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Os eleitos de Deus e o seu caminhar no tempo e no teatro de Deus (25) - Hermisten Maia

Os eleitos de Deus e o seu caminhar no tempo e no teatro de Deus (25)

8.3. Propósito salvador

“Cristo sofreu por nós, não porque somos dignos ou porque somos capazes de produzir alguma coisa que provoque a reação divina, mas porque esse foi o propósito de Deus”, esclarece Calvino.[1]

Deus nos escolheu e nos justificou (Rm 8.33) para a salvação eterna, a qual começa agora (Rm 11.7-11; 2Ts 2.13,14/1Ts 5.9; Jo 17.2/Mt 24.31; 2Tm 2.10). A salvação concedida por Deus, não é algo abstrato, antes tem implicações concretas em nossa cotidianidade como parte de Seu propósito histórico.

Na salvação entramos em nova relação com Deus. Antes estávamos distantes dele – o pecado faz separação –; agora estamos em Cristo Jesus, fomos reconciliados com Deus. Aqui está o fundamento de nossa nova vida (2Co 5.18,19). A nossa salvação, dentro do propósito de Deus, conforme vimos, envolve:

 

a) Adoção: (Ef 1.5) Fomos recebidos no número dos filhos de Deus, passando a ter direito a todos os privilégios dessa filiação;

b) Redenção: (Ef 1.7) Livrou-nos da condenação mediante o pagamento de nosso resgate pelo Seu sangue;

c) Fé: (Ef 1.13) Deus nos elegeu para que tivéssemos fé na verdade.

d)  Selo e Penhor do Espírito: (Ef 1.13-14) Deus nos concede o Espírito que habita em nós sendo um atestando inviolável de nossa redenção.

 

8.4. Propósito glorificador

“Não há glória real senão em Deus”, exulta Calvino.[2] O objetivo final da nossa eleição – bem como o de todas as coisas –, é a Glória de Deus (Ef 1.4-6,12-14; 2.6,7; Rm 9.23/Is 43.7).[3] Aqui temos o nosso horizonte espiritual ampliado: “a coisa principal não é que os eleitos sejam salvos, mas que Deus seja justificado em todas as suas obras e glorificado no juízo”.[4]

 

A glória de Deus, que é a beleza harmoniosa de Suas perfeições, é realçada por intermédio da nossa salvação e santificação em Cristo Jesus. “A glória de Jesus é a salvação de seus seguidores”, escreve Hendriksen.[5] E, “A glória do Pai lhe é invisível até que ela resplandeça em Cristo”[6]

 

Deus nos elegeu para sermos o instrumento de louvor da glória da Sua graça. A conclusão de nossa salvação revela a glória da graça salvadora de Deus (Ef 1.6,11,12,16).

 

Deus objetiva a Sua glória, porque não há nada maior do que Ela[7] – e na nossa eleição resplandece a glória da graça de Deus em atos de bondade para conosco (Ef 1.6,13,14) –; portanto, não procurar a Sua Glória, significaria a autonegação de que Ele é o Senhor da Glória.

 

Deus criou todas as coisas, inclusive a Igreja, para a Sua Glória. A Glória de Deus é a “excelência manifestada. A excelência dos atributos de Deus é manifestada por sua operação”.[8] Deus manifesta a Sua Glória por intermédio dos eleitos que compõem a Sua Igreja. Ele mesmo, “nos predestinou para ele, para a adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo, segundo o beneplácito de sua vontade, para louvor da glória de sua graça, que ele nos concedeu gratuitamente no Amado” (Ef 1.5-6).[9] O Catecismo de Genebra (1541/2), escrito por Calvino, diz que Deus nos criou “e pôs neste mundo para ser glorificado em nós. E é coisa justa que nossa vida, da qual Ele é o começo, seja dedicada à Sua glória”.[10] Em outro lugar, afirma: “A glória de Deus é a finalidade mais elevada, à qual a nossa santificação está subordinada”.[11]

 

Desta forma, o homem como criatura de Deus, só se realiza quando vive para a glória de Deus, que é também, o seu fim último (2Co 5.8; Gl 2.20; Fp 1.21,23). O Catecismo Menor de Westminster, à pergunta nº 1, “Qual é o fim principal do homem?”, responde: “O fim principal do homem é glorificar a Deus, e gozá-lo para sempre.” (Ver: Is 43.7; 60.21; 61.3; Rm 11.36; 14.7-8; 1Co 10.31; Ef 1.5-6).

