A contribuição da Reforma Protestante para a Educação Pública: esboço introdutório
Mesmo a Reforma Protestante do século XVI tendo como fundamento original a questão religiosa-espiritual, tornou-se um movimento de grande alcance cultural, institucional, social e político na história da Europa e, posteriormente em todo o Ocidente. A amplitude da influência da Reforma em diversos setores da vida estava implícita em sua própria constituição: Era impossível alguém abraçar a Reforma apenas no campo da religião e continuar em tudo o mais a ser um homem de uma ética medieval, com a sua perspectiva da realidade e prática intocáveis.
1. Martinho Lutero
Lutero quem lançou as bases da moderna escola pública e do ensino obrigatório; e para isso a sua tradução das Escrituras foi fundamental no processo de alfabetização.
A Reforma não apenas ampliou o plano pedagógico renascentista como também, foi efetiva no desenvolvimento da escola primária pública.
Lutero insistiu com as autoridades públicas no sentido de se criarem escolas com vistas à educação secular e eclesiástica. Neste particular, pode-se dizer que Melanchthon (1497-1560) foi o Ministro da Educação de Lutero. A Reforma se valeu amplamente na imprensa como elemento de instrução dos fiéis. “Sempre defendendo a divulgação da palavra impressa, a Alemanha liderou a alfabetização européia no século XVI”.[1] O fator religioso tornou-se fundamental como estímulo à alfabetização.
Na carta “Aos Conselhos de Todas as Cidades da Alemanha para que criem e mantenham escolas cristãs”, de 1524, Lutero, além de tratar do descaso para com as escolas, o esvaziamento das universidades, a necessidade do estudo do alemão e de outros idiomas, a utilização de melhores métodos na educação, a criação de boas bibliotecas e a formação de cidadãos responsáveis, sendo estes o verdadeiro patrimônio de uma cidade.[2]
A ênfase dada por Lutero à Educação, é decorrente da sua visão teológica; isto se torna ainda mais patente, no Prefácio do Catecismo Menor(1529).[3]
Em 1530, num sermão, Lutero declarou a responsabilidade do Estado em obrigar as crianças a irem à escola.[4]
As disciplinas estudadas consistiam em: Leitura, escrita, religião, música sacra e latim, com adaptações do sistema de Melanchthon (1528). Monroe, conclui: “Nenhum outro povo chegou, mesmo aproximadamente, ao aperfeiçoamento dos Estados alemães em assuntos de educação2.”.[5]
2. João Calvino
O reformador francês João Calvino (1509-1564) foi o principal arquiteto da tradição Reformada do Protestantismo.
Para Calvino, cosmovisão é um compromisso de fé e prática. Por isso, o seu trabalho em Genebra consistiu na aplicação de sua fé às condições concretas de sua existência. A fé é chamada a se materializar nos desafios que se configuram diante de nós em nossa história de vida.
Já na sua primeira permanência em Genebra (1536-1538) insistiu junto aos Conselhos para melhorar as próprias condições do ensino, bem como os recursos das escolas. Ele apresentou ao conselho municipal um projeto educacional (1536) gratuito que se destinava a todas as crianças – meninos e meninas –, tendo um grande apoio público. Desta proposta surgiu o Collège de Rive. Temos aqui o surgimento da primeira escola primária, gratuita e obrigatória de toda a Europa.
A partir de 1541 Calvino pôde reestruturar o sistema educacional desta cidade. Visto que o Estado estava empobrecido, apelou para doações e legados. Calvino criou uma Academia em Genebra (1559).A Academia teve uma origem modesta. Calvino, no entanto, esforçou-se por constituir um corpo docente competente.
A base da formação educacional em Genebra era a Bíblia. Competia à família (apesar de suas limitações iniciais) e ao Estado o cuidado com a educação. No entanto, a igreja tinha um papel especialíssimo.
