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A Pessoa e Obra do Espírito Santo (145) - Hermisten Maia

A Pessoa e Obra do Espírito Santo (145)

Um estudo de caso: A Academia de Genebra: missão como vocação (Continuação)

Por isso, quando o rei da França, Carlos IX escreve (23.01.1561) uma carta ameaçadora ao Conselho de Genebra a respeito de pregadores Genebrinos que atuavam em cidades francesas, os acusando de sedições, dissenções e perturbação, atrapalhando a paz de seu reino, pedindo que os mesmos fossem chamados de volta, Calvino responde quase que imediatamente (28.01.1561)

Protestamos sinceramente diante de Deus que nunca tentamos enviar pessoas para o seu reino como  sua majestade afirma. (…) De forma que ninguém, com nosso conhecimento e permissão, tem saído daqui para pregar, exceto um único indivíduo que nos pediu, para a cidade de Londres [Nicholas des Gallars (c.1520-1581) [1]].[2]

 Admite que pessoas o tem procurado. Quando via que tais homens eram dotados de instrução e piedade, ele os exortava  a “exercitar seus dons onde quer que eles devam ir para o avanço do Evangelho”.[3]

Demonstrando consciência de que a mensagem do Evangelho é verdadeira e que o Senhor nos concedeu, por graça, a honra de anunciá-la, devemos disseminá-la em todos os lugares, “tanto para que Deus seja glorificado, quanto pelo cuidado que têm com todos os homens”.[4]

    É o Espírito quem nos capacita a fazê-lo:

A pregação externa da Palavra é por si só infrutífera, a não ser que ela fira mortalmente os réprobos, de modo tal que os faça indesculpáveis diante de Deus. Mas quando a graça secreta do Espírito vivifica [a mente dos réprobos], todos os sentidos inevitavelmente serão afetados de tal maneira que a pessoa se sente preparada a ir aonde quer que Deus a chame. Devemos, pois, orar para que Cristo derrame em nós o mesmo poder do evangelho.[5]

O que Calvino escreveu ao rei, se coaduna com o senso de oportunidade que esposava:

         Na primeira parte deste versículo, ele usa uma metáfora bem comum, ao     tomar a palavra “porta” no sentido de oportunidade, pois o Senhor estava abrindo uma “entrada” para ele proclamar o evangelho. Ele qualifica esta porta de “grande”, porque ele poderia ganhar muitas pessoas. Qualifica-a de “oportuna”, porque o Senhor estva abençoando seu trabalho e fazendo seu ensino eficaz pelo poder do seu Espírito. Vemos, pois, que este santo homem divisava a glória de Cristo em toda parte, e não escolhia um lugar que se adequase à sua própria conveniência ou bel-prazer, senão que sua única preocupação era encontrar onde pudesse ser mais útil e onde pudesse servir ao Senhor e pudesse pôr em evidência um maior contingente de seu trabalho.[6] A isto ele acrescenta que de maneira alguma se esquivava das dificuldades, senão que voluntarimente se colocava onde via que a batalha estava para deflagrar mais violentamente e a carga era mais pesada. Ele estava ficando em razão das ameaças de muitos adversários, e porque era ele o mais bem equipado para resistir seus ataques, então sentia-se obrigado a apresentar-se bem preparado e disposto para o início da luta.[7]

Assim como uma porta aberta faz possível  uma entrada, assim também os servos do Senhor fazem progresso quando uma oportunidade se lhes antolha. A porta está fechada quando não há esperança de sucesso. Portanto, quando a porta está fechada, temos que tomar um caminho diferente em vez de nos desgastarmos em esforços vãos para transitarmos por ele; mas, quando uma oportunidade para a edificação se nos antolha, lembremo-nos de que a porta se nos abriu pela mão de Deus  a fim de que proclamemos Cristo naquele lugar, e não recusemos aceitar o generoso convite que Deus assim nos oferece.[8]

    Comentando 1Tm 2.4, Calvino afirma: “…. nenhuma nação da terra e nenhuma classe social são excluídas da salvação, visto que Deus quer oferecer o Evangelho a todos sem exceção”.[9] 

    À frente continua: “Aqueles que se encontram sob o governo do mesmo Deus não são excluídos para sempre da esperança de salvação”.[10]

    Por isso, “o Senhor ordena aos ministros do Evangelho (que preguem) em lugares distantes, com o propósito de espalhar a doutrina da salvação em cada parte do mundo”.[11]

    Analisando uma das implicações da petição “venha o Teu Reino”, comenta: “Portanto, nós oramos pedindo que venha o reino de Deus; quer dizer, que todos os dias e cada vez mais o Senhor aumente o número dos Seus súditos e dos que nele creem”.[12]

    Em outro lugar, acrescenta:

Não existe outra forma de edificar a igreja de Deus senão pela luz da Palavra, em que o próprio Deus, por sua própria voz, aponta o caminho da salvação. Até que a verdade brilhe, os homens não podem se unir juntos, na forma de uma verdadeira Igreja.[13]

    O meio ordinário de Deus agir é chamando, persuadindo e congregando o seu povo por intermédio do seu povo. Em outras palavras, nós somos instrumentos, “elos vitais” no desenvolvimento do propósito salvífico de Deus, proclamando a sua Palavra de salvação.[14]                                                 

Maringá, 29 de março d 2021.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]Sobre Gallars, veja-se: https://books.google.fr/books?pg=PA5&dq=Nicolas+des+Gallars&ei=-LkRTY-uFJ-nweEi7WBDg&ct=result&id=JvU9AAAAcAAJ#v=onepage&q=Nicolas%20des%20Gallars&f=false (Consulta feita em 28.03.2021).

