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A oração do jovem cristão comprometido: A propósito do Dia do Jovem Presbiteriano (85 anos) - Hermisten Maia

A oração do jovem cristão comprometido: A propósito do Dia do Jovem Presbiteriano (85 anos)

A oração comum a todos os cristãos, talvez mais especialmente na juventude, seja a mesma de Davi: “Faze-me, SENHOR, conhecer os teus caminhos, ensina-me as tuas veredas” (Sl 25.4).

Mas, podemos conhecer algo genuinamente? O que as Escrituras nos ensinam sobre isso?

1. Podemos conhecer a Deus e o seu ensino

          O filósofo Kant (1722-1804), um dos maiores expoentes do Iluminismo (1650-1800),[1]  estabeleceu uma distinção entre a “coisa-em-si” (uma realidade tal como ela é)  (Noúmeno) onde o homem não pode atingir pela experiência e a coisa (essa realidade) como se apresenta perceptível a ele (Fenômeno). Assim, dentro destas duas categorias, temos:

O homem não consegue apreender o Noúmeno. As suas categorias intelectuais não dispõem de instrumentos para conhecê-lo, contudo, a partir do fenômeno, ele consegue, inevitavelmente, deduzi-lo.[2]

          Ainda segundo Kant, diferindo de Tomás de Aquino (1225-1274), mesmo que esgotássemos o “fenômeno”, jamais conseguiríamos chegar ao “objeto em si”.[3]

          Assim, na concepção kantiana, Deus, Alma e Liberdade, são coisas que pertencem ao mundo do Noúmeno onde não temos acesso por meio razão.  E mesmo que  essa  razão humana seja dotada de ideias, a priori, de Alma-Deus-Liberdade, é impotente para lhes dar conteúdo. Por isso, tais conceitos são incognoscíveis como coisa em si. Desse modo, não se tem  como provar, nem negar, racionalmente, a existência de Deus.

          Kant não considerou o fato de que todo conhecimento é um ato de fé.[4] Pessoalmente, entendo que Kant, mesmo sem cair num agnosticismo teológico,[5] cai num deísmo.  

          Nesse particular, Conn (1933-1999) comenta o efeito devastador dessas colocações kantianas:

     O efeito de tudo isso foi, e continua sendo devastador. Kant aprisiona Deus com um muro de contenção à prova de som; sua única vinculação com o mundo fenomenal é por meio de um cordão umbilical (que Kant propõe) da necessidade que tem o homem da ideia de Deus para o seu mundo ético. Não se fecha por completo a porta a Deus, porém resulta tão pequena que por ela não pode entrar o Deus soberano.[6]

          Desse modo, Deus está alheado do homem e o homem de Deus. Não há acesso. Deus permanece como um ser distante.

          Kant deu uma forte interpretação ética à religião, ali, demonstrando a necessidade, ainda que teórica, da existência de Deus que tem sido uma característica do Liberalismo teológico a partir de então até o tempo presente. Houve, pouco a pouco, um descrédito da Religião sobrenatural.[7]

Davi e Paulo: O caminho livre entre Fenômeno e Noúmeno

Davi e o apóstolo Paulo transitaram com muita segurança entre o mundo noumenal e o fenomenal quando escreveram que Deus pode ser conhecido por meio da Criação:

1Os céus proclamam a glória de Deus, e o firmamento anuncia as obras das suas mãos.  2 Um dia discursa a outro dia, e uma noite revela conhecimento a outra noite.  3 Não há linguagem, nem há palavras, e deles não se ouve nenhum som;  4 no entanto, por toda a terra se faz ouvir a sua voz, e as suas palavras, até aos confins do mundo. Aí, pôs uma tenda para o sol,  5 o qual, como noivo que sai dos seus aposentos, se regozija como herói, a percorrer o seu caminho.  6 Principia numa extremidade dos céus, e até à outra vai o seu percurso; e nada refoge ao seu calor. (Sl 19.1-6).

