A riqueza da fecunda graça de Deus e a frutuosidade de uma fé obediente e perseverante (27)
Jesus Cristo é o único que cumpriu perfeitamente a justiça divina. Somente nele podemos de fato ser declarados justos. A graça nos justifica na justiça de Cristo. Deste modo, não é a fé que nos justifica, antes, é Deus quem nos justifica em Cristo nos comunicando esta bênção pela fé. Sem a graça não haveria fé. Como vimos, a fé é a boa obra do Espírito Santo em nós.[1] A fé em Cristo é o esvaziamento de toda confiança em nossa capacidade e merecimento. A eficácia da fé não está em sua suposta perfeição (Aliás, nossa fé sempre é limitada e imperfeita), mas, no seu repouso humilde e total na justiça perfeita de Cristo.[2] “A justiça de Deus não nos condena, mas nos justifica. Somos revestidos da justiça de Cristo”.[3]
Não existe justificação sem a pessoa e obra de Cristo (Rm 3.24; Tt 3.7[4]).[5] “…. mas vós vos lavastes, mas fostes santificados, mas fostes justificados em o nome do Senhor Jesus Cristo e no Espírito do nosso Deus” (1Co 6.11). Jesus Cristo cumpriu a Lei. Ele é a nossa justiça: “Mas vós sois dele, em Cristo Jesus, o qual se nos tornou, da parte de Deus, sabedoria, e justiça, e santificação, e redenção” (1Co 1.30).
O Espírito aplica em nós a justiça de Cristo. Por isso, somos declarados justos diante de Deus.
A Confissão de Westminster, ensina:
Deus, desde toda a eternidade, decretou justificar todos os eleitos; e Cristo, no cumprimento do tempo, morreu pelos pecados deles e ressuscitou para a justificação deles; contudo, eles não são justificados até que o Espírito Santo, no tempo próprio e de fato, comunica-lhes Cristo.[6] (Rm 3.4; 4.25; Tt 3.6-7/1Co 6.11).
Desse modo, vemos que Deus eternamente decretou nos justificar. Contudo, ele o faz no tempo, também por graça, por meio da fé.
Outro aspecto que quero destacar, é que a justificação é o fundamento judicial ou forense da santificação.[7]
Na justificação pressupomos uma relação entre duas partes considerando o seu direito. Nesta doutrina, temos a regulamentação das relações entre as partes.[8] Há uma mudança na nossa condição legal: Deus declara ao homem culpado que já não há mais culpa em nós. Aqui de fato passamos a ter vida.[9] Mudamos da situação de um condenado que aguardava tristemente a terrível sentença condenatória para a condição de filho de Deus, na expectativa da sua majestosa herança (Rm 8.14-18)[10].[11] É importante enfatizar que na justificação, conforme escreve Hodge, “Deus não declara que o ímpio é santo; ele declara que, não obstante sua pecaminosidade e indignidade pessoal, ele é aceito como justo com base no que Cristo fez por ele”.[12]
Segundo Calvino: “Quando Deus nos justifica pela intercessão de Cristo, ele nos absolve não pela prova de justiça pessoal, mas pela imputação de justiça, de sorte que somos tidos por justos em Cristo, nós que inerentemente não o somos”.[13]
Por isso, a justificação – que ocorre fora de nós – não produz nenhuma transformação espiritual em nosso ser. Contudo, significa que Deus já a fez pela regeneração e continuará fazendo pela santificação.[14]
Na regeneração recebemos um coração novo, com uma santa disposição. Na justificação, Deus, Senhor e Rei, nos declara justos, e perdoa todos os nossos pecados os quais foram pagos definitivamente por Cristo. Por isso, já não há nenhuma condenação sobre nós. Estamos em paz com Deus resultante da justiça de Cristo imputada a nós (Rm 5.1; 8.1,31-33).[15] Deste modo, o Pai decretou nos justificar por meio dos méritos de Cristo que são aplicados pelo Espírito Santo. O Senhor, no legítimo uso de seus direitos e prerrogativas, mudou o nosso status de condenados para declarados justos.
