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A Pessoa e Obra do Espírito Santo (125) - Hermisten Maia

A Pessoa e Obra do Espírito Santo (125)

    6.3.1.1. A vocação teológica para o discipulado e ensino (continuação)

Silêncio reverente ou palavrórios insolentes

O verdadeiro teólogo é um humilde discípulo das Escrituras. Todavia, tão certo quanto a Palavra de Deus é a única regra de fé, assim também é que nosso teólogo, para que entenda de maneira espiritual e salvadora, deve ser entregue ao ensino interno do Espírito Santo. Portanto aquele que é discípulo das Escrituras também deve ser um discípulo do Espírito – Herman Witsius.[1]

O fato bíblico é que diante do mistério não há lugar para especulação,[2] antes devemos estar comprometidos com o que Deus nos deu a conhecer na Palavra. E, o que Deus nos deu a conhecer é muito mais do que consigo alcançar e, principalmente vivenciar.[3]

Confesso que ignoro uma série de questões quanto à eternidade e à sua “cotidianidade”. Mas, sei que devo aprender a amar, perdoar, ser longânimo, misericordioso e ter uma vida mais santa.[4] Confesso que tenho falhado concretamente em muitas ocasiões. Que Deus tenha misericórdia de mim.

Como cristãos, devemos aprender, se ainda não o fizemos, a nos calar diante do silêncio de Deus, sabendo que o som da nossa voz petulante e “lógica”[5] – em tais circunstâncias –, por si só seria uma “heresia”.[6]

Diante da vontade de Deus – que é a causa final de todos os seus atos –, temos que manter um reverente silêncio, reconhecendo que Ele assim age, porque foi do seu agrado; conforme o seu santo, sábio e bondoso querer: Isto nos basta! (Sl 115.3; 135.6; Dn 4.35; Ef 1.11). O que nos compete é procurar entender, por meio do estudo sério, da oração e da observação histórica, o que Deus quer nos ensinar em “toda a Escritura” e em cada parte da Escritura.[7]

Estudo da doutrina e oração

A doutrina da eleição deve ser estudada não com espírito armado e defensivo, mas em oração, com o desejo sincero de aprender de Deus a sua Palavra, certos de que por meio deste aprendizado, poderemos usufruir de modo consciente as bênçãos que Ele reservou para o seu povo.[8]

    Calvino se constitui em um bom exemplo dessa seriedade pessoal e pastoral. Em 1551, escreveu em resposta a uma carta de Laelius Socino (1525-1562),[9] onde este fazia várias especulações. À certa altura diz:

Certamente, ninguém pode ser mais adverso ao paradoxo do que eu, e não tenho nenhum deleite em sutilezas. No entanto, nada jamais me impedirá de confessar abertamente aquilo que tenho aprendido da Palavra de Deus, pois nada, senão o que é útil, é ensinado na escola desse mestre. Ela é meu único guia, e aquiescer às suas doutrinas manifestas será a minha constante regra de sabedoria. (…) Se você tem prazer em flutuar em meios a essas especulações etéreas, permita-me, peço-lhe eu, humilde discípulo de Cristo, meditar naquilo que conduz à edificação da minha fé.[10]

Lembremo-nos de que Deus não precisa ser justificado, explicado ou racionalizado. Ele ultrapassa em muito a nossa capacidade de percepção (Jó 11.7; Is 40.18, 28; 45.15; Rm 11.33-36):[11] um Deus plenamente explicado, seria um “deus” humanizado, à altura da nossa “razão” e preso à cosmovisão contemporânea com seus valores, ênfases, perspectivas e limitações próprias. Em cada época este “deus” seria compreendido – fabricado e  remodelado -, de uma forma, de acordo com a percepção e valores hodiernos.[12] Neste caso, a Teologia se transformaria em antropologia.[13]

 A teologia não tem nem pode ter esta pretensão – de justificar Deus – ela apenas o descreve conforme Ele se revelou em atos e palavras nas Escrituras, buscando permanentemente a sua iluminação para a compreensão da sua Palavra.[14]

Berkhof (1873-1957) escreve com precisão:

A teologia reformada sustenta que Deus pode ser conhecido, mas que ao homem é impossível ter um exaustivo e perfeito conhecimento de Deus (…). Ter esse conhecimento de Deus seria equivalente a compreendê-lo, e isto está completamente fora de questão: “Finitum non possit capere infinitum”.[15]

    Portanto, a limitação de nosso conhecimento não se deve somente ao nosso pecado, mas, também, à nossa condição de criatura. Devemos nos lembrar, conforme enfatizou Frame: “Ser criatura é ser limitado no pensamento e no conhecimento, como em todos os outros aspectos da vida”.[16]

Após falar da soberania de Deus na Criação e na eleição, Isaías exclama: “Verdadeiramente tu és Deus misterioso”(Is 45.15). Em outro lugar: “Não se pode esquadrinhar o seu entendimento” (Is 40.28/Is 55.9; Pv 25.2; Rm 11.33). Nós aceitamos o mistério.