19 Porquanto o que de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles, porque Deus lhes manifestou.  20 Porque os atributos invisíveis de Deus, assim o seu eterno poder, como também a sua própria divindade, claramente se reconhecem, desde o princípio do mundo, sendo percebidos por meio das coisas que foram criadas. Tais homens são, por isso, indesculpáveis;  21 porquanto, tendo conhecimento de Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças; antes, se tornaram nulos em seus próprios raciocínios, obscurecendo-se lhes o coração insensato. (Rm 1.19-21).[8]

Comunicação genuína

A comunicação entre Deus e nós é verdadeira. Deus não nos engana nem nos conduz a conclusões equivocadas.[9]

Podemos conhecer pessoalmente a Deus. Esta tem sido a experiência de todos os servos de Deus ao longo da história. Temos um relacionamento pessoal com Ele. À medida que o conhecemos maior discernimento vamos adquirido de sua majestade, santidade e propósito.

Por isso o salmista ora: “Faze-me, SENHOR, conhecer   os teus caminhos, ensina-me as tuas veredas” (Sl 25.4).

Adequa-se à nossa capacidade

           Os ensinamentos de Deus são possíveis de conhecimento. Deus nos instrui adequando-se à nossa compreensão. Afinal, foi Ele quem nos criou e pode, como de fato faz, acomodar os seus preceitos à nossa compreensão.

          Antes da Queda o homem percebia a essência da coisa, criando, assim, a linguagem. Ele tinha clareza, discernimento e unidade de pensamento incomparáveis. Sem dúvida, perdemos muito disso com a Queda.[10]

          Assim mesmo, Deus vem ao nosso encontro considerando o agravamento de nossa limitação e agora, tornando-se o homem avesso a Deus, tendo uma má vontade para com a sua revelação, especialmente para com Jesus Cristo, o Deus encarnado.

Deus fez registrar a sua Palavra

          Como o homem tende a corromper mais facilmente a oralidade, Deus fez registrar a sua vontade a fim de melhor preservá-la e servir de correção aos equívocos que surgiriam a respeito de seus ensinamentos e dos fatos narrados.

          Ele o fez por meio de sua Palavra. Isso vem evidenciar que a fé cristã não é anti-intelectual, omissa e mística, antes, tem fortes elementos de racionalidade. Por isso mesmo, a nossa fé deve ser avaliada sempre à luz das Escrituras.

2. Devemos desejar conhecer

          “Faze-me, SENHOR, conhecer   os teus caminhos, ensina-me as tuas veredas” (Sl 25.4).  

    Um dos perigos para nós cristãos é simplesmente não usar a nossa mente.

A nossa conversão a Deus envolve também uma nova mente, uma nova maneira de perceber a realidade, vendo o real como de fato é ainda que não exaustivamente. Nosso coração e mente precisam ser convertidos ao Senhor.[11] É necessário que usemos a nossa mente em submissão a Deus.[12]

Oração comprometida

A nossa oração pode ser totalmente fantasiosa se o que peço a Deus nada tem a ver com a minha postura. Se peço a Deus discernimento devo me colocar atento aos sinais da instrução de Deus.

O salmista narra que orava ao Senhor e permanecia vigilante à sua resposta: “De manhã, SENHOR, ouves a minha voz; de manhã te apresento a minha oração e fico esperando” (Sl 5.3).

          Agir diferentemente, seria o equivalente a um filho que pedisse o pai para explicar determinado exercício escolar e quando o pai começasse a explicar ele ligasse o seu poderoso “Sony Plastation 5 825gb”, colocasse o fone de ouvido e pedisse ao pai  para falar mais baixo senão iria atrapalhá-lo em sua concentração da busca de seu recorde…

Se pedimos a Deus que nos ensine o seu caminho devemos permanecer atentos à resposta de Deus e, à compreensão do caminho já apresentado por Ele mas, que ainda não havia atentado para aquela direção proposta.

O nosso Deus não está em silêncio. Ele continua a falar por meio de sua Palavra e a nos conduzir pelo Espírito da Palavra na compreensão e aplicação dessa Palavra.

Contudo, as coisas não são tão simples como permanecer dormindo, em standby aguardando uma manifestação de Deus que nos tire de nosso marasmo e comodismo espiritual. Não é assim que Deus age. Portanto, não deve ser assim o nosso comportamento.

A nossa oração, sendo sincera, exige engajamento santo com aquilo que solicitamos.

Se pedimos a Deus que nos dê um emprego, devemos procurar intensamente um lugar para trabalhar e buscar o nosso aperfeiçoamento profissional.

Se pedimos a Deus que nos capacite a cumprir nossas tarefas, devemos acordar cedo, trabalhar arduamente usando intensamente da inteligência que Ele mesmo nos deu.

