A Pessoa e Obra do Espírito Santo (100)
J) Discernimento e sabedoria (Continuação)
Santo discernimento
Por meio da meditação e prática da Palavra, Deus em sua misericórdia nos concede discernimento com clareza. Este é o testemunho do salmista: “A revelação das tuas palavras esclarece (rAa) (‘ôr) e dá entendimento (!yBii) (bîyn)[1] aos simples (ytiP,) (pethiy) (= ingênuo, tolo, mente aberta)”(Sl 119.130).[2] Para que possamos viver com discernimento, nos instrui Provérbios: “Deixai os insensatos(ytiP.) (pethiy) e vivei; andai pelo caminho do entendimento (hn”yB) (biynah)”(Pv 9.6).
Deus deseja que exercitemos o senso crítico (Pv 1.4; 14.15) deixando a paixão pela “necedade” (Pv 1.22).[3] MacArthur, pontua:
Um indivíduo simples é como uma porta aberta – ele não tem discernimento sobre o que pode sair ou entrar. Tudo entra porque ele é ignorante, inexperiente, ingênuo e não sabe discernir as coisas. Pode ser até que tenha orgulho de ter uma ‘mente aberta’, apesar de ser verdadeiramente um tolo. Mas a Palavra de Deus faz com que essa pessoa seja ‘sábia’. (…) Ser sábio é dominar a arte do viver diário por intermédio do conhecimento da Palavra de Deus e sabendo aplicá-la em toda situação.[4]
O escritor de Hebreus exorta a alguns de seus imaturos leitores que não entendiam a superioridade de Cristo sobre todas as coisas:
11A esse respeito temos muitas coisas que dizer e difíceis de explicar, porquanto vos tendes tornado tardios em ouvir (a)koh/). 12Pois, com efeito, quando devíeis ser mestres, atendendo ao tempo decorrido, tendes, novamente, necessidade de alguém que vos ensine, de novo, quais são os princípios elementares dos oráculos de Deus; assim, vos tornastes como necessitados de leite e não de alimento sólido. (Hb 5.11-12).
O salmista cantando as maravilhas da Lei de Deus, escreve: “…. o testemunho do SENHOR é fiel e dá sabedoria (~k;x’) (chakam) aos símplices (ytiP.) (pethiy) (= mente aberta)” (Sl 19.7).
O simples por não perceber o mal do qual se aproxima, conduz-se perigosamente: “O prudente vê o mal e esconde-se; mas os simples (ytiP.) (pethiy) passam adiante e sofrem a pena” (Pv 22.3).
Deus deseja produzir em seus servos aspectos do Seu caráter. A sabedoria consiste em subordinar a nossa vontade aos preceitos de Deus, reconhecendo neles o caminho de uma vida com sábio discernimento na presença de Deus. “Ser sábio é dominar a arte do viver diário por intermédio do conhecimento da Palavra de Deus e sabendo aplicá-la em toda situação”, conclui MacArthur.[5]
Deus concede este discernimento “aos símplices (ytiP.) (pethiy) (= ingênuo, tolo, mente aberta)”, sendo aqui aplicada a palavra às pessoas ingênuas que por não terem desenvolvido uma mente discernidora, é aberta à qualquer conceito,[6] não percebendo as armadilhas e contradições do seu mosaico inconsistente de pensamento.
A Palavra nos conduz à maturidade, ao discernimento para que não mais tenhamos uma “mente aberta”, em que tudo passe sem fronteira, sendo suscetível a todo tipo de sedução e engano.[7]
Deus, por intermédio da sua Palavra, dá-nos sabedoria espiritual e discernimento para que possamos reconhecer nos seus testemunhos – a Palavra de vida eterna a fim de que vejamos com clareza os sinais dos tempos, sem nos deixar levar por falsas doutrinas engenhosamente criadas pelos homens, seguindo sabiamente o caminho de Deus.
A Palavra nos conduz à maturidade, ao discernimento para que não mais tenhamos uma “mente aberta” onde tudo passe sem fronteira, sendo suscetível a todo tipo de sedução e engano.[8] Faz-se necessário que pensemos e, como nosso pensamento também foi afetado pelo pecado, pensemos sobre o nosso pensamento, rogando o Espírito de sabedoria concedido por Deus (Ef 1.17).[9]
Como escreve Piper, “pensar intensamente sobre a verdade bíblica é o meio pelo qual o Espírito nos mostra a verdade”.[10] Devemos, portanto, aprender a refletir sobre o ensino bíblico, suplicando o discernimento do Espírito.
