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A Pessoa e Obra do Espírito Santo (175) - Hermisten Maia

A Pessoa e Obra do Espírito Santo (175)

6.3.5. Arrependimento para a vida (Continuação)

Santo, Santo, Santo

O salmista cantando as maravilhas de Deus, conclama o povo a juntamente com ele, adorar a Deus considerando a santidade do Senhor:

Exaltai ao SENHOR, nosso Deus, e prostrai-vos ante o escabelo de seus pés, porque ele é santo (vAdq’) (qadosh). (Sl 99.5).
Exaltai ao SENHOR, nosso Deus, e prostrai-vos ante o seu santo monte, porque santo (vd,qo) (qodesh) é o SENHOR, nosso Deus.  (Sl 99.9).

A palavra santo é de difícil interpretação. A sua origem está relacionada a cortar, separar. A ideia que talvez prevaleça é de algo acima. Deus como absolutamente santo está acima de todas as coisas.

Por isso, quando a palavra se refere a Deus, relaciona-se com a sua Majestade. Deus não se confunde, Ele está acima de todas as coisas. Ele transcende a tudo o que existe. “A santidade de Deus, dessa forma, se torna uma expressão da perfeição do seu ser, a qual transcende toda as criaturas”, interpreta Naude.[1]

O conceito de santidade de Deus é único entre todos os povos.  Como escreveu Strauss (1899-1973): “Não há deus santo para Aristóteles nem para os gregos em geral”.[2]

          Na Antiguidade, ainda que não isoladamente, encontramos um filósofo pagão que criticou com discernimento as práticas religiosas de seu tempo.

          Xenófanes (c. 570-c.460 a.C.), faz uma crítica severa a Homero e Hesíodo, dizendo:

Homero e Hesíodo atribuíram aos deuses tudo o que para os homens é opróbrio e vergonha: roubo, adultério e fraudes recíprocas.
Como contavam dos deuses muitíssimas ações contrárias às leis: roubo, adultério, e fraudes recíprocas.
Mas os mortais imaginam que os deuses são engendrados, têm vestimentas, voz e forma semelhantes a eles.
Tivessem os bois, os cavalos e os leões mãos, e pudessem, com elas, pintar e produzir obras como os homens, os cavalos pintariam figuras de deuses semelhantes a cavalos, e os bois semelhantes a bois, cada (espécie animal) reproduzindo a sua própria forma.
Os etíopes dizem que os seus deuses são negros e de nariz chato, os trácios dizem que têm olhos azuis e cabelos vermelhos.[3]

Deus é intrinsicamente santo, do mesmo modo que é justo, bondoso e poderoso. A sua santidade é necessária e absoluta. A santidade, por sua vez, permeia com beleza, de forma indissolúvel e essencial todos os atributos de Deus. A santidade não é mais um atributo mas, aquilo que qualifica todo o ser de Deus.

Assim, em todos os seus atributos vemos expressões da beleza de sua santidade. “A santidade é o padrão de todas as suas ações”, resume Pink (1886-1952).[4]

O poder de Deus é santo (não é tirânico); a justiça de Deus é perfeita (Não é crueldade); a sua misericórdia fundamenta-se em sua justiça (não é mero sentimento circunstancial).[5]

          Um dos recursos da literatura hebraica para enfatizar um conceito ou ensinamento, era a repetição de uma palavra.

Pronunciar uma palavra três vezes é conferir um grau superlativo à mensagem. Quando nos deparamos com o livro de Isaias, durante a visão do profeta, encontramos no canto alegre de adoração e louvor por parte dos Serafins essa gloriosa ênfase: E clamavam uns para os outros, dizendo: Santo, santo, santo é o SENHOR dos Exércitos; toda a terra está cheia da sua glória(Is 6.3).

          Sproul (1939-2017) observa que nenhum dos atributos de Deus é assim dito três vezes; as Escrituras não dizem que Ele é amor, amor, amor ou, misericórdia, misericórdia, misericórdia ou justiça, justiça, justiça. Mas Deus é santo, santo, santo.[6]

Fora de Deus não existe santidade. Toda santidade é relacional e derivada de Deus.  Por isso, podemos dizer que toda santidade nas Escrituras é teorreferente. E mais: somente Deus pode santificar todas as coisas porque somente Ele é absolutamente Santo. (Ex 31.13; Lv 20.8; 21.8,15,23;[7] 22.9,16, 32; Ez 20.12; 37.28)

          A santidade de Deus que envolve a sua glória e separação daquilo que é comum, não exclui o aspecto relacional de sua revelação.