Se queremos conhecer os caminhos de Deus devemos estar atentos à sua Palavra em oração e aos sinais do tempo.

Mente e coração devotados ao Senhor

          Devemos aprender a entender a vontade de Deus em todas as circunstâncias e submetermo-nos a ela.  

          A nossa mente deve ser tão devotada a Deus como o nosso coração. Excluí-la, significa não amar a Deus como Ele requer. Deus deseja que o amemos e o sirvamos também com nossa inteligência: “Respondeu-lhe Jesus: Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração (kardi/a), de toda a tua alma (yuxh//) e de todo o teu entendimento (dia/noia). Este é o grande e primeiro mandamento” (Mt 22.37-38).  

Cristianismo é radical

O Cristianismo, ao contrário do que muitos nos querem fazer pensar, é extremamente radical  e singular. Ele se fundamenta na pessoa histórica e central de Jesus Cristo, não somente em seus e ensinamentos. A fé cristã é uma Pessoa. Nessa profissão de fé há toda uma inclusiva complexidade doutrinária revelada por Deus nas Escrituras.

          O caminho da heresia passa necessariamente por desejar algo além de Cristo, o Deus encarnado conforme nos é oferecido na Escritura.

Além de Cristo nada temos. Nele habita a plenitude da divindade. Nele temos a convergência de todo conhecimento e sabedoria de Deus, onde tudo subsiste (Cl 1.16-17; 2.3,8).

Cristianismo sustenta verdades distintivas

          Há o perigo de nós cristãos, justamente em uma arrogante pretensão por algo mais, praticarmos um “subcristianianismo”,[13] destituído de sua mensagem central: Jesus Cristo.

          O Cristianismo, como não poderia deixar de ser, sustenta verdades que – ainda que nós cristãos, possamos divergir em muitos pontos – o distingue das demais religiões. Deste modo, sustentando a fé cristã, bem como qualquer outra religião ou sistema de crenças, estaremos nos colocando em oposição a outras formas de perceber e, por isso mesmo, de crer.

Assim sendo, a tentativa ingênua de criar uma compatibilidade universal de nossa fé consiste justamente em negar os seus aspectos distintivos e particulares. Se fosse para ser assim, para que serviria a fé cristã?

          A fé cristã sustenta que outras tradições podem conter verdades parciais, mas, naquilo que o Cristianismo crê de forma distintiva, é a verdade e as demais compreensões estão erradas.[14]

          O Cristianismo, partindo da revelação do Deus transcendente e pessoal, apresenta o caminho da salvação em Jesus Cristo. A fé cristã é bastante objetiva quanto a isso. Sem Cristo, não há caminho redentor para o homem ser reconciliado com Deus. Por isso, fora de Jesus Cristo, o Deus-Encarnado, não há salvação (Jo 3.16; 14.6; At 4.12; 1Tm 2.5).

          No entanto, essa fé além de consistente, é capaz de apresentar respostas às indagações mais profundas da existência humana, demonstrando a sua fundamentação metafísica, a sua compreensão (epistemologia) e valores condizentes com a vida do homem em sua integridade (ética).

Sem sentimento de arrogância ou superioridade

          Isso não significa senso de superioridade, arrogância ou inimizade. A firmeza cristã envolve gratidão a Deus, respeito ao nosso próximo e missão amorosa que redunda no testemunho amoroso-confrontador da Palavra de Deus com o mundo.

          O nosso estudo e testemunho exigem o uso abalizado de nossa inteligência, a vivência de nossa fé na história, dentro das circunstâncias nas quais estamos inseridos.

          Temos uma estrutura de pensamento consistente, coerente e demonstrável. Precisamos ter clareza quanto a isso a fim de não sucumbirmos a uma estrutura de pensamento e valores pagãos. Sem uma sólida fundamentação teórica nos tornaremos joguetes fáceis e ingênuos nas mãos de teóricos e teorias totalmente incompatíveis com a fé cristã e, portanto, com a totalidade da realidade.

          “Ser  radicalmente cristão, escreve Poythress, significa não aceitar mais ingenuamente a mensagem cultural da secularidade”.[15] De fato, pressuposições seculares, com referenciais materialistas e pretensões autônomas, não poderão ser compatíveis com a fé cristã.

