A Pessoa e Obra do Espírito Santo (159)
6.3.2.3. Vocação eficaz: Da eternidade para eternidade em santidade (Continuação)
Na vocação de Deus vemos parcialmente a concretização do seu propósito sábio, amoroso e eterno que envolve toda a nossa existência.
Deus nos chama fazendo com que o seu gracioso propósito eterno passe a fazer parte da experiência do regenerado. A predestinação é oculta, porém, os seus frutos são experienciáveis de forma natural e demonstrativa:
Nele [Jesus Cristo], digo, no qual fomos também feitos herança, predestinados (proori/zw) segundo o propósito daquele que faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade. (Ef 1.11).
Porquanto aos que de antemão conheceu, também os predestinou (proori/zw) para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E aos que predestinou (proori/zw) esses também chamou (kale/w) e aos que chamou (kale/w), a esses também justificou; e aos que justificou, a esses também glorificou. (Rm 8.29-30).
Esta ordem divina é eficaz porque Deus opera eficazmente em nossa mente e coração. Deus age na história conforme o seu decreto, chamando-nos e adotando-nos como filhos e herdeiros da Aliança! Aqui a Palavra de Deus é definitivamente colocada e sedimentada em nosso coração.
A vocação de Deus permanece e nos sustenta até o fim (Fp 1.6).[1] A glória de Deus se manifesta na constituição da igreja, na reunião de seu povo redimido. Portanto, tanto o nosso chamado como a progressividade de nossa salvação devem estar subordinados à glória de Deus. Paulo e Pedro enfatizam:
Devemos sempre dar graças a Deus por vós, irmãos amados pelo Senhor, porque Deus vos escolheu (ai(re/omai) desde o princípio para a salvação, pela santificação do Espírito e fé na verdade, para o que também vos chamou (kale/w) mediante o nosso evangelho, para alcançardes a glória de nosso Senhor Jesus Cristo. (2Ts 2.13-14).
O Deus de toda a graça, que em Cristo vos chamou (kale/w) à sua eterna glória, depois de terdes sofrido por um pouco, ele mesmo vos há de aperfeiçoar, firmar, fortificar e fundamentar. (1Pe 5.10). (Ver: 1Ts 2.12).
Uma das coisas que apreciava no Verão (antes da pandemia), era a possibilidade de me reunir com alguns amigos e jogar Biribol.[2] Em geral são momentos alegres e festivos marcados por algumas contusões nos dedos e alguma ansiedade. Ansiedade sim. Se esfriar naquele sábado é provável que os mais experientes se excluam por questões de saúde; a água pode ficar menos agradável. Estando em casa, não é raro pensar sobre isso na sexta: será que vai esfriar essa madrugada? As pessoas estarão bem-dispostas? Teremos gente suficiente? (O ideal são oito jogadores, embora possamos jogar com quatro).
Você pode estar pensando: quanto tempo gasto para praticar apenas um esporte… Provavelmente você tem razão. Quem tem filhos pequenos ou mesmo, já crescidos vivem ou se lembram deles acordando de madrugada, indo ao quarto dos pais e perguntando se já está na hora de se levantar… Certamente, não é para escola, mas, para o passeio que haverá na igreja, quando sairão bem cedo. Em geral, aquilo que apreciamos e, que não é rotineiro, tende a ocupar mais a nossa mente. Não há nada de mal nisso. São pequenas coisas que gotejam a nossa vida em fases diferentes, com intensidade variada e em circunstâncias díspares.
Retornando ao nosso ponto, enfatizamos que Deus nos chama para a sua glória. Nada se compara a isso. Somos peregrinos, estrangeiros e hóspedes neste mundo.[3] Não há destinação mais nobre e sublime. Somos chamados à glória de Cristo.
Você já se sentiu honrado por um convite bastante seleto? Já se sentiu desqualificado ou desconsiderado por não receber o convite para uma festa de casamento de pessoas próximas? Pois bem, saiba que Deus nos chama à glória. Isso nos basta. Não como prêmio de consolação, mas, porque não temos vocação maior. O Senhor de todas as coisas, de toda a realidade visível e invisível, nos destina à glória de Seu Filho amado.