Paulo, escrevendo ao jovem Timóteo, recorda o aprendizado que ele recebeu nas Escrituras: “…. desde a infância sabes as sagradas letras que podem tornar-te sábio para a salvação pela fé em Cristo Jesus” (2Tm 3.15).
Quem anda em sabedoria não caminha de forma cambaleante (Sl 107.27).
Paradoxalmente, o que tem faltado à Igreja é sabedoria para discernir, por intermédio da Palavra de Deus, o que está acontecendo. Muitas vezes, temos sido iludidos, enganados e espoliados espiritualmente, justamente porque nos tem faltado a meditação na Palavra de Deus, acompanhada pela oração para que Deus nos dê a compreensão dos fatos, da sua vontade para o nosso momento presente.
Diz o salmista:
98Os teus mandamentos me fazem mais sábio (~k;x’)(chakam)que os meus inimigos; porque, aqueles, eu os tenho sempre comigo. 99Compreendo mais do que todos os meus mestres, porque medito nos teus testemunhos. 100 Sou mais prudente (!yBi) (biyn) que os idosos, porque guardo os teus preceitos. 101 De todo mau caminho desvio os pés, para observar a tua palavra. (Sl 119. 98-101).
Deus não deseja um povo ingênuo, imaturo quanto à interpretação da realidade. Ele quer que sejamos maduros, aptos para discernir, interpretar os acontecimentos e que, sem titubear, sigamos os seus preceitos.
A sabedoria propiciada por Deus dá-nos discernimento para que possamos nos valer do que for útil em todos os conhecimentos sem nos perder em meio às suas contradições, tendo como elemento avaliador a Palavra de Deus.
A sabedoria divina oferece-nos um quadro de referência que nos conduz cada vez à gratidão a Deus por tão grandiosa bênção. Para que possamos emitir um juízo de valor é preciso ter valores e um quadro coerente de interpretação a partir de determinado valor ou de um conjunto de valores. Notemos, portanto, que pensar com clareza é uma grande bênção de Deus.[11]
Jesus Cristo afirma que aquele que deseja fazer a vontade de Deus deve examinar a doutrina: “Se alguém quiser fazer a vontade (Qe/lhma)dele (Deus), conhecerá (ginw/skw) a respeito da doutrina (didaxh/), se ela é de Deus” (Jo 7.17).
É necessário discernimento para interpretar as doutrinas que nos são transmitidas a fim de saber se são de Deus ou não. Portanto, devemos desejar conhecer a vontade de Deus (Ef 5.17).
A esperteza dos falsos mestres
O falso mestre é aquele que ensina a mentira, o engano: cria imagens que nada são para corromper seus ouvintes, conduzindo-os a negar o próprio Senhor Jesus Cristo e, também, à viverem libertinamente (a)se/lgeia), ou seja, de modo dissoluto e lascivo.[12] Por causa disso, o caminho do Evangelho seria caluniado, reprovado, “blasfemado”. A mensagem desses falsos mestres consiste numa corrupção do Evangelho. Plasto/j parece ter o sentido aqui de palavras artisticamente elaboradas, moldadas, sugestivas, porém, falsas, forjadas em seu próprio proveito, e, que por isso mesmo estão em oposição à verdade. Curiosamente este é o termo de onde vem a nossa palavra “plástico”.[13] O ensino cristão envolve arte, mas não “arte plástica” para com a verdade.
Nós cristãos, precisamos treinar os nossos ouvidos: “Porque o ouvido prova (!x;B’)(bahan)(examina, testa) as palavras, como o paladar, a comida” (Jó 34.3/Jó 12.11).
O caminho da sabedoria é o caminho da santidade. Se nós queremos ser santos, devemos buscar na Palavra de Deus a coragem para cumprir os seus decretos, o ânimo para não nos abatermos com as ciladas do diabo, e o discernimento e sabedoria para que possamos interpretar a Palavra de Deus, avaliando os fatos, e aplicando os princípios eternos de Deus à nossa realidade cotidiana
Maringá, 25 de janeiro de 2021.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1] O verbo (!yBii) (bîyn) e o substantivo (hn”yBi) (bîynâh) apresentam a ideia de um entendimento, fruto de uma observação demorada, que nos permite discernir para interpretar com sabedoria e conduzir os nossos atos. “O verbo se refere ao conhecimento superior à mera reunião de dados. (…) Bîn é uma capacidade de captação julgadora e perceptiva e é demonstrada no uso do conhecimento” (L. Goldberg, Bîn: In: L. Harris, et. al., eds., Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 172).
