Os eleitos de Deus e o seu caminhar no tempo e no teatro de Deus (29)
Continuamos analisando o texto:
2) “Andeis de modo digno” (1) (Peripate/w). O verbo está no aoristo ativo, indicando uma atitude que deve ser constante, contínua, envolvendo a ideia de movimento e progresso. Além do sentido literal de “andar”, “caminhar”, tem, como neste caso, o sentido de proceder, viver. Estudando como a palavra foi empregada de forma figurada no Novo Testamento, aprendemos como deve ser o nosso proceder:
A. Positivamente:
a) “Em novidade de vida” (Rm 6.4)
b) Às claras; na luz (Rm 13.13; 1Jo 1.7)
c) Em amor fraternal (Rm 14.15; Ef 5.2; 2Jo 6)
d) Por fé (2Co 5.7)
e) No Espírito (Gl 5.16)
f) Segundo as obras de Deus (Ef 2.10)
g) Conforme os mandamentos de Deus: a verdade (2Jo 4; 3Jo 3-4)
h) Como filhos da luz (Ef 5.8)
i) Com sabedoria (Cl 4.5)
j) Segundo o modelo e ensino apostólico (Fp 3.17-18; 2Ts 3.6)
k) Dignamente (Ef 4.1; Cl 1.10; 1Ts 2.12; 4.12)
l) Conforme Cristo (Cl 2.6; 1Jo 2.6)
m) Visando agradar a Deus (1Ts 4.1)
B. Negativamente:
Desse modo o nosso caminhar não deve ser:
a) Segundo a carne (Rm 8.4/Cl 3.5-7)
b) Segundo o homem (1Co 3.3)
c) Segundo o mundo (2Co 10.2-3; Ef 2.2)
d) Vaidade de seus pensamentos (Ef 4.17)
e) Desordenadamente (2Ts 3.6,11)
f) Trevas: odiando seu irmão (1Jo 1.6; 2.11)
C. “… Modo digno”: (1) (A)ci/wj).[1]
Este advérbio tem o sentido primário de “contrabalança”, aquilo que é de “igual valor”, “equivalente”.[2] A ideia da palavra é a de estabelecer uma relação de compatibilidade e equilíbrio. “Axios é um termo relativo, que compara duas entidades (pessoas ou objetos) por meio de medir a menor em contraste com a maior. Se a menor chega até ao padrão da maior, é digna; senão, é indigna”.[3] Neste sentido, quando o filho pródigo regressa para casa arrependido e diz: “Já não sou digno (a)/cioj) de ser chamado teu filho” (Lc 15.21) (Do mesmo modo o verso 19), admite que o seu comportamento não foi compatível com a integridade do seu pai. De forma semelhante, quando Jesus Cristo afirma que “…. digno (a)/cioj) é o trabalhador do seu salário” (Lc 10.7),[4] Ele afirma que o salário é proporcional ao serviço feito e que todo trabalho deve ter uma remuneração justa. Quando Paulo instrui que “Fiel é a palavra e digna (a)/cioj) de toda aceitação” (1Tm 1.15/1Tm 4.9), declara que a Escritura deve ser crida, porque ela é fidedigna.
Considerando quem é Deus, Aquele que nos chama para o Seu reino e glória, Paulo exorta os tessalonicenses a viverem “por modo digno de Deus” (1Ts 2.12). Portanto, quando Paulo roga aos efésios a viverem de modo digno da vocação, está dizendo que o seu comportamento deve ser condizente com o chamado de Deus. Esta palavra está associada à dignidade não de qualquer coisa, mas a de Deus, do Evangelho e da nossa vocação. As nossas relações devem ser do mesmo modo, dignas (“como convém” – a)ci/wj)(Rm 16.2).
“Da vocação (klh=sij)[5] a que fostes chamados” (kale/w) (1). Notemos que os “vocacionados”, “chamados” por Deus, pertencem à Igreja (e)kklhsi/a) descrita em Ef 3.21.
Observemos que a nossa vocação não tem nada em si mesma que possa motivar o nosso orgulho já que o próprio Senhor diz: “Os sãos não precisam de médico, e sim os doentes; não vim chamar (kale/w) justos, e sim pecadores” (Mc 2.17).
Somos chamados na “graça de Cristo” (Gl 1.6). No entanto, a vocação realizada por Deus no tempo, é a concretização de nossa predestinação eterna:
Porquanto aos que de antemão conheceu, também os predestinou (proori/zw) para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E aos que predestinou (proori/zw) esses também chamou (kale/w) e aos que chamou (kale/w), a esses também justificou; e aos que justificou, a esses também glorificou. (Rm 8.29-30) (Ver: Gl 1.15).
Deus nos atrai para Si, visto que Ele “…. nos chamou (kale/w) para a sua própria glória e virtude” (2Pe 1.3); à comunhão de Seu Filho e à “koinonia” da Igreja (1Co 1.26; Ef 4.1; Cl 3.15): “Fiel é Deus, pelo qual fostes chamados (kale/w) à comunhão (koinwni/a) de seu Filho Jesus Cristo, nosso Senhor” (1Co 1.9).
Na vocação de Deus, vemos a concretização do Seu propósito sábio, amoroso e eterno: “Nele [Jesus Cristo], digo, no qual fomos também feitos herança, predestinados (proori/zw) segundo o propósito daquele que faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade” (Ef 1.11).