 

Portanto, a nossa vida deve ter como propósito último, glorificar a Deus: “A glória de Deus deve resplandecer sempre e nitidamente em todos os dons com os quais porventura Deus se agrade em abençoar-nos e em adornar-nos. De sorte que podemos considerar-nos ricos e felizes nele, e em nenhuma outra fonte.”[12]

 

A felicidade do homem está condicionada ao seu genuíno conhecimento de Deus; ela está subordinada à Glória de Deus. Só conseguimos ter uma visão adequada dos objetivos secundários quando conseguimos enxergar corretamente o fim principal. O homem só descobre o sentido da vida e da eternidade, quando, pelo Espírito,[13] consegue compreender que o fim principal de todas as coisas é a Glória de Deus e, então passa a viver para este fim (1Co 10.31; Cl 3.23).[14] Calvino, então, aconselha: “Não busquemos nossos próprios interesses, mas antes aquilo que compraz ao Senhor e contribui para promover sua glória”, exorta-nos Calvino.[15]

 

Comentando o Salmo 69.9, o Reformador fala com a veemência própria de quem vivia este princípio:

 

A forma como ele [Davi] fazia isso, ele mostra que era através do zelo pela Igreja de Deus com que sua alma se inflamava. Não só assinalava a causa dos maus tratos que recebia – seu zelo pela casa de Deus -, mas também declara que, qualquer que fosse o tratamento de que imerecidamente fosse alvo, todavia, por assim dizer, esquecendo-se de si mesmo, ele arderia de santo zelo para manter a Igreja, e ao mesmo tempo a glória de Deus, com a qual vive em comunhão indestrutível. […]

Davi ignorou a si próprio, e que toda a tristeza que sentia era procedente do santo zelo com que ardia quando via o sacro nome de Deus insultado e ultrajado com horríveis blasfêmias. […]

Até que tenhamos aprendido a dar pouco valor a nossa reputação pessoal, jamais seremos inflamados com genuíno zelo em contender pela preservação e avanço dos interesses da glória divina […]

Visto que Cristo, em quem resplandece toda a majestade da Deidade, não hesitou a expor-se a todo gênero de afronta para a manutenção da glória de seu Pai, quão vil e ignominioso será se nos reduzirmos a semelhante sorte.[16]

 

Esse objetivo tem um sentido escatológico. A primeira vinda de Cristo foi em humildade. Ele fez-se pobre por nós, deixando a manifestação da Sua glória eterna para conviver conosco (Is 52.2-3; Jo 17.5; Fp 2.7-8; 2Co 8.9). Na segunda vez, Cristo virá em poder e glória, manifestando a todos a Sua vitória que foi adquirida para o Seu povo, sobre Satanás, a morte e o pecado. Ele virá em companhia de Seus anjos e das almas dos fiéis que já tiverem morrido (Mt 16.27; 1Ts 3.13; 4.14). As almas dos que morreram se juntarão aos seus corpos ressuscitados (1Co 15.52). A glória de Cristo será reconhecida por todos (Fp 2.11). A salvação da Sua Igreja será o troféu da Sua vitória (Jo 17.10/2Ts 1.10,12).

 

Paulo fala que a Igreja será glorificada em Cristo (2Ts 1.12/Rm 8.17/Cl 3.4), significando com isso, que a Igreja participará da Glória de Cristo. Calvino (1509-1564), interpretando o texto de 2Ts 1.12, diz: “São Paulo declara que nosso Senhor Jesus Cristo não virá para guardar a Sua glória para si mesmo, senão para que seja derramada sobre todos os membros de seu corpo”.[17] Cristo virá como Rei dos reis, Senhor dos senhores (Vejam-se: Mt 19.28; 24.30; 25.31; Cl 3.4; Tt 2.13; 1Pe 4.13).[18] A nossa salvação final será o triunfo da graça de Deus redundando em louvores por parte de todos os salvos. Glória ao Salvador!

 

 

Maringá, 18 de abril de 2019.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

 

*Leia esta série completa aqui.

 


 

[1] João Calvino, Gálatas, São Paulo: Paracletos, 1998, p. 28.

[2] João Calvino, As Pastorais, (1Tm 1.17), p. 46.

[3] Vejam-se: Catecismo de Genebra, Pergs. 1-2: In: Catecismos de la Iglesia Reformada, Buenos Aires: La Aurora, 1962, p. 29; Catecismo Menor de Westminster, Perguntas: 1,7,46,47,101; J. Calvino, Exposição de Romanos, (Rm 9.23), p. 343-344; J. Calvino, As Institutas, III.23.8; III.24.14; Archibald A. Hodge, Confissão de Fé Westminster Comentada por A.A. Hodge, p. 96. Hodge: “A causa final de todos os propósitos de Deus é Sua própria glória” (Ap 4.11; Nm 14.21; Is 48.11; Ez 20.9). (Charles Hodge, Systematic Theology, v. 1, p. 535).