!yBii (bîyn) permite diversas traduções (ARA): Acudir (Sl 5.1) (No sentido de considerar); Ajuizado (Gn 41.33,39); Atentar (Dt 32.7,29; Sl 28.5); Atinar (Sl 73.17; 119.27); Considerar (Jó 18.2; 23,15; 37.14); Contemplar (Sl 33.15); Cuidar (Dt 32.10); Discernir (1Rs 3.9,11; Jó 6.30; 38.20; Sl 19.12); Douto (Dn 1.4); Ensinar (Ne 8.7,9); Entender/entendido/entendimento (Dt 1.13;4.6; 1Sm 3.8; 2Sm 12.19; 1Rs 3.12;1Cr 15.22; 27.32; 2Cr 26.5; Ed 8.16; Ne 8.2,3,8,12; 10.28; Jó 6.24;13.1; 15.9; 23.5; 26.14; 28.23; 32.8,9; 42.3); Fixar no sentido de pensar detidamente (Jó 31.1); Inteligência (Dn 1.17); Mestre (no sentido de expert) (1Cr 25.7,8); Penetrar (com o sentido de discernir) (1Cr 28.9; Sl 139.2); Perceber (Jó 9.11;14.21; 23.8); Perito (Is 3.3); Procurar (Sl 37.10); Prudentemente (2Cr 11.23); Reparar (1Rs 3.21); Revistar (procurar atentamente) (Ed 8.15); Saber/Sabedoria (Ne 13.7; Pv 14.33); “Sisudo” em palavras (1Sm 16.18); Superintender (por ter maior conhecimento) (2Cr 34.12). A LXX geralmente emprega a palavra Suni/hmi (syniêmi) para traduzir o verbo hebraico. Suni/hmi (syniêmi) envolve a ideia de reunir as coisas, analisá-las, tentando chegar a uma conclusão por meio de uma conexão das partes (*Mt 13.13,14,15,19,23,51; 15.10; 16.12; 17.13; Mc 4.12; 6.52; 7.14; 8.17,21; Lc 2.50; 8.10; 18.34; 24.45; At 7. 25 (duas vezes); 28.26,27; Rm 3.11; 15.21; 2Co 10.12; Ef 5.17). Paulo instrui aos efésios: “….Vede prudentemente como andais, não como néscios, e, sim, como sábios, remindo o tempo, porque os dias são maus. Por esta razão não vos torneis insensatos, mas procurai compreender (Suni/hmi) qual a vontade do Senhor”(Ef 5.15-17).
[2] Por isso mesmo Deus nos convida a um exame de Sua Palavra. Nela temos os Seus ensinamentos e promessas que, de fato, podem iluminar os nossos olhos, apontando e nos capacitando a seguir o Seu caminho. “Porque o mandamento é lâmpada, e a instrução, luz(rAa) (‘ôr)….”(Pv 6.23). Esta é a experiência do salmista: “Os preceitos do SENHOR são retos e alegram o coração; o mandamento do SENHOR é puro e ilumina (rAa) (‘ôr) os olhos” (Sl 19.8). “Lâmpada para os meus pés é a tua palavra e, luz (rAa) (‘ôr) para os meus caminhos”(Sl 119.105). Nas Escrituras, seguir a instrução de Deus é o mesmo que andar na luz: “Irão muitas nações e dirão: Vinde, e subamos ao monte do SENHOR e à casa do Deus de Jacó, para que nos ensine os seus caminhos, e andemos pelas suas veredas; porque de Sião sairá a lei, e a palavra do SENHOR, de Jerusalém (…) Vinde, ó casa de Jacó, e andemos na luz (rAa) (‘ôr) do SENHOR” (Is 2.3,5). “Atendei-me, povo meu, e escutai-me, nação minha; porque de mim sairá a lei, e estabelecerei o meu direito como luz (rAa) (‘ôr) dos povos” (Is 51.4). (Para um estudo mais pormenorizado do emprego da palavra no Antigo Testamento, vejam-se: H. Wolf, ‘ôr: In: L. Harris, et. al., eds., Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 38-42; William Gesenius, Hebrew-Chaldee Lexicon to the Old Testament,3. ed. Michigan: WM. Eerdmans Publishing Co. 1978, p. 23).