Rejeição do racionalismo autônomo e negação da razão

          Por sua vez, a rejeição de um racionalismo autônomo cuja única referência seria o eu pensante, uma egorreferência apelidada de “maioridade”,[16] tão sonhada pelo iluminismo, não significa o abandono da racionalidade na compreensão e transmissão da mensagem do evangelho.

          Indicando a responsabilidade que temos de consagrar as nossas mentes ao serviço de Deus, em 1980, Charles Habib Malik (1906-1987), filósofo e diplomata cristão de origem libanesa, declarou na inauguração do Billy Graham Center no campus do Wheaton College:

Devo ser franco com vocês: o maior perigo que o cristianismo evangélico americano enfrenta é o anti-intelectualismo. A mente, compreendida em suas maiores e mais profundas faculdades, não tem recebido suficiente atenção. No entanto, a educação intelectual não ocorre sem uma profunda imersão por alguns anos na história do pensamento e do espírito. Aqueles que estão com pressa de saírem da faculdade e começarem a ganhar dinheiro ou a servir na igreja ou a pregar o evangelho não têm ideia do valor infinito de se gastar anos conversando com as maiores mentes e almas do passado, desenvolvendo, afiando e ampliando seu poder de pensamento. O resultado é que a arena do pensamento criativo é abandonada e entregue ao inimigo. Quem, entre os acadêmicos evangélicos, pode enfrentar os grandes pensadores seculares em seus próprios termos acadêmicos? Quem, entre os acadêmicos evangélicos, é citado pelas maiores autoridades seculares como fonte normativa em história, filosofia, psicologia, sociologia ou política? O modo evangélico de pensar teria a menor chance de se tornar dominante nas grandes universidades da Europa e América que moldam toda nossa civilização com seu espírito e suas ideias? Por uma maior eficácia no testemunho de Jesus Cristo, assim como pela sua própria causa, os evangélicos não podem se dar ao luxo de viver na periferia da existência intelectual responsável.[17]

Reflexão e oração

          Na Segunda Epístola destinada a Timóteo, Paulo se despede. Apresenta instruções finais e palavras de encorajamento ao seu discípulo mais próximo. Escreve então: Pondera (noe/w) (= atentar, compreender, pensar, entender) o que acabo de dizer, porque o Senhor (ku/rioj) te dará compreensão (su/nesij) (= entendimento, inteligência, discernimento)[18] em todas as coisas” (2Tm 2.7).

          Pensar, pensar sobre o pensar é algo salutar e muito desafiante e abençoador. Somos destinados ao pensar. Devemos nos valer deste privilégio, próprio do ser humano, concedido pelo Criador.

Fé e reflexão

          Precisamos aprender que a fé não elimina a nossa responsabilidade de pensar. Pensar não exclui a nossa fé. Ambas as atitudes devem caracterizar a vida do cristão a fim de que a nossa fé seja compreensível e a nossa razão seja guiada pela fé. A piedade para tudo é piedosa. Portanto, o nosso raciocinar deve também ser acompanhado pela piedade.

Pensar confuso

          A nossa fé e a nossa inteligência devem caminhar de mãos dadas em submissão a Deus. O pensar confuso, destituído de fundamento, leva-nos à confusão. O seu repetir e propagar cria uma estagnação social em todos os níveis. A confusão intelectual é uma das raízes de repetições infindáveis que sufoca a possibilidade de crescimento, ajudando a perpetuar o erro, o equívoco e o que é obsoleto em sua constituição e prática.

          João Calvino (1509-1564), o maior expoente da Reforma Protestante, escreveu com propriedade demonstrando que o Espírito quem deve guiar nossa razão:

Chamo serviço não somente o que consiste na obediência à Palavra de Deus, mas também aquele pelo qual o entendimento do homem, despojado dos seus próprios sentimentos, converte-se inteiramente e se sujeita ao Espírito de Deus. Essa transformação, que o apóstolo Paulo chama renovação da mente [Rm 12.2], tem sido ignorada por todos os filósofos, apesar de constituir o primeiro ponto de acesso à vida. Eles ensinam que somente a razão deve reger e dirigir o homem, e pensam que só a ela devemos ouvir e seguir; com isso, atribuem unicamente à razão o governo da vida. Por outro lado, a filosofia cristã pretende que a razão ceda e se afaste, para dar lugar ao Espírito Santo, e que por Ele seja subjugada e conduzida, de modo que já não seja o homem que viva, mas que, tendo sofrido com Cristo, nele Cristo viva e reine.[19]

Compreensão vem do Senhor

          O Senhor nos dá compreensão, nos faz ter entendimento de toda a realidade. O real não é uma mera utopia, antes, é acessível e, portanto, conhecível.

