A Pessoa e Obra do Espírito Santo (188)
6.3.5. Arrependimento para a vida (Continuação)
Rebelião contra Deus
Portanto, o grande problema do homem é a sua permanente rebelião contra Deus.[1] Pecado consiste basicamente numa atitude errada para com Deus. “Pecado não é tanto uma expressão do que fazemos quanto uma expressão do nosso relacionamento com Deus”, interpreta Lloyd-Jones.[2]
A Palavra de Deus ao povo de Israel permanece como verdade para todos aqueles que ainda se encontram distantes dele: “Ouvi, ó céus, e dá ouvidos, ó terra, porque o SENHOR é quem fala: Criei filhos e os engrandeci, mas eles estão revoltados contra mim” (Is 1.2).
Todos, sem exceção, estão nesta situação, até que conheçam, pela fé, salvadoramente a Cristo.
Nem vitimização, nem arrogância
O caminho proposto por Deus é o arrependimento e a confissão. Deus não quer saber de nossas maquiagens e truques espirituais. Deus não é simplesmente de festas e aparências: decotes, brilhos, emoções perpetuadas em closes, e sorrisos fáceis.
Antes, trata com dignidade a nossa indignidade. Trata com santidade e misericórdia o nosso pecado. Deus vai ao cerne da questão, já quase inacessível a nós pelo monte de entulhos que, assimilados pela cultura e manipulados pelo nosso pecado conivente, a sobrepõem.
O fato, portanto, é este: Deus perdoa a todos aqueles que, arrependidos, tristes com o seu pecado, sinceramente o procuram de mãos vazias, sem arrogância ou vitimizações. Deus mesmo declara: “Eu, eu mesmo, sou o que apago as tuas transgressões ((a$ep)(pesha’)por amor de mim” (Is 43.25). “Desfaço as tuas transgressões ((a$ep)(pesha’) como a névoa, e os teus pecados como a nuvem; torna-te para mim, porque eu te remi” (Is 44.22).
Esquecimento dos atos de Deus
O esquecimento dos atos de Deus contribui para o nosso afastamento dele e de sua Palavra. Esse é o diagnóstico que faz o salmista ao considerar a rebeldia de Israel: “Nossos pais, no Egito, não atentaram (lk;f)(sakal) às tuas maravilhas (al’P’) (pala); não se lembraram (rk;z”) (zakar) da multidão das tuas misericórdias (ds,x,) (hesed) e foram rebeldes junto ao mar, o mar Vermelho” (Sl 106.7).
O povo se manteve indiferente a Deus. Não considerou a Palavra de Deus, seus atos e a aliança feita.
Creio que essa experiência não é estranha a muitos de nós. Em alguns momentos, sob o impacto de um grande livramento, a concretização de um desejo intensamente acalentado, o restabelecimento de uma enfermidade, a conquista de um emprego depois de meses sem sucesso… Quem sabe, louvamos a Deus com sinceridade e integridade. Assumimos compromissos santos diante de Deus, e confessamos as nossas falhas… Mas, em seguida, passados os primeiros momentos de júbilo, gradativamente podemos incorrer no esquecimento de Deus, dos seus atos e de nossas promessas. Foi o que aconteceu com o povo de Israel:
11 As águas cobriram os seus opressores; nem um deles escapou. 12 Então, creram nas suas palavras e lhe cantaram louvor. 13 Cedo, porém, se esqueceram (xk;v’) (shakach) das suas obras e não lhe aguardaram os desígnios (…) 21 Esqueceram-se (xk;v’) (shakach) de Deus, seu Salvador, que, no Egito, fizera coisas portentosas (lAdG”) (gadol). (Sl 106.11-13, 21).
As maravilhas de Deus envolvem a sua Palavra. Por isso, devemos considerá-la com sinceridade e louvor.
A Lei bendita e a nossa história
A Lei de Deus não é apenas uma proposição revelada e teológica, antes, é também contada na história.
Como temos insistido, a história nas Escrituras é uma demonstração prática dos princípios estabelecidos por Deus. A Lei de Deus é contada por meio da história do povo. A obediência traz a bem-aventurança da comunhão com Deus. A desobediência, as consequências da quebra da aliança feita por Deus com o seu povo.
De certa forma, a história de nossa vida não deixa de ser história de nosso coração – com suas escolhas tão contrastantes e contraditórias ao longo dos anos –, e dos mandamentos de Deus: uma demonstração existencial dos efeitos de nossa obediência e desobediência a Deus, sempre, é claro, envolvida pela misericórdia de Deus que nos capacita a obedecer, nos perdoa em nosso arrependimento e nos restaura à sua comunhão.
Na disciplina de Deus, além de revelar a sua justiça, Ele tem para seus filhos, este propósito primordial: conduzir-nos ao arrependimento.
Calvino escreveu sobre isso:
Porque a Deus não Lhe basta ferir-nos com sua mão, a menos que também nos toque interiormente com Seu Espírito Santo. (…) Até que Deus nos toque no mais profundo de nosso interior, é certo que não faremos nada senão dar coices contra Ele, cuspindo mais e mais veneno; e toda vez que nos punir rangeremos os dentes, e nada mais faremos senão atacá-Lo. (…) Então vocês veem como Deus mostra Sua justiça cada vez que pune os homens, ainda que tal punição não seja uma solução para sua emenda.[3]
Temos uma boa síntese do significado bíblico de arrependimento no Catecismo Menor de Westminster, em resposta à pergunta 87: “O que é arrependimento para a vida?”:
Arrependimento para a vida é uma graça salvadora, pela qual o pecador, tendo uma verdadeira consciência de seu pecado, e percepção da misericórdia de Deus em Cristo, se enche de tristeza e de aversão pelos seus pecados, os abandona e volta para Deus, inteiramente resolvido a prestar-lhe obediência (At 11.18; At 2.37; Jl 2.13; 2Co 7.11; Jr 31.18,19; At 26.18; Sl 119.59).
Maringá, 18 de maio de 2021.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1]“O pecado é antes um poder militante diametralmente oposto à vontade divina e seus propósitos” (Gustaf Aulén, A fé cristã, São Paulo: ASTE., 1965, p. 143).
[2]D.M. Lloyd-Jones, O Caminho de Deus, não o nosso, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2003, p. 25-26.
[3]Juan Calvino, Bienaventurado el Hombre a Quem Dios Corrige: In: Sermones Sobre Job, Jenison, Michigan: T.E.L.L., 1988, (Sermon nº 3), p. 48. Juan Calvino, Bienaventurado el Hombre a Quem Dios Corrige: In: Sermones Sobre Job, p. 49). (Vejam-se também: João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 4, (IV.17), p. 204; João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Parakletos, 2002, v. 3, (Sl 79.1), p. 250.