A Pessoa e Obra do Espírito Santo (130)
6.3.2.2. É eterna e imutável
Os propósitos de Deus são eternos (Ef 3.11). O seu decreto é eterno. Deus não está circunscrito ao tempo, à aprendizagem e à “maturação das ideias”. Deus é o senhor da eternidade, do tempo e das circunstâncias. O tempo é onde Deus revela o seu propósito eterno.[1] Na revelação de Deus, temos aos nos olhos, o encontro do tempo com o eterno, sem que o Deus eterno, jamais deixe o tempo, onde Ele age e cuida de nós.
De fato, o que é a história, senão o palco onde Deus efetiva o Seu Reino?! “A chave da história do mundo é o Reino de Deus”, interpreta Lloyd-Jones.[2] O propósito de Deus na história como realidade presente, faz parte da essência de nossa fé.[3]
De modo mais específico, vemos biblicamente que Deus nos escolheu na eternidade com um propósito eterno: Somos filhos da eternidade, não do tempo. Deus nos escolheu na eternidade para a eternidade. Aqueles aos quais Deus escolheu em amor, serão acompanhados por Deus mesmo, em sua graça, fazendo-os desenvolverem a sua salvação até à consumação gloriosa. Esta “boa obra” iniciada pelo Espírito em nós será completada, de eternidade a eternidade (Fp 1.6).[4] “Não é propriamente nossas obras em si mesmas que Deus considera, e sim, sua graça em nossas obras”, conclui Calvino.[5]
Spurgeon (1834-1892), pregando sobre este ponto, exulta: “Quão doce é crer que nossos nomes estavam no coração do Senhor e gravados nas mãos de Jesus muito antes que o mundo existisse! Não seria este motivo suficiente para fazer-nos transbordar de gozo e encher-nos de alegria?”.[6]
Os eleitos sempre pertenceram a Deus. Deus os confiou ao Filho que veio morrer por eles. Aqui vemos que a escolha eterna de Deus antecede à fé e às boas obras: fomos escolhidos por Deus, por sua graça eterna. Esta verdade bíblica que permanece oculta aos olhos naturais, pode ser unicamente compreendida de forma adequada em Cristo (Jo 17.6).[7]
A nossa salvação não depende da nossa obediência incerta; ela tem a garantia do propósito imutável de Deus que se revelará em nossa obediência; por isso, podemos ter a certeza da nossa salvação (Mt 24.22,24 [Mc 13.20]; Rm 8.29,30; 9.11; Ef 1.4,5; 2Tm 2.19; Hb 6.17).[8]
Considerando a sábia e infalível providência de Deus, A.A. Hodge (1823-1886) conclui: “Já que Ele é um Ser eterno e imutável, seu plano certamente existiu em todos os seus elementos, perfeito e imutável, desde a eternidade”.[9]
Spurgeon (1834-1892) escreve com lirismo:
Cristo amou a esta linhagem desde antes da fundação do mundo. É um pensamento nobre e glorioso – o mesmo lirismo da doutrina calvinista, a qual nós ensinamos – que antes que a estrela matutina conhecesse seu lugar, antes que do nada Deus criasse o universo, antes que a asa do anjo agitasse os virgens espaços etéreos, e antes que um solitário cântico perturbasse o silêncio no qual Deus reinava supremamente. Ele já havia entrado em conselho consigo mesmo, com Seu Filho e com Seu Espírito, e havia determinado, proposto e predestinado a salvação de Seu povo.[10]
Isso nos conduz ao próximo tópico.
6.3.2.3. É em Cristo
4 Assim como nos escolheu, nele, antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis perante ele; e em amor 5 nos predestinou para ele, para a adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo, segundo o beneplácito de sua vontade, 6 para louvor da glória de sua graça, que ele nos concedeu gratuitamente no Amado, 7 no qual temos a redenção, pelo seu sangue, a remissão dos pecados, segundo a riqueza da sua graça. (Ef 1.4-7).
Calvino expõe o texto bíblico:
Assim, para resumir, depois de Paulo haver mostrado que não podíamos trazer coisa alguma a Deus, mas que esse atuou de antemão por sua livre graça elegendo-nos antes da criação do mundo, ele acrescenta uma prova ainda mais certa, a saber, que ele o fez em nosso Senhor Jesus Cristo, o qual é, por assim dizer, o verdadeiro registrador.[11]
Cristo é o representante e o fiador eterno do seu povo. A eleição não ocorre de forma independente da Pessoa de Cristo.[12] Fora de Cristo não há salvação (At 4.12), porque, de fato, fora dele não há eleição. Ele é ao mesmo tempo o Deus que elege e o Verbo Encarnado, Eleito de Deus. Jesus Cristo é o fundamento e o único meio de salvação. Fomos eleitos nele e para Ele. “O Escolhido de Deus é o agente divino da escolha”, resume Coenen.[13] (At 4.12; 2Tm 1.9/Ef 1.4-6/1Pe 1.18-20; Ap 13.8).