A Santidade de Deus e a pregação

Fazendo uma pequena  digressão, destacamos que o modo como pregamos o Evangelho reflete o nosso conceito de Deus. Nada é mais importante do que o caráter de Deus. Todavia, quando perdemos a dimensão de Quem é Deus, as demais coisas são descaracterizadas. Somente a compreensão correta de quem é Deus pode conferir sentido à nossa existência e a todo o nosso labor missionário.

          Diante da majestade de Deus todas as demais coisas tornam-se aos nossos olhos, o que realmente são: pequenas.[8] De fato: “Não há glória real senão em Deus”, resume Calvino.[9]

          A perda da dimensão correta da Majestade de Deus tem como causa primeira o descrédito para com a sua Palavra: quando não conhecemos (cremos) nas Escrituras, também não conhecemos a Deus (Mt 22.29/Os 4.1,6).[10]

          Em 1996, um grupo de Evangélicos radicados nos Estados Unidos elaborou a Declaração Teológica de Cambridge. Na Quarta tese, lemos:

Onde quer que, na igreja, se tenha perdido a autoridade da Bíblia, onde Cristo tenha sido colocado de lado, o evangelho tenha sido distorcido ou a fé pervertida, sempre foi por uma mesma razão. Nossos interesses substituíram os de Deus e nós estamos fazendo o trabalho dele a nosso modo. A perda da centralidade de Deus na vida da igreja de hoje é comum e lamentável. É essa perda que nos permite transformar o culto em entretenimento, a pregação do evangelho em marketing, o crer em técnica, o ser bom em sentir-­nos bem e a fidelidade em ser bem­-sucedido. Como resultado, Deus, Cristo e a Bíblia vêm significando muito pouco para nós e têm um peso irrelevante sobre nós.

Deus não existe para satisfazer as ambições humanas, os desejos, os apetites de consumo, ou nossos interesses espirituais particulares. Precisamos nos focalizar em Deus em nossa adoração, e não em satisfazer nossas próprias necessidades. Deus é soberano no culto, não nós. Nossa preocupação precisa estar no reino de Deus, não em nossos próprios impérios, popularidade ou êxito. [11]

            Portanto, o que anunciamos jamais será o Evangelho bíblico se consistir apenas numa mensagem de alívio para as supostas necessidades do homem. Esta concepção nos parece imperiosamente relevante.

          Quando proclamamos o Evangelho, estamos glorificando a Deus por meio de nossa obediência ao seu mandamento de anunciar a mensagem de redenção a todos os homens.   A Evangelização visa glorificar a Deus por meio do anúncio da natureza de Deus e de Sua obra eficaz efetivada em Cristo Jesus.

          Deus é transcendente e pessoal. É o Deus santo, o totalmente outro, mas, que se relaciona conosco. Ao povo que estava distante da Palavra e do Deus da Palavra, ignorando a sua santidade, o Senhor lhe diz: “Não executarei o furor da minha ira; não tornarei para destruir a Efraim, porque eu sou Deus e não homem, o Santo no meio de ti; não voltarei em ira” (Os 11.9).

Maringá, 02 de maio de 2021.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]Jackie A. Naude, Qds: In: Willem A., Vangemeren, org. Novo Dicionário Internacional de Teologia e Exegese do Antigo Testamento, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 3, p. 876.

[2]Leo Strauss, Nicolás Maquiavelo: In: Leo Strauss y Joseph Cropsey, compiladores. Historia de la Filosofia Política, México: Fondo de Cultura Económica, © 1993, 1996 (reimpresión), p. 286.

