O Novo Comentário da Bíblia,2 ed. São Paulo: Vida Nova, 1976, p. 29.

[8] A.W. Pink, Enriquecendo-se com a Bíblia,São Paulo: Fiel, 1979, p. 29.

[9] Quanto a um tratamento mais detalhado sobre o testemunho interno das Escrituras a respeito da sua inspiração e inerrância, veja-se: Hermisten M.P. Costa, A Inspiração e Inerrância das Escrituras: Uma Perspectiva Reformada, 2. ed. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2008, passim.

[10]João Calvino, O Evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 1, (Jo 3.13), p. 129.

[11]J.C. Ryle, A Inspiração das Escrituras,São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, (s.d.), p. 3.

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