Introdução ao Estudo dos Credos e Confissões (35) – O uso de Catecismos e Confissões: Limites
1. Limites
Creio ter ficado evidente a relevância dos Credos Evangélicos[1] no que se refere à sua formulação doutrinária. O ato de depreciar os Credos significa deixar de usufruir as contribuições dos servos de Deus no passado referentes à compreensão bíblica; “é uma negação prática da direção que no passado deu o Espírito Santo à Igreja”.[2]
Por outro lado, temos de entender – aliás, como sempre foi entendido pelos Reformados –, que os Credos têm o seu limite. O Credo é uma resposta do homem à Palavra de Deus, sumariando os artigos essenciais da fé cristã.[3] “Eles (os credos) não são revelação divina, mas parte da resposta da Igreja à revelação que a criou e a renovou na história, e que tem continuidade no presente”.[4]
Desta forma, eles pressupõem fé; mas não a geram; esta é obra do Espírito Santo por meio da Palavra (Rm 10.17). Os credos podem, equivocadamente, ser professados sem, de fato, a experiência de seu conteúdo, sem o conhecimento experimental do que lhe deu significado. Neste caso, temos um símbolo vazio, que nada diz, esgota-se em si mesmo. O símbolo que se autoesgota nega a sua condição de símbolo: é uma contradição. Contudo, ele serve de itinerário, de rota que auxilia extremamente o que crê a conhecer melhor os caminhos que conduzem ao fim da nossa fé (1Pe 1.9). O crer é obra da graça![5]
Os Credos baseiam-se na Palavra, porém não são a Palavra – nem jamais foi isto cogitado pelos seus formuladores –; eles não podem substituir a Palavra de Deus; somente Ela gera vida pelo poder de Deus (1Pe 1.23; Tg 1.18).[6]
Para nós Reformados, os Credos têm a sua autoridade decorrente da Palavra de Deus; em outras palavras, o seu valor não é intrínseco, mas sim, extrínseco: eles são recebidos e cridos enquanto permanecem fiéis à Escritura; assim, a sua autoridade é relativa e derivada.[7] Se isto é assim, alguém poderia insistir: “Para que então, os Credos, se nós temos a Bíblia?”. O Dr. A. A. Hodge (1823-1886), apresenta uma observação relevante:
Todos os que estudam a Bíblia fazem isso necessariamente no próprio processo de compreender e coordenar o seu ensino; e pela linguagem de que os sérios estudantes da Bíblia se servem em suas orações e outros atos de culto, e na sua ordinária conversação religiosa, todos tornam manifesto que, de um ou outro modo, acharam nas Escrituras um sistema de fé tão completo como no caso de cada um deles lhe foi possível. Se os homens recusarem o auxílio oferecido pelas exposições de doutrinas elaboradas e definidas vagarosamente pela Igreja, cada um terá de fazer seu próprio credo, sem auxílio e confiando só na própria sabedoria. A questão real entre a Igreja e os impugnadores de credos humanos não é, como eles muitas vezes dizem, uma questão entre a Palavra de Deus e os credos dos homens, mas é questão entre a fé provada do corpo coletivo do povo de Deus e o juízo privado e a sabedoria não auxiliada do objetor individual.[8]
Os Credos são somente uma aproximação e relativa exposição correta da verdade revelada. Desta forma, podem ser modificados pelo progressivo conhecimento da Bíblia, a qual é infalível e inesgotável. Por isso, não devemos tomar os Credos como autoridade final para definir um ponto doutrinário: os limites de nossa reflexão teológica estão na Palavra, não nos Credos. Os Credos não estabelecem o limite de nossa fé, antes, o norteiam. Conforme ressaltamos, a Palavra de Deus sempre será mais rica do que qualquer pronunciamento eclesiástico por melhor que seja elaborado e por mais fiel que seja às Escrituras.[9] No entanto, como ressalta Packer: “Na verdade a abordagem impiedosa seria tentar aprender de Deus como cavaleiro solitário que orgulhosamente ou impacientemente virasse as costas para a igreja e sua herança: isso seria receita certeira para esquisitices sem fim!”.[10] “A instrução transmite conhecimento, mas também presume conhecimento”.[11]
A Confissão de Westminster, capítulo I, seção 10, diz:
O Juiz Supremo, pelo qual todas as controvérsias religiosas têm de ser determinadas, e por quem serão examinados todos os decretos de concílios, todas as opiniões dos antigos escritores, todas as doutrinas de homens e opiniões particulares, o Juiz Supremo, em cuja sentença nos devemos firmar, não pode ser outro senão o Espírito Santo falando na Escritura.