O quanto ocupamos a nossa mente com isso? O quanto cantamos sobre isso? Quantos sermões pregamos ou ouvimos sobre a glória celestial? Tenho que admitir que preguei pouco sobre isso nesses mais de 45 anos que ocupo o púlpito de igreja.
Precisamos cultivar em nossa mente o refletir sobre a glória eterna de Deus, sobre a nossa futura e gloriosa habitação com o Senhor, onde não haverá choro nem tristeza. A glória será contemplar o Senhor Deus na face de Cristo usufruindo de sua perfeita comunhão para sempre. (Cl 3.1-4/Ef 2.6-7). A glória do céu para nós é estar com Cristo.[4] A nossa felicidade só será real e, portanto, eterna, se tivermos a Deus como sua fonte e alegria.[5]
Packer (1926-2020), um proeminente teólogo contemporâneo, escreveu com profunda sensibilidade bíblica e experiencial: “Não importa quão velhos ou doentes estejamos, os pensamentos no que se refere a nosso futuro com Jesus trarão coragem e alegria ao nosso coração. Jesus mesmo, de seu trono, fará que isso aconteça”.[6]
O fato meus irmãos é que não há nada mais nobre ou grandioso do que isso, nem aqui, nem na eternidade. A nossa salvação não é o fim último. Ela é o meio: somos destinados desde a eternidade à glória de Deus. Calvino resume: “Concordo que a glória de Deus deve estar, para nós, acima de nossa salvação….”.[7] Em nosso chamado salvador, vemos a glória da graça de Deus. “Somente pela graça”, é outra forma de dizer: toda glória pertence a Deus![8]
Henry (1662-1714), comentando o Salmo 17, escreveu:
A felicidade no mundo vindouro está preparada somente para os que são justificados e santificados. (…) Não existe satisfação para uma alma, a não ser em Deus e em sua boa vontade para conosco; porém, esta satisfação não será perfeita até que cheguemos ao céu”.[9]
Considerando que foi Deus mesmo quem nos chamou (vocacionou) (Fp 3.14; 2Tm 1.9; Hb 3.1; 2Pe 1.10), devemos instar com nossos irmãos e, interceder junto ao Senhor para que Ele torne nossos irmãos dignos dessa vocação. Este foi o procedimento de Paulo em contextos diferentes: “Rogo-vos (parakale/w),[10] pois, eu, o prisioneiro no Senhor, que andeis de modo digno (a)cio/w)[11] da vocação (klh=sij) a que fostes chamados” (Ef 4.1). “….não cessamos de orar por vós, para que o nosso Deus vos torne dignos (a)cio/w) da sua vocação (klh=sij) e cumpra com poder todo propósito de bondade e obra de fé” (2Ts 1.11).
Alegremo-nos na doce, graciosa e gloriosa condição de filhos de Deus. O Pai nos chamou a este privilégio: “Vede que grande amor nos tem concedido o Pai, a ponto de sermos chamados (kale/w) filhos de Deus; e, de fato, somos filhos de Deus….” (1Jo 3.1).[12]
Somos chamados ao crescimento espiritual. Nessa luta não pode haver comodismo ou omissão. Vamos tratar mais desse assunto quando estudarmos a santificação.
Maringá, 13 de abril de 2021.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1]Veja-se: C.H. Spurgeon, Sermões Sobre a Salvação, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1992, p. 20.
[2] Uma espécie de vôlei de piscina. Enquanto redijo estas linhas chegou-me a notícia do falecimento no dia de hoje, do inventor desse esporte, Dario Miguel Pedro (1936-2021), que continuava a viver na cidade do Noroeste do Estado de São Paulo que deu nome à modalidade esportiva, Birigui, conhecida como “Capital Nacional do Calçado Infantil”. A cidade que foi fundada em 07.12.1911, conta com cerca de 125 mil habitantes. Em Maringá, o grande entusiasta e incentivador do Biribol é um biriguiense muito expansivo, e grande amigo, Márcio Ceolin, que ficou bastante entristecido com a morte do velho conhecido.
