A Oração e o Reino de Deus: Uma oração comprometida (3)
Quando oramos pela vinda do Reino, estamos pedindo a Deus:
A. Que o Reino de Deus se estabeleça no coração de todos os seus escolhidos
O estabelecimento do Reino significa a presença salvadora e soberana de Cristo no coração do homem. “O Reino de Deus é a vitória final sobre o pecado. É a reconciliação do mundo com Deus (2Co 5.19)”.[1]
O Reino inclui dois aspectos: um positivo e outro negativo. Ele significa a redenção, o perdão dos pecados para aqueles que se arrependerem, pela fé aceitam a sua mensagem e nele ingressam e, ao mesmo tempo, o Reino traz em seu bojo o juízo, a condenação para aqueles que o rejeitam.
O nome de Deus que deve ser santificado. Observamos que isto não ocorre de forma perfeita por causa do pecado. Os homens preferem adorar as criaturas em lugar de adorar o Criador. O pecado é que impede os homens de reconhecerem a glória de Deus, visto que Satanás, “o deus deste século cegou os entendimentos dos incrédulos, para que lhes não resplandeça a luz do evangelho da glória de Cristo” (2Co 4.4).
Portanto, rogar “venha o teu Reino” significa dizer: “Senhor vem vencer o pecado e arrancar estes homens, como também fizeste conosco, do domínio da carne, do mundo e de Satanás”.
Oramos para que o mundo também veja o Reino presente que já é visto por nós, mas que permanece oculto aos seus olhos.
A Igreja ora para que Cristo reine no coração dos homens e, também, prega o Evangelho do Reino para que os homens, pela fé concedida por Deus, experimentem o governo redentivo de Cristo.
Comentando 1Tm 2.4, Calvino expressão a sua visão missionária: “Nenhuma nação da terra e nenhuma classe social são excluídas da salvação, visto que Deus quer oferecer o Evangelho a todos sem exceção”.[2] Por isso, “O Senhor ordena aos ministros do Evangelho (que preguem) em lugares distantes, com o propósito de espalhar a doutrina da salvação em cada parte do mundo”.[3]
Analisando uma das implicações da petição “venha o Teu Reino”, comenta:
Portanto, nós oramos pedindo que venha o reino de Deus; quer dizer, que todos os dias e cada vez mais o Senhor aumente o número dos Seus súditos e dos que nele creem; que seja neles e por eles glorificado em todos os aspectos, e aos que Ele já chamou e reuniu em Seu reino distribua e multiplique cada vez mais abundantemente as Suas graças; e que, mediante estas Suas graças, Ele viva e reine sempre e continuamente neles até que, tendo-os unido perfeitamente a Si, venha a cobri-los plena e completamente com Sua bênção.[4]
É nosso dever para proclamar a bondade de Deus a toda nação.[5]
Portanto, preguemos sinceramente, de forma inteligente, com amor e entusiasmo. Quanto aos resultados, estes pertencem a Deus, escapam da nossa esfera de ação.[6] Aproveitemos também as oportunidades concedidas por Deus: “Lembremo-nos de que a porta se nos abriu pela mão de Deus a fim de que proclamemos Cristo naquele lugar, e não recusemos aceitar o generoso convite que Deus assim nos oferecer”.[7]
Deus chama os seus eleitos por meio da pregação da Palavra. “Deus quer que o Evangelho seja proclamado ao mundo todo e em todo o tempo para que seja congregada a soma total dos eleitos”.[8] A Palavra de Deus é sempre um ato criador, por intermédio da qual Deus chama, convence, transforma e edifica os seus.