          Não vivemos num mundo de imagens, mas, de realidade, por mais desagradável que essa possa se configurar a nós em determinadas circunstâncias. No entanto, precisamos refletir a respeito.

          Não basta ler, é preciso refletir. O que me faz pensar que o caminho para a compreensão das coisas é um pensar intenso, humilde e submisso a Deus. Nem sempre as coisas se mostram a nós de forma clara e evidente. Precisamos pensar a respeito.

Clima intelectual

          O clima intelectual de uma época é sempre fortemente influenciador de nossa estrutura de pensamento e, portanto, de nossas prioridades e valores. A força deste “clima” talvez repouse sobre a sua configuração óbvia e normativa com que ele se apresenta à nossa mente. É quase impossível ter a percepção de algo que nos conduz – como também a nossos parceiros de entendimento – de forma tão suave. Por isso, o simples – ainda que não seja tão simples assim – fato de podermos pensar com clareza, sem estes condicionantes, é uma bênção inestimável de Deus.[20] “O pecado é anti-intelectual”.[21]

Pensar não é apenas para filósofos e profissionais

          Por vezes pensamos que o pensar com intensidade é uma tarefa exclusiva para profissionais, quem sabe, filósofos. No entanto, o Cristianismo apresenta um desafio constante ao pensamento, à análise e ponderação.[22]

          O homem é destinado ao pensamento. Na Criação vemos que Deus planeja, executa e avalia a Sua obra (Gn 1.26-31). Ao mesmo tempo, lemos que Deus nos criou à sua imagem e semelhança. Por isso não podemos conceber o ser humano no emprego adequado de seus dons, não se valer naturalmente desta característica divina que lhe foi concedida e, que o caracteriza.

Somos chamados a pensar

          Adler (1902-2001), resume assim a vocação do ser humano ao pensamento, à filosofia:

Não podemos deixar de repetir que a filosofia é assunto para todos. Ser um ser humano é ser dotado com a propensão de filosofar. Em certa medida, todos nos ocupamos de pensamentos filosóficos durante o curso de nossas vidas. Reconhecer isso não é o bastante. Também é necessário compreender por que é assim e qual é o negócio da filosofia. A resposta, em uma palavra, é ideias. Em duas palavras, é grandes ideias – as ideias básicas e indispensáveis para compreendermos a nós mesmos, nossa sociedade e o mundo em que vivemos.[23]

          Outro aspecto que quero destacar é que pelo fato de nosso pensamento fluir com certa facilidade sobre determinados assuntos, termos opiniões formadas ou uma linha de pensamento que nos parece coerente e sensata, nem por isso podemos nos acomodar em nossos pensamentos.

Pensar sobre o pensar

É preciso que desenvolvamos a arte de pensar sobre o pensar. O pecado também afetou a nossa estrutura de pensamento e consequentemente o ato de pensar e, necessariamente, o processo de reflexão.[24] Muito do que vemos e priorizamos está associado não ao que vemos, mas, à nossa predisposição intelectual para ver como vemos.[25]

Fé cristã não é apenas sentimento

          Como cristãos, talvez por partirmos do pressuposto equivocado de que a fé cristã é apenas uma questão de sentimento, corrermos o risco de reduzir a nossa fé e as Escrituras a apenas esta esfera da realidade. Deste modo, o nosso cultuar limita-se ao que sentimos, ainda que nada compreendamos ou mesmo, nos esforcemos por isso. Não podemos ser cristãos autênticos sem o cultivo de uma mente que também busque o amadurecimento.[26]

          Piper é preciso:

Pensar não é o alvo da vida. Pensar, como o não pensar, pode ser o alicerce para a vanglória. Pensar, sem oração, sem o Espírito Santo, sem obediência e sem amor ensoberbecerá e destruirá (1Co 8.1). Mas o pensar em submissão à poderosa mão de Deus, o pensar saturado de oração, o pensar guiado pelo Espírito Santo, o pensar vinculado à Bíblia, o pensar em busca de mais razões para louvar e proclamar as glórias de Deus, o pensar a serviço do amor – esse pensar é indispensável em uma vida de pleno louvor a Deus.[27]