[3]“Até quando, ó néscios (ytiP) (pethiy), amareis a necedade (ytiP) (pethiy)? E vós, escarnecedores, desejareis o escárnio? E vós, loucos, aborrecereis o conhecimento?” (Pv 1.22).
[4]John F. MacArthur Jr., Adotando a Autoridade e a Suficiência das Escrituras: In: J.F. MacArthur Jr., ed. ger., Pense Biblicamente!: recuperando a visão cristã do mundo, São Paulo: Hagnos, 2005, p. 39. Veja-se também: J.F. MacArthur, Jr., Nossa Suficiência em Cristo, São José dos Campos, SP.: Fiel, 1995, p. 68.
[5]John MacArthur, Adotando a Autoridade e a Suficiência das Escrituras. In: John MacArthur, ed. ger., Pense Biblicamente!: recuperando a visão cristã do mundo, São Paulo: Hagnos, 2005, p. 39.
[6]“O simples (ytiP.) (pethiy) dá crédito a toda palavra, mas o prudente atenta (yBi) (biyn) para os seus passos” (Pv 14.15).
[7] Cf. Louis Goldberg, Petî: In: R. Laird Harris, et. al., eds. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento,São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 1249. Para um estudo mais detalhado da palavra, veja-se: M. Saebo, Ptb: In: E. Jenni; C. Westermann, eds., Diccionario Teologico Manual Del Antiguo Testamento, Madrid: Ediciones Cristiandad, 1985, v. 2, p. 624-628.
[8] Cf. Louis Goldberg, Petî: In: R. Laird Harris, et. al., eds. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento,São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 1249. Para um estudo mais detalhado da palavra, veja-se: M. Saebo, Pth: In: E. Jenni; C. Westermann, eds., Diccionario Teologico Manual del Antiguo Testamento, Madrid: Ediciones Cristiandad, 1985, v. 2, p. 624-628.
[9] “Os cristãos precisam pensar sobre o pensamento. (…) A maioria dos seres humanos, contudo, nunca pensa profundamente sobre o ato de pensar. (…) Devido à devastação intelectual causada pela queda, temos a obrigação de pensar sobre o ato de pensar. Essa é a razão pela qual o discipulado cristão é, também, uma atividade intelectual” (R. Albert Mohler Jr., O modo como o mundo pensa: Um encontro com a mente natural no espelho e no mercado. In: John Piper; David Mathis, orgs. Pensar – Amar – Fazer, São Paulo: Cultura Cristã, 2013, p. 44,45,54).
“Você não precisa acreditar em tudo o que pensa, e a razão é simples: nós vemos o que queremos ver. (…) O nervo óptico, o único nervo com ligação direta com o cérebro, na verdade transmite mais impulsos do cérebro para o olho do que vice-versa. Isto significa que se cérebro determina o que o olho vê. Você já está precondicionado. É por isso que, se quatro pessoas presenciarem um acidente, cada uma vai relatar algo diferente. Precisamos nos lembrar, e ensinar aos outros, que não devemos acreditar em tudo o que pensamos” (Rick Waren, A batalha pela sua mente. In: John Piper; David Mathis, orgs. Pensar – Amar – Fazer, São Paulo: Cultura Cristã, 2013, p. 27).
[10] John Piper: In: John Piper; D.A. Carson, O Pastor Mestre e O Mestre Pastor, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2011, p. 64.
[11] Veja-se: John MacArthur Jr., Abaixo a Ansiedade, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2001, p. 32.
[12]A)se/lgeia ocorre nos seguintes textos do Novo Testamento: Mc 7.22; Rm 13.13; 2Co 12.21; Gl 5.19; Ef 4.19; 1Pe 4.3; 2Pe 2.2,7,18; Jd 4.
[13]A palavra grega plastiko/j é derivada do verbo pla/ssw, cujo advérbio utilizado por Pedro é plasto/j. A nossa palavra plástico vem do grego (plastiko/j) passando pelo latim (plasticus), sempre de forma transliterada, significando aquilo “que tem propriedade de adquirir determinadas formas sensíveis, por efeito de uma ação exterior”.