A Pessoa e Obra do Espírito Santo (104)
6.2. O Espírito e Jesus Cristo
Veio para salvar a todos mediante a sua pessoa, todos, digo, os que por sua obra renascem de Deus, crianças, meninos, adolescentes, jovens e adultos. Eis por que passou por todas as idades, tornando-se criança com as crianças, santificando as crianças; com os adolescentes se fez adolescente, santificando os que tinham esta mesma idade e tornando-se ao mesmo tempo para eles o modelo de piedade, de justiça e de submissão. Jovem com os jovens, tornou-se seu modelo e os santificou para o Senhor; da mesma forma se tornou adulto entre os adultos, para ser em tudo o mestre perfeito, não somente quanto à exposição da verdade, mas também quanto à idade, santificando ao mesmo tempo os adultos e tornando-se também modelo para eles. E chegou até a morte para ser o primogênito entre os mortos e ter a primazia em tudo, o iniciador da vida, anterior a todos e precedendo a todos – Irineu (c. 130-200).[1]
Para a execução de sua tarefa infinitamente difícil, era mister que o Mediador fosse ungido pelo Espírito Santo, pois deve-se ter em mente que o Filho de Deus era também o filho do homem. A segunda pessoa da Trindade, sendo verdadeiramente divina, possui duas naturezas: a divina e a humana. A natureza divina não necessita de fortalecimento, porém a natureza humana, sim. Portanto, todas as qualificações necessárias foram conferidas ao Mediador quando, em seu batismo, o Espírito Santo, simbolizado por uma pomba, desceu sobre ele em plena medida. – William Hendriksen (1900-1982).[2]
Deus não envia seus servos para nenhuma tarefa sem que o equipe, quer previamente, quer durante o processo de cumprimento de sua vocação, da capacitação necessária.[3] Nunca nos sobrevêm tentação insuportável dentro da provisão de Deus (1Co 10.13).[4] Não existe o não posso quando Deus nos supre, o que Ele sempre faz na preservação de seus servos do cumprimento de sua vontade (Fp 4.13).[5] A nossa suficiência vem de Deus.
Quando falamos da Segunda Pessoa da Trindade que se encarnou, assumindo a forma de servo, encontramos no Servo Sofredor, a presença do Senhor provedor por meio do seu Espírito que o acompanhou em toda sua vida e ministério.
Nas profecias de Isaías, lemos as palavras do Pai e do Messias referindo-se à Trindade:
Eis aqui o meu servo, a quem sustenho; o meu escolhido, em quem a minha alma se compraz; pus sobre ele o meu Espírito, e ele promulgará o direito para os gentios. (Is 42.1).
Chegai-vos a mim e ouvi isto: não falei em segredo desde o princípio; desde o tempo em que isso vem acontecendo, tenho estado lá. Agora, o SENHOR Deus me enviou a mim e o seu Espírito. (Is 48.16).[6]
O Espírito do SENHOR Deus está sobre mim, porque o SENHOR me ungiu para pregar boas-novas aos quebrantados, enviou-me a curar os quebrantados de coração, a proclamar libertação aos cativos e a pôr em liberdade os algemados. (Is 61.1).
O Espírito esteve presente e atuante em todo o Ministério terreno de Cristo (At 10.38,39),[7] sendo Ele mesmo, Quem revelou aos profetas o nascimento e obra do Messias (Is 53.1-12/1Pe 1.10-12/[8]2Pe 1.21) e pregou a mensagem de arrependimento por meio de Noé (1Pe 3.18-19/2Pe 2.5).[9]
O Espírito, como dizia Basílio (330-379), era o companheiro inseparável do Filho em todos os seus atos; vida e morte.[10] Na vida de Cristo não há alusão nem evidência de um crescimento da presença e direção do Espírito.[11]
Em Cristo vemos a plenitude do Espírito (Is 11.1ss; 42.1ss; 61.1ss.). Nele, temos, pela primeira vez, a manifestação do poder do Espírito da “nova aliança”[12] de forma completa e perfeita.
John Owen (1616-1683) diz que “para capacitar Cristo a cumprir perfeitamente os deveres que tinha a realizar sobre a terra, o Espírito Santo o ungiu de modo especial com dons e poderes extraordinários”.[13]
Da mesma forma, Kuyper (1837-1920):
Evidentemente as Escrituras têm o propósito de enfatizar a realidade da inabilidade da natureza humana com a qual Cristo foi dotado para realizar a obra do Messias sem a operação constante e condução poderosa do Espírito Santo, pelo qual ela foi de tal modo fortalecida que se tornou o instrumento do Filho de Deus para a realização de sua maravilhosa obra.[14]
Jesus Cristo é o modelo de um homem que viveu na plenitude do Espírito. A unção do Filho consistiu no poder próprio do Espírito que foi outorgado pelo Pai à sua natureza humana. Todos os crentes têm o Espírito, mas, nenhum de nós na medida de Jesus em seu ministério terreno. Por isso, para nós, o modelo absoluto que almejamos é o de Jesus Cristo. Nele participamos do mesmo Espírito. A Trindade, por sua vez, está operando em nós nos conduzido à sua semelhança.