Cada um de nós que foi alcançado pela Graça de Deus, tornou-se um instrumento de testemunho da bendita salvação, a fim de que o povo de Deus seja salvo (Rm 10.14-17/At 18.9-11).[9] A Igreja é chamada para fora do mundo a fim de invadir o mundo com a pregação do Evangelho (Mt 5.14-16; Mc 16.15-16; At 1.8; 1Co 9.16).[10] A eleição eterna de Deus, inclui os fins e os meios.[11] Os meios de Deus são infalíveis porque Deus também o é.[12] Nós somos o meio ordinário estabelecido por Deus para que o mundo ouça a mensagem do Evangelho. Jesus Cristo confiou à Igreja a tarefa evangelística. A Igreja é “o agente por excelência para a evangelização”.[13] Nenhum homem será salvo fora de Cristo, mas para que isto aconteça ele tem que conhecer o Evangelho da Graça. Como crerão se não houver quem pregue? (Rm 10.13-15). “O evangelismo pelo qual Deus leva os seus eleitos à fé é um elo essencial na corrente dos propósitos divinos”.[14]
Herman Ridderbos (1909-2007), diz acertadamente que “A igreja é o povo que Deus separou para Si em sua atividade salvífica, para que mostrasse a imagem de Sua graça e Sua salvação”.[15]
Portanto, quando levamos o Evangelho a todos os homens, cumprindo prazerosamente parte de nossa missão, estamos de fato demonstrando o nosso amor pelo nosso próximo, desejando que ele conheça a Cristo e, segundo a misericórdia de Deus, se arrependa e creia.[16]
Calvino entendia que “a pregação é um instrumento para a consecução da salvação dos crentes” e, que “embora não possa realizar nada sem o Espírito de Deus, todavia, através da operação interior do mesmo Espírito, ela revela a ação divina muito mais poderosamente”.[17] “Deus, a Si prescrevendo a iluminação da mente e a renovação da mente e a renovação do coração, adverte ser sacrilégio, se o homem a si arroga alguma parte de uma e outra dessas duas operações”.[18]
Deste modo, a oração não exclui a nossa responsabilidade de pregar e viver o Evangelho do Reino, pelo contrário, ela indica o nosso compromisso com o anúncio do Evangelho. “‘Venha o teu reino’ é claramente uma oração para o progresso da atividade missionária”.[19] Portanto, a pregação da igreja é uma expressão de sua oração sincera e urgente: “Venha o Teu Reino”.
No livro de Atos encontramos registrados dois episódios que estabelecem, de forma clara, a relação entre a oração e o compromisso missionário. Pedro e João foram presos após um testemunho eloquente a respeito do poder de Cristo, que através deles curara um coxo de nascença à porta do Templo. Foram ameaçados e soltos. Libertos, procuraram seus irmãos para relatar o que lhes acontecera… Quando ouviram o que contaram, todos, a uma só voz começaram a orar, glorificando a Deus… Lucas relata que “tendo eles orado, tremeu o lugar onde estavam reunidos; todos ficaram cheios do Espírito Santo, e, com intrepidez, anunciavam a Palavra de Deus” (At 4.31). Lucas também registra que o envio de Barnabé e Saulo (Paulo), como missionários, foi precedido por jejuns e oração. “Então, jejuando e orando, e impondo sobre eles as mãos, os despediram” (At 13.3).
D.M. Lloyd-Jones (1899-1981) observa com acerto que,
Quando oramos: ‘venha o teu reino’, estamos orando pelo sucesso do Evangelho, em sua amplitude e poder; estamos orando pela conversão de homens e mulheres; estamos orando para que o reino de Deus tome conta da Europa, das Américas, da Ásia, da África e da Oceania, ou seja, do mundo inteiro. “Venha o teu reino” é uma oração missionária toda-inclusiva.[20]
Jesus Cristo, apresentando alguns sinais que precederão a consumação deste século, diz: “E será pregado evangelho do reino por todo o mundo para testemunho a todas as nações. Então virá o fim” (Mt 24.14).
Maringá, 10 de janeiro de 2019.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1] K. Barth, La Oración, Buenos Aires: La Aurora, 1968, p. 51.
[2]João Calvino, As Pastorais, São Paulo: Paracletos, 1998, (1Tm 2.4), p. 60. Ver também: John Calvin, Calvin’s Commentaries, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House Company, 1996 (Reprinted), v. 12, (Ez 18.23), p. 246-249. Para um estudo sobre a visão missionária de Calvino, ver: James MacKinnon, Calvin and the Reformation, London: Longmans, Green, and Co. 1936, p. 195-205; Philip E. Hughes, John Calvin: Director of Missions. In: John H. Bratt, ed. The Heritage of John Calvin, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1973, p. 40-54; R. Pierce Beaver, The Genevan Mission to Brazil. In: J. H. Bratt, ed. The Heritage of John Calvin, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1973, p. 55-73; W. Stanford Reid, Calvin’s Genebra: A Missionary Centre. In: Richard C. Gamble, ed. Calvin’s work in Geneva, New York: Garland Pub., 1992; J. Vanden Berg, Calvino y las Misiones. In: Jacob T. Hoogstra, org. Juan Calvino, Profeta Contemporáneo, Barcelona: CLIE., 1973, p. 169-185; S.L. Morris, The Relation of Calvin and Calvinism to Missions: In: R.E. Magill, ed. Calvin Memorial Addresses, Richimond VA.: Presbyterian Committee of Publication, 1909, p. 127-146; Antonio Carlos Barro, A Consciência Missionária de João Calvino. In: Fides Reformata, São Paulo: Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper, 3/1 (1998), 38-49; Ray Van Neste, John Calvin on Evangelism and Missions (freerepublic.com/focus/religion/1349519/posts) (Acessado em 10.01.2019). Frank A. James III, Calvin, the Evangelist. (rq.rts.edu/fall01/james.html) (Acessado em 10.01.2019).