Escapar dos encantos sedutores de nossa geração

          Sabemos que cada época é, de certa forma, cativa de valores que são apresentados com status de racionalidade, objetividade, universalidade e perpetuidade. É extremamente difícil escapar dos encantos sedutores de nossa geração.[28]

          Contrariamente, o que Paulo instrui a Timóteo é no sentido de que ele reflita sobre o que o Apóstolo lhe escreveu buscando a compreensão no Senhor. Reflexão e oração caminham juntas. Devemos, portanto, pensar sobre o pensar rogando a Deus a sua iluminação.[29]

          Deus, por graça, nos dará o discernimento sobre todas as coisas. O pensar, orar e discernir, deve ser um prelúdio à submissão sincera. Pense sobre isso.

A essência da sabedoria celestial consiste nisto: que os homens, tendo seus corações fixos em Deus através de uma fé genuína e não fingida, o invoquem; e que, com o propósito de manter e nutrir sua confiança nele, se exercitem em meditar sinceramente nesses benefícios; e que, então, se lhe entreguem em obediência sincera e devotada.[30]

          Parabéns, jovens presbiterianos. Deus tem nos dado uma rica herança. Continuem firmes na preservação e aperfeiçoamento desse legado. Deus os abençoe.

Maringá, 16 de maio de 2021.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

Integra a Equipe de Pastores da Primeira Igreja Presbiteriana do Brasil em São Bernardo do Campo, SP.


[1] Veja-se: Stanley J. Grenz, Pós-Modernismo: Um guia para entender a filosofia do nosso tempo, São Paulo: Vida Nova, 1997, p. 97. McGrath o coloca entre 1720 e 1780 (Alister E. McGrath, Teologia Sistemática, histórica e filosófica: Uma introdução à teologia cristã, São Paulo: Shedd Publicações, 2005, p. 125; Alister E. McGrath, Teologia Histórica, São Paulo: Cultura Cristã, 2007, p. 239.

[2] “De fato, quando consideramos os objetos dos sentidos – como é justo – simples fenômenos, então admitimos, ao mesmo tempo, que uma coisa em si mesma lhes serve de fundamento, apesar de não a conhecermos como é constituída em si mesma, mas apenas seu fenômeno, isto é, a maneira como nossos sentidos são afetados por este algo desconhecido. O entendimento, portanto, justamente por admitir fenômenos, aceita também a existência das coisas em si mesmas, donde podemos afirmar que a representação de tais seres, que servem de fundamento aos fenômenos, e, por conseguinte, a representação de simples seres inteligíveis, não só é admissível como inevitável” (I. Kant, Prolegômenos, São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, v. 25), 1974, § 32, p. 143-144). “Toda a nossa intuição não é senão representação de fenômenos; que as coisas que intuímos não são o próprio em si, em vista do qual as intuímos, nem que as suas relações são em si mesmas constituídas do modo como nos aparecem e que, se suprimíssemos o nosso sujeito ou apenas a constituição subjetiva dos sentidos em geral, em tal caso toda a constituição, todas as relações do objeto no espaço e no tempo, e mesmo espaço e tempo, desapareceriam. Todas essas coisas enquanto fenômenos não podem existir em si mesmas, mas somente em nós. Qual seja a natureza dos objetos em si e separados de toda receptividade da nossa sensibilidade, permanece-nos inteiramente desconhecido. Não conhecemos senão o nosso modo de perceber os objetos” (I. Kant, Crítica da Razão Pura, São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, v. 25), 1974, § 8, p. 49).

[3]“Mesmo se pudéssemos elevar a nossa intuição ao grau supremo de clareza, não nos teríamos com isso aproximado mais da natureza dos objetos em si mesmos. Com efeito, em qualquer caso conheceríamos inteiramente apenas o nosso modo de intuição, isto é, a nossa sensibilidade, e conheceríamos estar sempre sob as condições, inerentes originariamente ao sujeito, de espaço e tempo. O que possam ser os objetos em si mesmos não podemos jamais conhecer, mesmo por meio do conhecimento mais esclarecido do seu fenômeno, que unicamente nos é dado (…). Esta receptividade da nossa capacidade de conhecimento denomina-se sensibilidade, a qual – mesmo que se pudesse penetrar com o olhar até o fundo do fenômeno – permanece infinitamente distinta do conhecimento do objeto em si mesmo” (I. Kant, Crítica da Razão Pura, § 8, p. 50).