[3]Xenófanes, Fragmentos, 11-16. In: Gerd A. Bornheim, org. Os Filósofos Pré-Socráticos, 3. ed. São Paulo: Cultrix, 1977, p. 32. Mais tarde, um escritor cristão do segundo século, fazendo uma apologia do Cristianismo – que estava sendo severamente perseguido durante o reinado de Adriano (117-138 AD), a quem destina o seu escrito –, critica o politeísmo grego: “Os gregos, que dizem ser sábios, mostraram-se mais ignorantes do que os caldeus, introduzindo uma multidão de deuses que nasceram, uns varões, outros fêmeas, escravos de todas as paixões e realizadores de toda espécie de iniquidades. Eles mesmos contaram que seus deuses foram adúlteros e assassinos, coléricos, invejosos e rancorosos, parricidas e fratricidas, ladrões e roubadores, coxos e corcundas, feiticeiros e loucos. (…) Daí vemos, ó rei, como são ridículas, insensatas e ímpias as palavras que os gregos introduziram, dando nome de deuses a esses seres que não são tais. Fizeram isso, seguindo seus maus desejos, a fim de que, tendo deuses por advogados de sua maldade, pudessem entregar-se ao adultério, ao roubo, ao assassínio e a todo tipo de vícios. Com efeito, se os deuses fizeram tudo isso, como não o fariam também os homens que lhes prestam culto? (…) Os homens imitaram tudo isso e se tornaram adúlteros e pervertidos e, imitando seu deus, cometeram todo tipo de vícios. Ora, como se pode conceber que deus seja adúltero, pervertido e parricida?” (Aristides de Atenas, Apologia,I.8-9. In: Padres Apologistas,São Paulo: Paulus, 1995, p. 43-45).

[4]A.W. Pink, Os atributos de Deus, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1985, p. 42

[5]Veja-se: Joel R. Beeke; Mark Jones, Teologia Puritana: Doutrina para a vida, São Paulo: Vida Nova, 2016, p. 125.  

[6]Cf. R.C. Sproul, A santidade de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 1997, p. 35-36. “A santidade é, sem dúvida, o mais importante de todos os atributos de Deus” (John MacArthur, Deus: Face a face com sua majestade, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2013, p. 47).

[7] “Tu, pois, falarás aos filhos de Israel e lhes dirás: Certamente, guardareis os meus sábados; pois é sinal entre mim e vós nas vossas gerações; para que saibais que eu sou o SENHOR, que vos santifica” (Ex 31.13). “Guardai os meus estatutos e cumpri-os. Eu sou o SENHOR, que vos santifico” (Lv 20.8). “Portanto, o consagrarás, porque oferece o pão do teu Deus. Ele vos será santo, pois eu, o SENHOR que vos santifico, sou santo” (Lv 21.8). “E não profanará a sua descendência entre o seu povo, porque eu sou o SENHOR, que o santifico” (Lv 21.15). “Porém até ao véu não entrará, nem se chegará ao altar, porque tem defeito, para que não profane os meus santuários, porque eu sou o SENHOR, que os santifico” (LV 21.23).

[8]Comentando Dn 3.28 – quando Nabucodonosor admite que Sadraque, Mesaque e Abedenego preferiram obedecer a Deus ao decreto real –, Calvino escreve: “Toda e qualquer pessoa que olha para Deus, facilmente menospreza a todos os mortais e a tudo o que se afigura esplêndido e majestoso no mundo inteiro” (João Calvino, O Profeta Daniel: 1-6, São Paulo: Parakletos, 2000, v. 1, (Dn 3.28), p. 228).

[9]João Calvino, As Pastorais, São Paulo: Paracletos, 1998, (1Tm 1.17), p. 46.

[10] “Respondeu-lhes Jesus: Errais, não conhecendo as Escrituras nem o poder de Deus” (Mt 22.29). “Ouvi a palavra do SENHOR, vós, filhos de Israel, porque o SENHOR tem uma contenda com os habitantes da terra, porque nela não há verdade, nem amor, nem conhecimento de Deus. (…) O meu povo está sendo destruído, porque lhe falta o conhecimento. Porque tu, sacerdote, rejeitaste o conhecimento, também eu te rejeitarei, para que não sejas sacerdote diante de mim; visto que te esqueceste da lei do teu Deus, também eu me esquecerei de teus filhos” (Os 4.1,6).

[11] Documento consultado em 02/05/2021 no site:  http://www.alliancenet.org/cambridge-declaration : www.alliancenet.org . Em português: James M. Boice: Benjamin E. Sasse, Reforma Hoje,  2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2017, p. 19.

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