[2] Carta de Calvino ao Rei da França (28.01.1561). In: Selected Works of John Calvin: Tracts and Letters, eds. Henry Beveridge and Jules Bonnet, Grand Rapids, Mi: Baker Book House, v. 7 (Letters, Part 4), 1983,  p. 168.

[3] Carta de Calvino ao Rei da França (28.01.1561). In: Selected Works of John Calvin: Tracts and Letters, eds. Henry Beveridge and Jules Bonnet, Grand Rapids, Mi: Baker Book House, v. 7 (Letters, Part 4), 1983,  p. 168.

[4]Carta de Calvino ao Rei da França (28.01.1561). In: Selected Works of John Calvin: Tracts and Letters, eds. Henry Beveridge and Jules Bonnet, Grand Rapids, Mi: Baker Book House, v. 7 (Letters, Part 4), 1983,  p. 169. Comentando Is 2.3, escreveu: “Os piedosos se encheriam com um desejo tão ardente de difundir as doutrinas da religião, que cada um ficaria satisfeito com sua própria vocação, e seu conhecimento pessoal desejaria levar outros consigo. E de fato nada poderia ser mais consistente com a natureza da fé do que aquele receio de levar alguém a desrespeitar a seus irmãos e de manter a luz do conhecimento incubada em seu próprio peito. Quanto maior é a eminência acima dos demais, a qual alguém recebeu de sua vocação, tanto mais diligentemente deve ele labutar para iluminar a outros”  (John Calvin, Calvin’s Commentaries, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House Company, 1996 (Reprinted), v. 7/1, (Is 2.3), p. 94).  “A glória de Deus deve estar, para nós, acima de nossa salvação” (J. Calvino, As Pastorais, São Paulo: Paracletos, 1998, (Tt 1.2), p. 301). “Não busquemos nossos próprios interesses, mas antes aquilo que compraz ao Senhor e contribui para promover sua glória” (João Calvino, A Verdadeira Vida Cristã,  São Paulo: Novo Século, 2000, p. 30). Pregando em 03.07.1556 sobre Dt 33.18-19, diz: “Quando conhecemos que Deus é nosso Pai, não deveríamos desejar que Ele fosse conhecido como tal por todos? E se nós não temos essa paixão, que todas as criaturas lhe prestem respeito, não seria este um sinal de que a sua glória significa pouco para nós?” (Calvino, Sermão sobre Dt 33.18-19. In: Corpus Reformatorum (v. 57). Ioannis Calvini Opera Quae Supersunt Omnia, Guilielmüs Baum; Edüardüs Cünitz; Edüardüs Reüss, eds., Brunsvigae:  Apud C.A. Sohwetschke et Filium, 1885, v. 29, col. 175).

[5]João Calvino, O Evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 1, (Jo 1.43), p. 79.

[6]“A forma como ele [Davi] fazia isso, ele mostra que era através do zelo pela Igreja de Deus com que sua alma se inflamava. Não só assinalava a causa dos maus tratos que recebia – seu zelo pela casa de Deus -, mas também declara que, qualquer que fosse o tratamento de que imerecidamente fosse alvo, todavia, por assim dizer, esquecendo-se de si mesmo, ele arderia de santo zelo para manter a Igreja, e ao mesmo tempo a glória de Deus, com a qual vive em comunhão indestrutível. (…)

     “Davi ignorou a si próprio, e que toda a tristeza que sentia era procedente do santo zelo com que ardia quando via o sacro nome de Deus insultado e ultrajado com horríveis blasfêmias. (…)

     “Até que tenhamos aprendido a dar pouco valor a nossa reputação pessoal, jamais seremos inflamados com genuíno zelo em contender pela preservação e avanço dos interesses da glória divina (…)

     “Visto que Cristo, em quem resplandece toda a majestade da Deidade, não hesitou a expor-se a todo gênero de afronta para a manutenção da glória de seu Pai, quão vil e ignominioso será se nos reduzirmos a semelhante sorte” (João Calvino, O Livro dos Salmos,São Paulo: Parakletos, 2002, v. 3, (Sl 69.9), p. 21-22).

[7] João Calvino, Exposição de 1 Coríntios,São Paulo: Paracletos, 1996, (1Co 16.9), p. 504.

[8] João Calvino,  Exposição de 2 Coríntios, São Paulo: Paracletos, 1995, (2Co 2.12), p. 52.

[9]João Calvino, As Pastorais, (1Tm 2.4), p. 60. Ver também: John Calvin, Calvin’s Commentaries, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House Company, 1996 (Reprinted), v. 12, (Ez 18.23), p. 246-249. 

[10] João Calvino, As Pastorais, (1Tm 2.5), p. 62.

[11]John Calvin, Calvin’s Commentaries, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House Company, 1996 (Reprinted), v. 17, (Mt 28.19), p. 384.

[12]João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006,  v. 3, (III.9), p. 124. 

[13] Ver: John Calvin, Commentary on the Prophet Micah. In: John Calvin Collection,[CD-ROM], (Albany, OR: Ages Software, 1998), (Mq 4.1-2), p. 101.

[14] Veja-se: J.I. Packer, Evangelização e Soberania de Deus,2. ed. São Paulo: Vida Nova, 1990, p. 66-67.

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