Maringá, 07 de fevereiro de 2021.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1] Irineu, Irineu de Lião,São Paulo: Paulus, 1985, II.22.4.
[2]William Hendriksen, Comentário do NT – Mateus v. 1, São Paulo: Cultura Cristã, 2001, (Mt 3), p. 307.
[3] “Deus geralmente supre aqueles a quem imputa a dignidade de possuir esta honra a eles conferida com os dons indispensáveis para o exercício de seu ofício, a fim de que não sejam como ídolos sem vida” (João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 1, (Sl 4.3), p. 96). Vejam-se também: João Calvino, Efésios, São Paulo: Paracletos, 1998, (Ef 4.11), p. 119.
[4] “Não vos sobreveio tentação que não fosse humana; mas Deus é fiel e não permitirá que sejais tentados além das vossas forças; pelo contrário, juntamente com a tentação, vos proverá livramento, de sorte que a possais suportar” (1Co 10.13).
[5]“Tudo posso naquele que me fortalece” (Fp 4.13).
[6] Deve ser dito que Calvino não interpreta esse texto como se referindo ao Messias, mas, ao próprio profeta (Veja-se: John Calvin, Commentary on the Book of the Prophet Isaiah,Grand Rapids, Michigan: Baker Book House Company, (Calvin’s Commentaries), 1996,v. 8/3, (Is 48.16), p. 483).
[7]“38 Como Deus ungiu a Jesus de Nazaré com o Espírito Santo e com poder, o qual andou por toda parte, fazendo o bem e curando a todos os oprimidos do diabo, porque Deus era com ele; 39 e nós somos testemunhas de tudo o que ele fez na terra dos judeus e em Jerusalém; ao qual também tiraram a vida, pendurando-o no madeiro” (At 10.38-39).
[8] “10 Foi a respeito desta salvação que os profetas indagaram e inquiriram, os quais profetizaram acerca da graça a vós outros destinada, 11 investigando, atentamente, qual a ocasião ou quais as circunstâncias oportunas, indicadas pelo Espírito de Cristo, que neles estava, ao dar de antemão testemunho sobre os sofrimentos referentes a Cristo e sobre as glórias que os seguiriam. 12 A eles foi revelado que, não para si mesmos, mas para vós outros, ministravam as coisas que, agora, vos foram anunciadas por aqueles que, pelo Espírito Santo enviado do céu, vos pregaram o evangelho, coisas essas que anjos anelam perscrutar” (1Pe 1.10-12).
[9]“18 Pois também Cristo morreu, uma única vez, pelos pecados, o justo pelos injustos, para conduzir-vos a Deus; morto, sim, na carne, mas vivificado no espírito, 19 no qual também foi e pregou aos espíritos em prisão” (1Pe 3.18-19). “E não poupou o mundo antigo, mas preservou a Noé, pregador da justiça, e mais sete pessoas, quando fez vir o dilúvio sobre o mundo de ímpios” (2Pe 2.5).
[10] Basil, On The Spirit,XVI.39. In: P. Schaff; H. Wace, eds. Nicene and Post-Nicene Fathers of the Christian Church, (Second Series), Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1978, v. 8, p. 25.
[11] Veja-se: Millard J. Erickson, Christian Theology, 13. ed. Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1996, p. 872.
[12] Wayne A. Grudem, Teologia Sistemática,São Paulo: Vida Nova, 1999, p. 640.
[13]John Owen, O Espírito Santo, Recife, PE.: Os Puritanos; Clire, 2012, p. 32. ***Veja-se também: George Smeaton, The Doctrine of the Holy Spirit, Edinburgh: T. & T. Clark, 1882, p. 33ss.
[14] Abraham Kuyper, A Obra do Espírito Santo, São Paulo: Cultura Cristã, 2010,p. 133. Igualmente, Ferguson interpreta: “Para Lucas, todo o ministério de Jesus, que se seguiu desde seu batismo, é exercido no poder do Espírito messiânico. Ele foi ungido a fim de engajar-se num poderoso conflito. (…) Os prodígios que ele realiza são feitos na energia e pela presença do Espírito Santo cf. Mt 12.18)” (Sinclair B. Ferguson, O Espírito Santo, São Paulo: Editora Os Puritanos, 2000, p. 64).