Maringá, 27 de fevereiro de 2021.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] Herman Witsius, O Caráter do Verdadeiro Teólogo, São Paulo: Teocêntrico Publicações, 2020.(Locais do Kindle 247-250).

[2] “Aprendamos, pois, a evitar as inquirições concernentes a nosso Senhor, exceto até onde Ele nos revelou através da Escritura. Do contrário, entraremos num labirinto do qual o escape não nos será fácil” (João Calvino, Romanos, 2. ed. São Paulo: Parakletos, 2001, (Rm 11.33), p. 426-427).

[3] “Devemos ficar satisfeitos com este oráculo celestial, sabendo que ele diz muito mais do que nossas mentes podem conceber” (João Calvino, O Evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 1, (Jo 1.3),  p. 34). “O que aprouve a Deus nos revelar nós sabemos; o que sua Palavra revela apenas por meio de indícios, nós somente podemos saber em linhas gerais; e o que é afirmado fora da Palavra é apenas o esforço de uma espírito intruso ou de curiosidade vã” (Abraham Kuyper, A Obra do Espírito Santo, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 116).

[4] “O papado atual nos exibe um exemplo similar em seus teólogos, pois gastam toda sua vida em profundas especulações, contudo conhecem menos acerca de tudo o que pertence ao culto divino, à certeza de nossa salvação ou à prática da piedade, do que um sapateiro ou um agricultor conhece de astronomia. E o que é pior, deleitando-se com os mistérios exóticos, francamente desprezam o genuíno ensino da Escritura como algo indigno da categoria de mestres” (João Calvino, O Evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 1, (Jo 3.4),  p. 117). “Dado que os homens estão sempre sujeitos a correr para os extremos e ocupar suas cabeças com  muitas coisas inúteis, Paulo nos revela aquilo que devemos aplicar totalmente nossas mentes e corações, ou seja, na busca em conhecer qual é a esperança da nossa vocação. Eu já vos disse que os homens são, no modo de dizer, nascidos para a curiosidade, e que caminham sem rumo e vagueiam, inventando muitas especulações malignas. Esse é o motivo por que muitos se atormentam demasiadamente, sempre aprendendo e jamais alcançando o conhecimento da verdade (2Tm 3.7), como afirma Paulo” (João Calvino, Sermões em Efésios, Brasília, DF.: Monergismo, 2009, p. 155-156).

[5]A lógica dirigida pelo espírito de submissão a Deus, sempre será útil; caso contrário, esqueçamo-la. No entanto, devemos ter em que mente que “não podemos prender Deus na prisão da lógica humana” (Anthony Hoekema. Salvos pela Graça, São Paulo: Cultura Cristã, 1997, p. 86).

[6]Calvino orientou-nos pastoralmente, dizendo: “Que esta seja a nossa regra sacra: não procurar saber nada mais senão o que a Escritura nos ensina. Onde o Senhor fecha seus próprios lábios, que nós igualmente impeçamos nossas mentes de avançar sequer um passo a mais” (João Calvino, Exposição de Romanos, São Paulo: Paracletos, 1997, (Rm 9.14), p. 330).

[7]Spurgeon (1834-1892) salientou: “Não se deve reter nenhuma doutrina. A doutrina retida, tão detestável na boca dos jesuítas, não é nem um pouco menos abjeta quando adotada por protestantes” (C.H. Spurgeon, Lições aos Meus Alunos,São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1982, v. 2, p. 94). “O ensino saudável é a melhor proteção contra as heresias que assolam à direita e à esquerda entre nós” (C.H. Spurgeon, Lições aos Meus Alunos, v. 2, p. 89).

[8] “O propósito divino não é satisfazer nossa curiosidade, e, sim, ministrar-nos instrução proveitosa. Longe com todas as especulações que não produzem nenhuma edificação” (J. Calvino, As Pastorais,São Paulo: Paracletos, 1998, (2Tm 2.14) p. 233).

[9]Este é tio de Fausto Paolo Socino (1539-1604), teólogo italiano que entre outras heresias fruto de uma interpretação puramente racional das Escrituras, negava a doutrina da Trindade, a divindade de Cristo, sustentando a ressurreição apenas de alguns fiéis, etc. O movimento herético conhecido como Socinianismo é derivado dos ensinamentos de ambos.

[10]João Calvino, Cartas de João Calvino, São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 93. “O propósito divino não é satisfazer nossa curiosidade, e, sim, ministrar-nos instrução proveitosa. Longe, com todas as especulações que não produzem nenhuma edificação”(J. Calvino, As Pastorais,São Paulo: Paracletos, 1998, (2Tm 2.14) p. 233). Veja-se também: Segundo Prefácio de Calvino à tradução da Bíblia feita por Pierre Olivétan (1546), In: Eduardo Galasso Faria, ed. João Calvino: Textos Escolhidos, São Paulo: Pendão Real, 2008, p. 34.