[4]Veja-se: Gordon H. Clark, Uma visão cristã dos Homens e do Mundo,  Brasília, DF.: Monergismo, 2013, p. 305.

[5] Após redigir estas linhas, constatei que Sproul sustenta que Kant é um agnóstico metafísico e teológico (R.C. Sproul, Filosofia para iniciantes, São Paulo: Vida Nova, 2002, p. 126; R.C. Sproul, A mão Invisível, São Paulo: Cultura Cristã, 2014, p. 54).

[6]Harvie M. Conn, Teologia Contemporanea en el Mundo, Michigan: Subcomision Literatura Cristiana de la Iglesia Cristiana Reformada, (s.d.), p. 12.

[7]Veja-se: C. Brown, Filosofia e Fé Cristã, São Paulo: Vida Nova, 1983, p. 61-69.

[8]Entre outros, vejam-se: João Calvino,Exposição de Hebreus, São Paulo: Paracletos, 1997, (Hb 11.3), p. 299; Prefácio de Calvino à tradução do Novo Testamento feita por Pierre Olivétan. In: Eduardo Galasso Faria, ed.  João Calvino: Textos Escolhidos, São Paulo: Pendão Real, 2008, p. 15; João Calvino,O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 1, (Sl 19.1), p. 414;  Exposição de 1 Coríntios,São Paulo: Paracletos, 1997, (1Co 1.21), p. 62.

[9]Veja-se: Francis A. Schaeffer, O Deus que Intervém, São Paulo: Cultura Cristã, 2002, p. 151.

[10] Cf. Abraham Kuyper,  Sabedoria & Prodígios: Graça comum na ciência e na arte,  Brasília, DF.: Monergismo, 2018, p. 47-62.

[11]Ver: Oliver Barclay, Developing a Christian Mind, Great Britain: Christian Focus, 2006, p. 16-17; Gene Edward Veith, Jr., De Todo o Teu Entendimento, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 133-138.

[12]“A razão é boa e necessária enquanto souber submeter-se à verdade” (William Edgar, Razões do Coração: reconquistando a persuasão cristã, Brasília, DF.: Refúgio, 2000, p. 15).

[13] Expressão de Schaeffer. (Francis A. Schaeffer, Poluição e Morte do Homem, São Paulo: Cultura Cristã, 2003, p. 59).

[14] Como afirmou Lewis: “O cristão tem de admitir que, nos pontos em que o Cristianismo diverge de outras religiões, ele é verdadeiro, e as outras religiões são falsas” (C.S. Lewis, A Essência do Cristianismo Autêntico, São Paulo: Aliança Bíblica Universitária, (s.d.), p. 19).

[15] Vern S. Poythress, O Senhorio de Cristo: servindo o nosso Senhor o tempo todo, com toda a vida e de todo o nosso coração, Brasília, DF.: Monergismo, 2019, p. 19. No entanto, à frente admite: “Os cristãos não são totalmente consistentes com a fé que professam” (p. 61).

[16]E. Kant, Que es la Ilustracion?: In: E. Kant, Filosofía de la Historia, 3. reimpresión, México: Fondo de Cultura Económica, 1987, p. 25. O mesmo texto encontra-se também: In: I. Kant, A paz perfeita e outros opúsculos, Lisboa: Edições 70, (1988), p. 11-19.   

[17]Apud Garrett J. DeWeese; J.P. Moreland, Filosofia Concisa: uma introdução aos principais temas filosóficos, São Paulo: Vida Nova, 2011, p. 154-155. (Do mesmo modo em: J.P. Moreland; William L. Craig, Filosofia e Cosmovisão Cristã, São Paulo: Vida Nova, 2005, p. 15; William L. Craig, Apologética Cristã para Questões difíceis da vida, São Paulo: Vida Nova, 2010, p. 14-15).