A eleição eterna foi selada em Cristo, o nosso fiador. Mas, poderíamos indagar: por que em Cristo? A resposta é simples: porque não há nada em nós que possa se tornar agradável a Deus ou, “parceiro” em nossa eleição. A eleição em Cristo aponta para a nossa depravação total bem como para a perfeita suficiência em Cristo.
A nossa eleição repousa em Cristo, a quem o Pai nos confiou (Jo 17.2,6,9). Jesus Cristo não frustrou nem frustrará a confiança de seu Pai (Jo 17.4/Jo 19.30). Tudo que é do Pai também pertence ao Filho (Jo 16.15/Jo 17.9-10). A obra do Pai é a obra do Filho. O propósito do Pai é também do Filho. Somos salvos dentro de um propósito harmonioso, santo e eterno, como escreve o apóstolo Paulo: “O qual se entregou a si mesmo pelos nossos pecados, para nos desarraigar deste mundo perverso, segundo a vontade de nosso Deus e Pai” (Gl 1.4).
Calvino (1509-1564) conclui:
A fonte donde nos advêm todas as bênçãos que Deus nos concede consiste em que ele nos escolheu em Cristo.[14]
Dos que Deus escolheu para serem Seus filhos não se diz que os escolheu neles mesmos, mas em Seu Cristo (Ef 1.4), visto que não os poderia amar senão nele, e não os poderia honrar com a Sua herança, a não ser fazendo-os primeiro partícipes dele. Pois bem, se fomos eleitos em Cristo, não encontramos em nós a certeza da nossa eleição; nem mesmo em Deus, o Pai, a encontramos, se é que podemos imaginá-lo nua e cruamente sem Seu Filho.[15]
A nossa eleição é a mais bela expressão do pacto da graça. Jesus Cristo, o Cordeiro eterno, se encarnou, morreu e ressuscitou na história para resgatar o que lhe fora confiado na eternidade, cumprindo assim, uma das demandas do Pacto da Graça (Jo 6.39,44; 17.2,9,11,24).
A salvação e todas as bênçãos decorrentes dela, são-nos comunicadas em Cristo. Fora de Cristo não há herdeiros, porque só podemos ser “coerdeiros” de Deus, sendo Cristo o primogênito[16] de Deus entre muitos irmãos (Rm 8.17/Rm 8.29).
Aparte do Filho ninguém seria digno da eleição, por isso, Jesus Cristo é o Eleito de Deus[17] e, por intermédio dele, e somente assim, também o somos. (Ef 1.4).[18] Jesus Cristo é o princípio, meio e fim da eleição. Fomos eleitos para Ele, tendo-o como modelo para onde a bendita Trindade nos conduz de forma santificadora (Rm 8.29-30).
Cristo é também o “espelho em que se impõe e se pode sem engano contemplar nossa eleição”, interpreta Calvino.[19] Uma evidência da eleição ampara-se em nossa comunhão com Cristo. A garantia de nossa eleição está em Cristo e na sua obra eficaz: “Nossa verdadeira plenitude e perfeição consiste em estarmos unidos no Corpo de Cristo”, exulta Calvino.[20]
Calvino com justa razão conferiu à doutrina da união mística um grande valor soteriológico e pastoral. Insistiu no ponto de que o pecador não pode participar dos benefícios salvadores de Cristo, a menos que entre em comunhão com Ele.[21]
“Aos olhos de Deus só somos verdadeiramente gerados quando somos enxertados em Cristo, fora de quem nada é encontrado senão morte”, afirma.[22] A eleição em Cristo nos liga a Ele de forma indissolúvel. Por isso, tudo o que temos e somos é em Cristo (Ef 1.3,7; Rm 8.1). Não há benefício salvador a ser aplicado fora de Cristo. O nosso consolo e alegria é que estamos definitivamente ligados a Cristo.
Bavinck (1854-1921), de forma poética diz:
Os crentes estão em Cristo da mesma forma que todas as coisas, em virtude da criação e da providência, estão em Deus. Eles vivem em Cristo como os peixes vivem na água, os pássaros vivem nos ares, o homem em sua vocação, o erudito em seu estudo. Juntamente com Cristo os crentes foram crucificados, mortos e sepultados, e juntamente com Ele eles ressuscitaram e estão assentados à mão direita de Deus e glorificados (Rm 6.4ss.; Gl 2.20; 6.14; Ef 2.6; Cl 2.12,20; 3.3). Os crentes assumem a forma de Cristo e mostram em seu corpo tanto o sofrimento quanto a vida de Cristo e são aperfeiçoados (completados) nele. Em resumo, Cristo é tudo em todos (Rm 13.14; 2Co 4.11; Gl 4.19; Cl 1.24; 2.10; 3.11).[23]
A eleição eterna foi selada em Cristo, o representante e o fiador eterno do Seu povo. Mas, poderíamos indagar: por que em Cristo? A resposta é simples: porque não há nada em nós que possa se tornar agradável a Deus ou, “parceiro” em nossa eleição. A eleição em Cristo aponta para a nossa depravação total bem como para a perfeita suficiência em Cristo.