[11] “…. o Criador é incompreensível para as Suas criaturas. Um Deus que pudesse ser exaustivamente compreendido por nós, cuja revelação sobre Si mesmo não nos apresentasse qualquer mistério, seria um Deus segundo a imagem do homem e, portanto, um Deus imaginário, e nunca o Deus da Bíblia” (J.I. Packer, Evangelização e Soberania de Deus, p. 20).

[12]Farley (1935-2018) acentua com propriedade que “Um Deus que não fosse inefável, que fosse inteiramente conhecido como um objeto, uma coisa ou um dado, não seria o Deus da Escritura” (Benjamin Wirt Farley, A Providência de Deus na Perspectiva Reformada: In: Donald K. Mckim, ed. Grandes Temas da Tradição Reformada,São Paulo: Pendão Real, 1999, p. 74).

[13]Uso aqui a expressão de Feuerbach (1804-1872), todavia não aceito a sua hipótese. Se a teologia se limitasse a ser um reflexo daquilo que o homem pensa de si mesmo, aí sim ele     teria razão, poderíamos reduzir “a teologia à antropologia”. (Veja-se: L. Feuerbach, A Essência do Cristianismo,Campinas, SP.: Papirus, 1988, (Prefácio à 2. edição, p. 35), p. 55. Para Feuerbach a religião era apenas uma projeção da razão humana, a objetivação da sua essência.”Pelo Deus conheces o homem e vice-versa pelo homem conheces o seu Deus; ambos são a mesma coisa. O que é Deus para o homem é o seu espírito, a sua alma e o que é para o homem seu espírito, sua alma, seu coração, isto é também o seu Deus: Deus é a intimidade revelada, o pronunciamento do Eu do homem; a religião é uma revelação solene das preciosidades ocultas do homem, a confissão dos seus mais íntimos pensamentos, a manifestação pública dos seus segredos de amor” (Ibidem.,p. 55-56. Veja-se também, p. 57 e 77). A razão é o critério último de toda a realidade (Ibidem., p. 81); “é a medida de todas as medidas” (Ibidem., p. 84). Deus é uma entidade criada pelo homem à imagem de sua razão: “Como tu pensas Deus, pensas a ti mesmo a medida do teu Deus é a medida da tua razão. Se pensas Deus limitado, então é a tua razão limitada; se pensas Deus ilimitado, então a tua razão não é também limitada (…). No ser ilimitado simbolizas apenas a tua razão ilimitada” (Ibidem., p. 82). Karl Marx (1818-1883), interpretando a concepção de Feuerbach, diz que este “resolve o mundo religioso na essência humana” (Karl Marx, Teses Contra Feuerbach, São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, v. 35), 1974, § 6, p. 58). Acrescenta: “Feuerbach não vê, pois, que o próprio ‘ânimo religioso’ é um produto social e que o indivíduo abstrato, analisado por ele, pertence a uma esfera social determinada” (Ibidem.,§ 7, p. 58).

[14]Charles Hodge (1797-1878) observou com precisão: “A teologia não é filosofia. Não pretende descobrir a verdade nem conciliar o que ensina como verdadeiro com todas as outras verdades. Seu lugar é simplesmente declarar o que Deus tem revelado em Sua Palavra, e justificar estas declarações até onde seja possível frente a equívocos e objeções. Este limitado e humilde ofício da teologia é especialmente necessário ter em mente, quando passamos a falar dos atos e propósitos de Deus” (Charles Hodge, Systematic Theology,Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1986, v. 1, p. 535).

[15] L. Berkhof, Teologia Sistemática, Campinas, SP.: Luz Para o Caminho, 1990, p. 32. “…. somos seres humanos, e é preciso que observemos sempre as limitações de nosso conhecimento, e não os ultrapassemos, pois tal gesto seria usurpar as prerrogativas divinas” (João Calvino, As Pastorais, São Paulo: Paracletos,1998, (1Tm 5.25), p. 160). “Deus não pode ser apreendido pela mente humana. É mister que Ele se revele através de Sua Palavra; e é à medida que Ele desce até nós que podemos, por sua vez, subir até os céus” (João Calvino, O Profeta Daniel: 1-6,São Paulo: Parakletos, 2000, v. 1, (Dn 3.2-7), p. 186). Do mesmo modo, enfatiza Schaeffer (1912-1984): “A comunicação entre Deus e o homem é verdadeira, o que não significa que ela seja exaustiva. Esta é uma importante diferença e precisa sempre ser mantida em mente. Para conhecer qualquer coisa que seja, de forma exaustiva, teríamos que ser infinitos, como Deus é. Mesmo no céu não seremos assim” (Francis A. Schaeffer, O Deus que Intervém, São Paulo: Cultura Cristã, 2002, p. 151). Veja-se: R.C. Sproul, O que é a teologia reformada: seus fundamentos e pontos principais de sua soteriologia, São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 25ss.

[16]John M. Frame, A Doutrina do Conhecimento de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 37. Veja-se também: Norman Geisler; Peter Bocchino, Fundamentos Inabaláveis: resposta aos maiores questionamentos contemporâneos sobre a fé cristã, São Paulo: Vida Nova, 2003, p. 50.

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