Ele é fiel: “Fiel é o que vos chama (kale/w)” (1Ts 5.24). O Deus santo, nos chama à Sua santidade por meio de uma santa vocação: “segundo é santo aquele que vos chamou (kale/w), tornai-vos santos também vós mesmos em todo o vosso procedimento, porque escrito está: Sede santos, porque eu sou santo” (1Pe 1.15-16/Rm 1.7; 1Co 1.2; Ef 1.4). “[Deus] nos salvou e nos chamou (kale/w) com santa vocação (klh/sei a(gi/a?/); não segundo as nossas obras, mas conforme a sua própria determinação e graça que nos foi dada em Cristo Jesus, antes dos tempos eternos” (2Tm 1.9).
“O alvo de Deus na eleição, portanto, é fazer-nos uma inumerável companhia de irmãos e irmãs que sejam iguais ao Filho e, assim, iguais ao Pai”, conclui Hoekema (1913-1988).[6]
Por fim, o chamado de Deus é para a glória eterna do Seu reino:
Devemos sempre dar graças a Deus por vós, irmãos amados pelo Senhor, porque Deus vos escolheu (ai(re/omai) desde o princípio para a salvação, pela santificação do Espírito e fé na verdade, para o que também vos chamou (kale/w) mediante o nosso evangelho, para alcançardes a glória de nosso Senhor Jesus Cristo. (2Ts 2.13-14).
O Deus de toda a graça, que em Cristo vos chamou (kale/w) à sua eterna glória, depois de terdes sofrido por um pouco, ele mesmo vos há de aperfeiçoar, firmar, fortificar e fundamentar. (1Pe 5.10). (Ver: 1Ts 2.12).
Deus nos chama para a Sua glória. Não há nada maior do que isso, nem aqui, nem na eternidade. A nossa salvação não é o fim último; ela é o meio: somos destinados desde a eternidade à glória de Deus. Calvino resume: “Concordo que a glória de Deus deve estar, para nós, acima de nossa salvação”.[7] Em nosso chamado salvador, vemos a glória da graça de Deus. “Somente pela graça”, é outra forma de dizer: toda glória pertence a Deus![8]
Matthew Henry (1662-1714), comentando o Salmo 17, escreveu:
A felicidade no mundo vindouro está preparada somente para os que são justificados e santificados. (…) Não existe satisfação para uma alma, a não ser em Deus e em sua boa vontade para conosco; porém, esta satisfação não será perfeita até que cheguemos ao céu”.[9]
Considerando que foi Deus mesmo quem nos chamou (vocacionou) (Fp 3.14; 2Tm 1.9; Hb 3.1; 2Pe 1.10), devemos interceder junto ao Senhor para que Ele torne nossos irmãos dignos dessa vocação. Este foi o procedimento de Paulo: “Rogamos sempre por vós, para que o nosso Deus vos faça dignos (a)cio/w) da sua vocação (klh+sij), e cumpra com poder todo desejo de bondade e toda obra de fé” (2Ts 1.11).
A questão então é: como viver de modo digno dessa vocação?
A resposta é simples: Sendo autênticos filhos de Deus. Paulo não deseja nada mais do que nos comportemos de acordo com a nossa nova realidade de vida; fomos adotados por Deus (Ef 1.5) e devemos viver como tais. Em outros textos, vemos alguns aspectos do viver compatível com a nossa vocação: Conforme o propósito da vocação de Deus, que envolve a santidade (Rm 1.7; 1Co 1.2;[10] 1Pe 1.15[11]), obedecendo a Deus (Hb 11.8[12]), seguindo o exemplo de Cristo (1Pe 2.21[13]) procurando confirmar a nossa vocação e eleição (2Pe 1.10).
Na sequência do texto, Paulo detalha como deve ser o nosso viver, como eleitos de Deus.
Maringá, 21 de abril de 2019.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
*Leia esta série completa aqui.
[1] *Rm 16.2; Ef 4.1; Fp 1.27; Cl 1.10; 1Ts 2.12; 3Jo 6.
[2] W. Foerster, a)/cioj: In: G. Friedrich: G. Kittel, eds. Theological Dictionary of the New Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1983, v. 1, p. 379.
[3] E. Tiedtke, Retidão: In: Colin Brown, ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1981-1983, v. 4, p. 212. Ver também: D. Martyn Lloyd-Jones, A Unidade Cristã, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1994, p. 23.
[4]Do mesmo modo, 1Tm 5.18,
[5] *Rm 11.29; 1Co 1.26; 7.20; Ef 1.18; 4.1,4; Fp 3.14; 2Ts 1.11; 2Tm 1.9; Hb 3.1; 2Pe 1.10
[6] Anthony A. Hoekema, Salvos pela Graça, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1997, p. 204.
[7]J. Calvino, As Pastorais, São Paulo: Paracletos, 1998, (Tt 1.2), p. 301.
[8] Vejam-se: James M. Boice, Fundamentos da Fé Cristã: Um manual de teologia ao alcance de todos, Rio de Janeiro: Editora Central Gospel, 2011, p. 449; D.M. Lloyd-Jones, O Supremo Propósito de Deus, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1996, p. 125, 127.
[9]Matthew Henry, Comentário Bíblico de Matthew Henry, 5. ed. Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2006, (Sl 17), p. 409.
[10] Em ambos os textos, a palavra grega é klhto/j.
[11]kale/w.
[12]kale/w.
[13]kale/w.
Em Cristo não somoa livres pra fazer o que queremos mas, sim, o que é certo, ou seja, o que Cristo faria se estivesse em nosso lugar.
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