[3] “….os filhos de Deus, onde quer que estejam, não passam de hóspedes deste mundo. De fato, no primeiro sentido ele (Pedro), no início da Epístola, os chama de peregrinos, como transparece do contexto; aqui, porém, o que ele diz é comum a todos eles. Pois as concupiscências da carne nos mantêm enredados quando em nossa mente permanecemos no mundo e cremos que o céu não é nossa pátria; mas quando vivemos como forasteiros ao longo desta vida, não vivemos escravizados à carne” (John Calvin, Calvin’s Commentaries, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1996 (reprinted), v. 22, (1Pe 2.11), p. 78). “Somos estrangeiros e peregrinos neste mundo, (…) não possuímos morada fixa senão no céu. Portanto, sempre que formos expulsos de algum lugar, ou alguma mudança no suceder, tenhamos em mente, segundo as palavras do apóstolo aqui, que não temos lugar definido sobre a terra, porquanto nossa herança é o céu; e quando formos cada vez mais provados, então nos preparemos para nossa meta final. Os que desfrutam de uma vida tranquila, comumente imaginam que possuem para si um repouso neste mundo. Portanto é bom que nós, que somos inclinados a esse gênero de pândega, que somos constantemente levados de um a outro lado, tão propensos à contemplação das coisas aqui de baixo, aprendamos a volver sempre nossos olhos para o céu” (João Calvino, Exposição de Hebreus,São Paulo: Edições Paracletos, 1997, (Hb 13.14), p. 391-392). Veja-se também: D.M. Lloyd-Jones, O Supremo Propósito de Deus, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1996, p. 367.
[4] Vejam-se: Sam Storms, Com um pé levantado: Calvino, a glória da ressurreição final e o céu: In: John Piper; David Mathis, Com Calvino no teatro de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, p. 93-110 (http://www.desiringgod.org/messages/the-final-act-in-the-theater-of-god) (visto em 13.04.2021); J.I. Packer, Força na fraqueza: vencendo no poder de Cristo, São Paulo: Vida Nova, 2015.
[5] Vejam-se: John Piper, Pense – A Vida da Mente e o Amor de Deus, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2011, p. 128; João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Edições Paracletos, 1999, v. 1, (Sl 16.11), p. 324).
[6] J.I. Packer, Força na fraqueza: vencendo no poder de Cristo, São Paulo: Vida Nova, 2015, p. 102.
[7]J. Calvino, As Pastorais, São Paulo: Paracletos, 1998, (Tt 1.2), p. 301.
[8] Vejam-se: James M. Boice, Fundamentos da Fé Cristã: Um manual de teologia ao alcance de todos, Rio de Janeiro: Editora Central Gospel, 2011, p. 449; D.M. Lloyd-Jones, O Supremo Propósito de Deus, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1996, p. 125, 127.
[9]Matthew Henry, Comentário Bíblico de Matthew Henry, 5. ed. Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2006, (Sl 17), p. 409.
[10] O verbo tem o sentido de: implorar (Mt 8.5; 18.29), suplicar (Mt 18.32); exortar (Lc 3.18; At 2.40; 11.23); conciliar (Lc 15.28); consolar (Lc 16.25; 15.32; 1Ts 5.11; 2Ts 2.17); confortar (At 16.40; 2Co 1.4; 7.6); contemplar (2Co 1.4); convidar (At 8.31); pedir (At 9.38; 1Co 4.13; 16.15); pedir desculpas (At 16.39); fortalecer (At 20.2,12); solicitar (At 25.2; Fm 9,10); chamar (At 28.20); admoestar (1Co 4.16; Hb 10.25); recomendar (1Co 16.12; 2Co 8.6; 9.5; 1Tm 6.2).
O apelo de Paulo era frequentemente fundamentado numa questão teológica; não se amparava simplesmente em sua idoneidade ou autoridade, antes em Deus mesmo. Assim ele o faz pelas misericórdias de Deus (Rm 12.1; 1Ts 2.12) e pelo Senhor Jesus (Rm 15.30; 1Co 1.10; Fp 4.2). Como cooperador de Deus exorta a que os coríntios não recebam em vão a graça de Deus (2Co 6.1); roga também pela mansidão e benignidade de Cristo (2Co 10.1).
[11] Este advérbio tem o sentido primário de “contrabalança”, aquilo que é de “igual valor”, “equivalente”. A ideia da palavra é a de estabelecer uma relação de compatibilidade e equilíbrio.
[12] Veja-se: John Murray, Redenção: Consumada e Aplicada, 2. ed. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2010, p. 83.