[18] Su/nesij, ocorre 7 vezes no NT.: Mc 12.33; Lc 2.47; 1Co 1.19; Ef 3.4; Cl 1.9; 2.2; 2Tm 2.7, significando, discernimento, inteligência, envolvendo, conforme vimos, a ideia de reunir as evidências para avaliar e chegar a uma conclusão. Este “entendimento” deve ser fruto de uma reflexão, recorrendo, contudo à iluminação de Deus (2Tm 2.7).

[19] João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 4, (IV.17), p. 184 (Veja-se a nota 5 in loc).

[20]Ver: John MacArthur Jr., Abaixo a Ansiedade,São Paulo: Cultura Cristã, 2001, p. 32.

[21]Gene Edward Veith, Jr., De Todo o Teu Entendimento, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 72.

[22]“Pensar não é tarefa somente para grandes filósofos. Nós estamos todos envolvidos. “Precisamos pensar profundamente no que significa o cristianismo e sua relação com as questões culturais” (H.R. Rookmaaker, A Arte não Precisa de Justificativa, Viçosa, MG.: Ultimato, 2010, p. 32).

[23]Mortimer J. Adler, Como pensar sobre as grandes ideias, São Paulo: É Realizações, 2013, p. 21.

[24] “Os cristãos precisam pensar sobre o pensamento. (…) A maioria dos seres humanos, contudo, nunca pensa profundamente sobre o ato de pensar. (…) Devido à devastação intelectual causada pela queda, temos a obrigação de pensar sobre o ato de pensar. Essa é a razão pela qual o discipulado cristão é, também, uma atividade intelectual” (R. Albert Mohler Jr., O modo como o mundo pensa: Um encontro com a mente natural no espelho e no mercado. In: John Piper; David Mathis, orgs. Pensar – Amar – Fazer, São Paulo: Cultura Cristã, 2013, p. 44,45,54).

[25] “Você não precisa acreditar em tudo o que pensa, e a razão é simples: nós vemos o que queremos ver. (…) O nervo óptico, o único nervo com ligação direta com o cérebro, na verdade transmite mais impulsos do cérebro para o olho do que vice-versa. Isto significa que seu cérebro determina o que o olho vê. Você já está precondicionado. É por isso que, se quatro pessoas presenciarem um acidente, cada uma vai relatar algo diferente. Precisamos nos lembrar, e ensinar aos outros, que não devemos acreditar em tudo o que pensamos” (Rick Warren, A batalha pela sua mente. In: John Piper; David Mathis, orgs. Pensar – Amar – Fazer, São Paulo: Cultura Cristã, 2013, p. 27). “Em suas Memórias, Ludwig Richter [1803-1884] lembra uma passagem de sua juventude, quando certa vez, em Tivoli, ele e mais três companheiros resolveram pintar um fragmento de paisagem, todos firmemente decididos a não se afastarem da natureza no menor detalhe que fosse. E embora o modelo tivesse sido o mesmo e cada um tivesse sido fiel ao que seus olhos viam, o resultado foram quatro telas completamente diferentes – tão diferentes quanto as personalidades dos quatro pintores. O narrador concluiu, então, que não havia uma maneira objetiva de se verem as coisas, e que formas e cores seriam sempre captadas de maneira diferente, dependendo do temperamento do artista” (Heinrich Wölfflin, Conceitos Fundamentais da História da Arte, 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000, (2. tiragem) 2006, p. 1).

[26]“Nossas igrejas estão cheias de pessoas que são espiritualmente nascidas de novo, mas que ainda pensam como não cristãs” (William L. Craig, Apologética Cristã para Questões difíceis da vida, São Paulo: Vida Nova, 2010, p. 14). À frente: “Nossas igrejas estão cheias de cristãos intelectualmente preguiçosos” (p. 26).

[27]John Piper, Pense – A Vida da Mente e o Amor de Deus, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2011, p. 41.

[28]“Cada época caracteriza-se por determinadas crenças responsáveis por sua visão de mundo” (Alister E. McGrath, Fundamentos do Diálogo entre Ciência e Religião, São Paulo: Loyola, 2005, p. 19).

[29]“Pensar intensamente sobre a verdade bíblica é o meio pelo qual o Espírito nos mostra a verdade” (John Piper: In: John Piper; D.A Carson, O Pastor Mestre e O Mestre Pastor, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2011, p. 64).

[30]João Calvino, O livro dos Salmos, São Paulo: Parakletos, 2002, v. 3 (Sl 78.7), p. 202.

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