Anotações pontuais sobre a relação entre graça, fé e justificação
A doutrina da justificação pela fé como um dos pilares da Reforma.[16] Ela estabelece o caminho bíblico entre sacerdotalismo (fé mais obras), a anomia (justificados na eternidade e, portanto, já salvos pela graça, estamos livres para fazer o que bem entendermos) e o legalismo (salvos pela observância da lei) e o galacianismo (salvos pela graça vivemos pela lei).
Sem a compreensão adequada da doutrina da justificação pela fé, não há Evangelho a ser anunciado.[17] Só há Evangelho se de fato houver a Boa Nova da perfeita justiça de Cristo que é-nos imputada pela graça. O Evangelho tem como uma de suas principais características, o anúncio da justificação pela fé.[18]
Para nós Reformados, a justificação é o ato que faz parte do início de um processo que se iniciou na eternidade (eleição) e se consumará na eternidade (glorificação).[19] A justificação no tempo é real porque foi estabelecida por Deus na eternidade.[20]
Cristo, com o seu próprio sangue, reconciliou-nos com Deus, sendo assunto aos céus, como nosso eterno e perfeito Mediador.[21]
O poeta sacro capta bem essa realidade:
O Grande Amor de Deus.[22]
1. A Deus demos glória, por seu grande amor,
O Filho bendito por nós todos deu,
E graça concede ao mais vil pecador,
Abrindo-lhe a porta de entrada no céu.
Exultai! Exultai! Vinde todos louvar
A Jesus, Salvador, a Jesus, Redentor!
A Deus demos glória, porquanto do céu
Seu Filho bendito por nós todos deu!
2. Oh, graça real! Foi assim que Jesus,
Morrendo, Seu sangue por nós derramou.
Herança nos céus, com os santos em luz,
Legou-nos Aquele que o preço pagou.
3. Tal prova de amor nos persuade a confiar
Nos merecimentos do Filho de Deus!
E quem, a Jesus, pela fé se entregar,
Vai vê-lo na glória eterna dos céus.
(F.J. Crosby – J. Jones)
São Francisco do Sul, 10 de março de 2019.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
*Este post faz parte de uma série. Acesse aqui a série completa
[1] “A fé propriamente dita é obra do Espírito Santo que não habita em nenhum outro além dos filhos de Deus” (João Calvino, O evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 1, (Jo 1.13), p. 48).
[2]Ver: Joel R. Beeke, Justificação pela Fé Somente (A Relação da Fé com a Justificação): In: John F. MacArthur, Jr., et. al., A Marca da Vitalidade Espiritual da Igreja: Justificação pela Fé Somente, São Paulo: Editora Cultura Cristã, (2000), p. 54.
[3]Herman Bavinck, Dogmática Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 4, p. 179.
[4]“Sendo justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus” (Rm 3.24). “A fim de que, justificados por graça, nos tornemos seus herdeiros, segundo a esperança da vida eterna” (Tt 3.7).
[5] Vejam-se: Michael Horton, União com Cristo. In: Michael Horton, org., Cristo o Senhor: A Reforma e o Senhorio da Salvação, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2000, p. 105-106; Charles Hodge, Teologia Sistemática, São Paulo: Hagnos Editora, 2001, p. 1115.
[6] Confissão de Westminster, XI.4.
[7]Vejam-se: Herman Bavinck, Dogmática Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 4, p. 209; L. Berkhof, Teologia Sistemática, Campinas, SP.: Luz para o Caminho, 1990, p. 540.
[8] Abraham Kuyper, A Obra do Espírito Santo, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 371-372.
[9]“Justificação forense significa que somos declarados justos por Deus em um sentido legal. A base dessa declaração legal é a imputação da justiça de Cristo a nosso favor” (R.C. Sproul, O que é teologia reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 51. Do mesmo modo: R.C. Sproul, A natureza forense da justificação: In: John F. MacArthur, Jr., et. al., A Marca da Vitalidade Espiritual a Igreja: Justificação pela Fé Somente, São Paulo: Editora Cultura Cristã, (2000), p. 27ss. Veja-se: George Whitefield, Cristo: Sabedoria, Justiça, Santificação, Redenção, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, (s.d.), p. 8.