[4]Abraham Kuyper, The Work of the Holy Spirit, Chattanooga: AMG. Publishers, 1995, p. 10.

[5]William Hendriksen, O Evangelho de João, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2004, (Jo 17.6), p. 758.

[6]João Calvino, Exposição de Hebreus, (Hb 1.3), p. 34. “O objetivo final da eleição não será atingido até que Deus, tendo operado a salvação dos eleitos – e tendo-os levado para a glória – seja, deste modo, glorificado plenamente em Si Mesmo” (Fred H. Klooster, A Doutrina da Predestinação em Calvino, Santa Bárbara D’Oeste, SP.: SOCEP., 1992, p. 29).

[7] “Sendo Deus mesmo infinitamente mais digno do que a soma de todas as criaturas, segue-se que a manifestação da sua própria excelência é fim infinitamente mais digno e exaltado do que o seria a felicidade das criaturas; seria realmente o fim o mais exaltado e digno que nos é possível imaginar” (A.A. Hodge, Esboços de Theologia, p. 223).

[8] A.A. Hodge, Esboços de Theologia, p. 223.

[9] Vejam-se também: Confissão de Westminster, III.3,5,7; V.1; XXXIII.2; Catecismo Maior, Pergs. 12 e 18; Catecismo Menor, Perg. 7.

[10]John Calvin, Catechism of the Church of Geneva, Pergunta 2. In: John Calvin, Tracts and Treatises on the Doctrine and Worship of the Church, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1958, v. 2, p. 37.

[11]João Calvino, Efésios, (Ef 1.4), p. 25.

[12]João Calvino, O Livro dos Salmos, (Sl 48.3), p. 356.

[13] Este conhecimento é operado pelo Espírito no coração dos eleitos. Quando isto acontece, Cristo de fato é glorificado: O Espírito é o agente da glorificação de Cristo (Jo 16.13-14). Notemos que o testemunho do Espírito visa basicamente a glorificação de Cristo e, esta glorificação só se torna possível mediante a conhecimento da Pessoa de Cristo. A Igreja é constituída por aqueles que receberam o Testemunho do Espírito através da Palavra e o guardou, revelando-o na sua vida (Mt 5.14-16/Jo 17.6-8; Mt 28.20) e na sua proclamação (Mt 28.19-20/Jo 17.20; At 1.8/Jo 15.26-27).

O Espírito dirige a Igreja na glorificação de Cristo, ensinando-lhe a obediência: Foi justamente na obediência perfeita ao Pai, que o Filho o glorificou. “Eu te glorifiquei na terra, consumando a obra que me confiaste para fazer” (Jo 17.4). A obediência é fruto da genuína fé. Na obediência a Cristo, a Igreja O glorifica. O Espírito que cumpre Seu Ministério obedientemente (Jo 16.13-14), conduz a Igreja a ser a glorificação de Cristo em sua obediência (Jo 17.9,10).

A Igreja é a evidência concreta e real de que o Testemunho histórico do Espírito não foi em vão.

[14] Ver: Charles Hodge, Systematic Theology, v. 1, p. 535-537.

[15]João Calvino, A Verdadeira Vida Cristã, São Paulo: Novo Século, 2000, p. 30. De forma semelhante: “Não busquemos as cousas que são nossas, mas aquelas que não somente sejam da vontade do Senhor, como também contribuam para promover-lhe a glória” (João Calvino, As Institutas, III.7.2).

[16]João Calvino, O Livro dos Salmos, (Sl 69.9), v. 3, p. 21-22.

[17]Juan Calvino, Sermones Sobre La Obra Salvadora De Cristo, Jenison, Michigan: TELL., 1988, p. 225.

[18]Jesus lhes respondeu: Em verdade vos digo que vós, os que me seguistes, quando, na regeneração, o Filho do Homem se assentar no trono da sua glória, também vos assentareis em doze tronos para julgar as doze tribos de Israel” (Mt 19.28). “Então, aparecerá no céu o sinal do Filho do Homem; todos os povos da terra se lamentarão e verão o Filho do Homem vindo sobre as nuvens do céu, com poder e muita glória” (Mt  24.30). “Quando vier o Filho do Homem na sua majestade e todos os anjos com ele, então, se assentará no trono da sua glória” (Mt 25.31). “Quando Cristo, que é a nossa vida, se manifestar, então, vós também sereis manifestados com ele, em glória” (Cl 3.4). “Aguardando a bendita esperança e a manifestação da glória do nosso grande Deus e Salvador Cristo Jesus” (Tt 2.13). “Pelo contrário, alegrai-vos na medida em que sois co-participantes dos sofrimentos de Cristo, para que também, na revelação de sua glória, vos alegreis exultando” (1Pe 4.13).

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