Com o estabelecimento da Academia, o historiador Charles Borgeaud (1861-1941), antigo professor da Universidade de Genebra, disse que “Esta foi a primeira fortaleza da liberdade nos tempos modernos”.[6]
Considerações finais
A ignorância era algo extremamente temido dentro do modelo educacional Reformado-puritano. Para tanto o estudo era amplo, oferecendo uma visão abrangente de todos os ramos do saber, evitando a dicotomia entre o saber religioso e não-religioso, o espiritual e o natural. Como exemplo disso, vemos que “os estudantes ministeriais em Harvard não apenas aprendiam a ler a Bíblia na sua língua original e a expor teologia, mas também estudavam matemática, astronomia, física, botânica, química, filosofia, poesia, história e medicina”.[7]
A ênfase puritana foi marcante em todos os níveis educacionais podendo ser avaliada tanto quantitativa como qualitativamente. Seguindo a tradição da obrigatoriedade do ensino público, conforme enfatizada por Lutero e pelos calvinistas franceses (1560) e holandeses (1618), “em 1647, o Estado de Massachussets decreta a obrigatoriedade de uma escola primária, sempre que uma povoação agrupe mais de 50 lares”.[8]
Por trás deste ardor pedagógico e social herdado da Reforma estava um firme fundamento teológico. Esta perspectiva amparava-se num conceito de Deus, do homem e de qual o propósito do homem nesta vida.
- Deus é reconhecido como o Criador e Senhor de todas as coisas, sendo o doador da vida e de tudo que temos, a Quem devemos conhecer experiencialmente, amar, obedecer e cultuar.
- O homem como “imagem e semelhança” de Deus deve ser respeitado, amado e ajudado.
A educação, portanto, visava preparar o ser humano para melhor servir a Deus na sociedade a fim de que Deus fosse glorificado. A educação Reformada-Puritana não tinha um fim em si mesma, antes, era caracterizada por um propósito específico conforme definiu John Milton (1608-1674) em 1644.[9] O saber é para viver autenticamente em comunhão com Deus, refletindo isso no cumprimento de nossos deveres religiosos, familiares, políticos e sociais, agindo no mundo de forma coerente com a nossa nova natureza, objetivando em tudo a Glória de Deus.
A educação Reformada sempre foi ativista no sentido de que não somente o indivíduo fosse purificado, antes, que envolvesse todas as esferas da vida humana, se manifestando na sociedade em modo de formação e transformação.
São Paulo, 29 de outubro de 2019.
Rev
[1]Steven R. Fischer, História da leitura, São Paulo: Editora UNESP., 2006, p. 206.
[2] M. Lutero, Aos conselhos de todas as cidades da Alemanha para que criem e mantenham escolas cristãs: In: Martinho Lutero: Obras selecionadas, São Leopoldo, RS.; Porto Alegre: Sinodal; Concórdia, 1995, v. 5.
[3]Martinho Lutero, Catecismo Menor, Prefácio, § 19-20: In: Lutero, os catecismos, Porto Alegre; São Leopoldo, RS.: Concórdia; Sinodal, 1983, p. 365.
[4] Martinho Lutero, Uma prédica para que se mandem os filhos à escola (1530): In: Martinho Lutero: Obras selecionadas, São Leopoldo, RS.; Porto Alegre: Sinodal; Concórdia, 1995, v. 5, p. 362.
[5] Paul Monroe, História da educação,11. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1976, p. 190
[6] Charles Borgeaud, Historie de l’Université de Genève: L’Académie de Calvin – 1559-1798, Genève: Georg & Co: Libraires de L’Université, 1900, p. 83.
[7]Leland Ryken, Santos no mundo,São José dos Campos, SP.: FIEL, 1992, p. 175.
[8]Jean Vial, Introdução. In: Gaston Mialaret; Jean Vial, dirs., História mundial da educação, Porto: RÉS-Editora, (s.d.), v. 2, p. 9.
[9] John Milton, Milton’s Tractate on Education: A facsimile reprint from the edition of 1673, Cambridge: The University Press, 1897, p. 3-4.8.
Triste com a tal obrigatoriedade. Não considero isso como boa coisa. Mas a iniciativa de oferecer o ensino público foi louvável. Só que foi sequestrado pela elite perversa como Rockfeller e Rotchild.
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