[10] “14 Pois todos os que são guiados pelo Espírito de Deus são filhos de Deus. 15 Porque não recebestes o espírito de escravidão, para viverdes, outra vez, atemorizados, mas recebestes o espírito de adoção, baseados no qual clamamos: Aba, Pai. 16 O próprio Espírito testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus. 17 Ora, se somos filhos, somos também herdeiros, herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo; se com ele sofremos, também com ele seremos glorificados. 18 Porque para mim tenho por certo que os sofrimentos do tempo presente não podem ser comparados com a glória a ser revelada em nós” (Rm 8.14-18).
[11]Veja-se: J.I. Packer, O Conhecimento de Deus, São Paulo: Mundo Cristão, 1980, p. 121. “Quando alguém adota uma criança, escolhe-a para ser seu herdeiro, e todos os bens que ele possui são depois repassados debaixo desse título. Assim se dá conosco, que somos herdeiros da vida celestial porque Deus nos adotou e escolheu para sermos seus filhos” (João Calvino, Sermões em Efésios, Brasília, DF.: Monergismo, 2009, p. 71-72).
[12]Charles Hodge, Teologia Sistemática, p. 1115. “A justificação é um ato judicial de Deus, no qual ele declara, com base na justiça de Jesus Cristo, que todas as reivindicações da lei são satisfeitas com vistas ao pecador” (L. Berkhof, Teologia Sistemática, Campinas, SP.: Luz para o Caminho, 1990, p. 517).
[13] João Calvino, As Institutas, III.11.3.
[14] “Não há justificação sem regeneração, assim como não há regeneração sem justificação” (James M. Boice, Fundamentos da Fé Cristã: Um manual de teologia ao alcance de todos, Rio de Janeiro: Editora Central Gospel, 2011, p. 369).
[15]“Justificados, pois, mediante a fé, temos paz com Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo” (Rm 5.1). “Agora, pois, já nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus” (Rm 8.1). “31 Que diremos, pois, à vista destas coisas? Se Deus é por nós, quem será contra nós? 32 Aquele que não poupou o seu próprio Filho, antes, por todos nós o entregou, porventura, não nos dará graciosamente com ele todas as coisas? 33 Quem intentará acusação contra os eleitos de Deus? É Deus quem os justifica” (Rm 8. 31-33).
[16] “A justificação foi a doutrina que acendeu a Reforma” (John F. MacArthur, Jr., Muito Antes de Lutero: Jesus e a Doutrina da Justificação: In: John F. MacArthur, Jr., et. al., A Marca da Vitalidade Espiritual da Igreja: Justificação pela Fé Somente, São Paulo: Editora Cultura Cristã, (2000), p. 15).
[17]“Um entendimento correto sobre a justificação pela fé constitui o fundamento do Evangelho” (John F. MacArthur, Jr., Muito Antes de Lutero: Jesus e a Doutrina da Justificação: In: John F. MacArthur, Jr., et. al., A Marca da Vitalidade Espiritual da Igreja: Justificação pela Fé Somente, São Paulo: Editora Cultura Cristã, (2000), p. 24).
[18]“As igrejas e denominações que se firmam em sola fide permanecem evangélicas. Aquelas dispostas a ceder nesse ponto inevitavelmente se rendem ao liberalismo, revertem ao sacerdotalismo ou adotam formas até piores de apostasia. O evangelicalismo histórico, portanto, sempre encarou a justificação pela fé como sendo uma doutrina central – se não aquela doutrina mais importante a ser bem compreendida. Não foge à verdade definir os evangélicos como sendo os que creem na justificação somente pela fé” (John F. MacArthur, Jr., Muito Antes de Lutero: Jesus e a Doutrina da Justificação: In: John F. MacArthur, Jr., et. al., A Marca da Vitalidade Espiritual da Igreja: Justificação pela Fé Somente, São Paulo: Editora Cultura Cristã, (2000), p. 11).
[19]Veja-se, conforme já citado: Confissão de Westminster, XI.4. “A justificação é o ponto de convergência de um vastíssimo princípio e de um vastíssimo fim. É o ponto em que se encontram duas eternidades: a do passado e a do futuro” (T. Austin Sparks, O Evangelho Segundo o Apóstolo Paulo, (s. cidade): (s. editora), (s. data), p. 11).
[20] Herman Bavinck, Dogmática Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 4, p. 219.
[21]Veja-se João Calvino, Exposição de Hebreus, (Hb 10.22), p. 268.
[22] Hino nº 42 do Hinário Novo Cântico, São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1991.
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