Aqui vemos também a manifestação da santa justiça de Deus. A nossa eleição não foi um ato isolado, caprichoso ou inconsequente; antes, foi em Cristo. A eleição envolve a justiça de Cristo; a sua vitória sobre o pecado, o mundo e Satanás, representando assim o seu povo.
Somente Jesus Cristo, por meio da sua justiça, obtida na sua encarnação, morte e ressurreição, poderia satisfazer as exigências de Deus para a nossa salvação. Portanto, como escreve Packer: “Quando Deus justifica pecadores à base da obediência e da morte de Cristo, está agindo com toda equidade. Dessa maneira, longe de comprometer sua retidão judicial, esse método de justificação em realidade a exibe”.[24]
Maringá, 9/10 de março de 2021.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1]Meu antigo e saudoso professor de História da Igreja, escreveu: “[A História da igreja é] a narração dos fatos relativos à origem, ao desenvolvimento e propósito do Reino de Deus na Terra” (Lázaro Lopes de Arruda, Anotações de História da Igreja, São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1990, Tomo I, p. 15).
[2]D. Martyn Lloyd-Jones,Do temor à Fé, Miami: Editora Vida, 1985, p. 23.
[3]Veja-se A.A. Hoekema,A Bíblia e o Futuro, São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1989, p. 39ss. “O Reino de Deus é no Novo Testamento, a vida e a meta do mundo que correspondem às intenções do Criador” (Karl Barth, La Oración,Buenos Aires: La Aurora, 1968, p. 51).
[4] “Estou plenamente certo de que aquele que começou boa obra em vós há de completá-la até ao Dia de Cristo Jesus” (Fp 1.6).
[5]João Calvino, Exposição de Hebreus,São Paulo: Paracletos, 1997, (Hb 6.10), p. 159. Sobre as obras como evidência de nossa eleição no pensamento de Calvino, ver: Joel R. Beeke, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, Recife, Pe: Editora Os Puritanos, 2003, p. 97ss.
[6]C.H. Spurgeon, Sermões do ano de Avivamento,São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1994, p. 99. (Sermão pregado em 6 de março de 1859).
[7] “Manifestei o teu nome aos homens que me deste do mundo. Eram teus, tu mos confiaste, e eles têm guardado a tua palavra” (Jo 17.6). Veja-se: John Calvin, Calvin’s Commentaries, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1996 (reprinted), v. 18, (Jo 17.6), p. 170-171.
[8] Veja-se, Cânones de Dort,I.11.
[9]Archibald A. Hodge, Confissão de Fé Westminster Comentada por A.A. Hodge,São Paulo: Editora os Puritanos, 1999, p. 96.
[10]C.H. Spurgeon, Sermões no ano do avivamento,São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, p. 47-48.
[11] João Calvino, Sermões em Efésios, p. 59.
[12] Vejam-se: John Murray, Redenção: Consumada e Aplicada,p. 180-181; Anthony A. Hoekema, Salvos pela Graça,São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1997, especialmente, p. 62-64.
[13] L. Coenen, Eleger: In: Colin Brown, ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1982, v. 2, p. 34.
[14]João Calvino, O Livro dos Salmos,v. 1, (Sl 28.8), p. 609.
[15] João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 3, (III.8), p. 61.
[16]Primogênito aqui deve ser entendido como um título de honra, indicando a sua majestade e prioridade (Cl 1.15,18; Hb 1.6; Ap 1.5).
[17]Comentando o Salmo 2, Calvino assim se expressa: “Cristo era verdadeiramente o eleito do Pai, a quem o Pai deu todo o poder para que tão-somente seja preeminente acima dos homens e dos anjos” (João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 1, (Sl 2.12), p. 76). Ver: S. Agostinho, A Graça (II), São Paulo: Paulus, 1999, p. 187ss., 190.
[18] Veja-se: J. Calvino, As Institutas,III.22.1.
[19] João Calvino, As Institutas,III.24.5.
[20]João Calvino, Efésios, (Ef 4.12), p. 124.
[21]Veja-se: J. Calvino, Sermones Sobre La Obra Salvadora De Cristo, “Sermon nº 2”, p. 23.
[22]João Calvino, Exposição de 1 Coríntios,São Paulo: Paracletos, 1996, (1Co 4.15), p. 143.
[23] Herman Bavinck, Our Reasonable Faith, 4. ed. Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1984, p. 398.
[24] J.I. Packer, Justificação: In: J.D. Douglas, ed. org. O Novo Dicionário da Bíblia, São Paulo: Junta Editorial Cristã, 1966, v. 2, p. 899b.