[3]John Calvin, Calvin’s Commentaries, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House Company, 1996 (Reprinted), v. 17, (Mt 28.19), p. 384.
[4]João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 3, (III.9), p. 124. “Como nós não sabemos quem são os que pertencem ou deixam de pertencer ao número e companhia dos predestinados, devemos ter tal afeto, que desejemos que todos se salvem; e assim, procuraremos fazer a todos aqueles que encontrarmos, sejam participantes de nossa paz (…). Quanto a nós concerne, deverá ser a todos aplicada, à semelhança de um remédio, salutar e severa correção, para que não pereçam eles próprios, ou a outros não percam. A Deus, porém, pertencerá fazê-la eficaz àqueles a Quem preconheceu e predestinou” (João Calvino, As Institutas, III.23.14).
[5]John Calvin, Calvin’s Commentaries, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House Company, 1996 (Reprinted), v. 7, (Is 12.5), p. 403.
[6] Veja-se: João Calvino, As Institutas, II.5.5,7; III.24.2,15.
[7]João Calvino, Exposição de 2 Coríntios, São Paulo: Edições Paracletos, 1995, (2Co 2.12), p. 52.
[8] R.B. Kuiper, Evangelização Teocêntrica, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1976, p. 21. (Veja-se, também, p. 39).
[9]“Como, porém, invocarão aquele em quem não creram? E como crerão naquele de quem nada ouviram? E como ouvirão, se não há quem pregue? E como pregarão, se não forem enviados? Como está escrito: Quão formosos são os pés dos que anunciam coisas boas! Mas nem todos obedeceram ao evangelho; pois Isaías diz: Senhor, quem acreditou na nossa pregação? E, assim, a fé vem pela pregação, e a pregação, pela palavra de Cristo” (Rm 10.14-17). “Teve Paulo durante a noite uma visão em que o Senhor lhe disse: Não temas; pelo contrário, fala e não te cales; porquanto eu estou contigo, e ninguém ousará fazer-te mal, pois tenho muito povo nesta cidade. E ali permaneceu um ano e seis meses, ensinando entre eles a palavra de Deus” (At 18.9-11).
[10]Vejam-se: Michael Green, Estratégia e Métodos Evangelísticos na Igreja Primitiva: In: A Missão da Igreja no Mundo de Hoje, São Paulo; Belo Horizonte, MG.: ABU; Visão Mundial, 1982, p. 67-68 e Bruce L. Shelley, A Igreja: O Povo de Deus, São Paulo: Vida Nova, 1984, p. 127.
[11] Confissão de Westminster, (1647), III.6. Ver também: R.C. Sproul, Eleitos de Deus, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1998, p. 190.
[12]“Os muitos meios para o fim de salvar cada um dos eleitos são tão eficazes que terminam sempre em resultados bem-sucedidos. Os meios são infalíveis porque Deus é infalível” (R.K. McGregor Wright, A Soberania Banida: Redenção para a cultura pós-moderna, São Paulo: Cultura Cristã, 1998, p. 143).
[13] R.B. Kuiper, El Cuerpo Glorioso de Cristo, Grand Rapids, Michigan: Subcomision Literatura Cristiana de la Iglesia Christiana Reformada, 1985, p. 220. (Veja-se, todo o capítulo, p. 220-226).
[14] J.I. Packer, Vocábulos de Deus, São José dos Campos, SP.: Fiel, 1994, p.146.
[15] Herman Ridderbos, El Pensamiento del Apóstol Pablo, Buenos Aires: La Aurora, 1987, v. 2, § 53, p. 9.
[16] John Stott observou bem este ponto ao declarar em 1974: “A Grande Comissão não explica ou esgota, nem supera o Grande Mandamento. O que ela faz, na verdade, é acrescentar ao mandamento do amor e serviço ao próximo uma nova e urgente dimensão cristã. Se de fato amamos o nosso próximo, não há dúvida de que lhe diremos as boas novas de Jesus” (John R.W. Stott, A Base Bíblica da Evangelização: In: A Missão da Igreja no Mundo de Hoje, São Paulo; Belo Horizonte, MG. ABU; Visão Mundial, 1982, p. 37). De igual modo: John R.W. Stott, A Missão Cristã no Mundo Moderno, Viçosa, MG.: Ultimato, 2010, p. 34.
[17]João Calvino, Romanos, 2. ed. São Paulo: Parakletos, 2001, (Rm 11.14), p. 407.
[18] João Calvino, As Institutas, IV.1.6.
[19]William Hendriksen, Mateus, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2001, v. 1, (Mt 6.10), p. 465.
[20] D.M. Lloyd-Jones, Estudos no Sermão do Monte, São Paulo: FIEL., 1984, p. 349.