A firmeza e a vivacidade da Teologia Reformada estão justamente em basear o seu sistema em todo o desígnio de Deus, submetendo-o ao próprio Deus que fala por meio da Sua Palavra.[12]
Maringá, 22 de janeiro de 2019.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1]Chamo aqui de “Credos”, os Credos propriamente ditos (Apostólico, Niceno, Constantinopolitano, etc), os Catecismos e Confissões. Sabemos, contudo, que podemos distingui-los de maneira mais precisa, conforme o faz McGrath, dizendo que devido ao fato dos credos sintetizarem os “principais pontos da fé cristã, os quais são compartilhados por todos os cristãos”, o termo “jamais é empregado em relação a declarações de fé que sejam associadas a denominações específicas. Essas são geralmente chamadas de ‘confissões’ (…). A ‘confissão’ pertence a uma denominação e inclui dogmas e ênfases especificamente relacionados a ela; o ‘credo’ pertence a toda a igreja cristã e inclui nada mais, nada menos do que uma declaração de crenças, as quais todo cristão deveria ser capaz de aceitar e observar. O ‘credo’ veio a ser considerado como uma declaração concisa, formal, universalmente aceita e autorizada dos principais pontos da fé cristã” (Alister E. McGrath, Teologia Sistemática, histórica e filosófica: uma introdução à teologia cristã, p. 54). (Da mesma forma, Alister E. McGrath, Teologia Histórica: uma introdução à história do Pensamento Cristão, São Paulo: Cultura Cristã, 2007, p. 44). (Vejam-se também: Arthur C. Cochrane (Edited, with Historical Introductions), Reformed Confessions of the 16th Century, London: SCM Press, 1966, p. 26; Ulisses H. Simões, A Subscrição Confessional: necessidade, relevância e extensão. Belo Horizonte, MG.: Efrata Publicações e Distribuição, 2002, p. 18). Contudo, as Confissões podem ser chamadas de Credos ainda que qualificados como luteranos, calvinistas, batistas, presbiterianos, metodistas, etc.
[2]Louis Berkhof, Introduccion a la Teologia Sistematica, Grand Rapids, Michigan: The Evangelical Literature League, © 1932, p. 22. Stott coloca bem esta questão: “Desrespeitar a tradição e a teologia histórica é desrespeitar o Espírito Santo que tem ativamente iluminado a Igreja em todos os séculos” (John R.W. Stott, A Cruz de Cristo, Miami: Editora Vida, 1991, p. 8). Retomo as palavras já citadas de Dabney eTrueman: Dabney diz que tais pessoas deveriam rejeitar também a pregação, visto que somente os autógrafos originais foram inspirados, não as traduções (Veja-se: Robert L. Dabney, The Doctrinal Contents of the Confession: its Fundamental and Regulative ideas and the necessity and Value of Creeds, Greenville, South Carolina: Greenvile Presbyterian Theological Seminary, 1993 (Reprinted), p. 17). Também, não deveríamos cantar: “Cantar hinos é da mesma forma uma recitação em conjunto com música; e nenhum hino de que me recordo contém tanta teologia sã, de modo tão coerente, cláusula por cláusula, quanto os Credos apostólico ou niceno” (Carl R. Trueman, O imperativo confessional, Brasília, DF.: Editora Monergismo, 2012, p. 210).
[3] Ver: Arthur C. Cochrane (Edited, with Historical Introductions), Reformed Confessions of the 16th Century, London: SCM Press, 1966, p. 25.
[4] Edward A. Dowey Jr., Documentos Confessionais como Hermenêutica: In: Donald K. Mckim, ed. Grandes Temas da Teologia Reformada, São Paulo: Pendão Real, 1999, p. 12.
[5] “Deus é o único Pai no âmbito da fé, porquanto regenera a todos os crentes pela instrumentalidade de sua Palavra e pelo poder de seu Espírito, e é exclusivamente Ele que confere a fé” (João Calvino, As Pastorais, São Paulo: Paracletos, 1998, (1Tm 1.2), p. 27).
[6] Veja-se: J.M. Boice, O Pregador e a Palavra de Deus: In: J.M. Boice, ed. O Alicerce da Autoridade Bíblica, São Paulo: Vida Nova, 1982, p. 162.
[7]“Corretamente empregados, os padrões confessionais devem guiar, formatar e enriquecer nossa exegese; mal empregados, eles se divorciam dos textos bíblicos que os nutriram e desenvolveram” (D.A. Carson, Jesus, o Filho de Deus: O título cristológico muitas vezes negligenciado, às vezes mal compreendido e atualmente questionado, São Paulo: Vida Nova, 2015, p. 81-82).
[8] A.A. Hodge, Esboços de Theologia, Lisboa: Barata Sanches, 1895, p. 99.
[9] Veja-se: G.C. Berkouwer, A Pessoa de Cristo, São Paulo: ASTE., 1964, p. 76.
[10] J.I. Packer, O Conforto do Conservadorismo: In: Michael Horton, ed. Religião de Poder, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1998, p. 236.
[11]Gene Edward Veith, Jr, De Todo o Teu Entendimento, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 26. No mesmo parágrafo, Veith escrevera: “O conhecimento, se for preservado e transmitido, pode ser acumulado. Muitos artistas, filósofos e teólogos modernos rejeitam o conhecimento do passado. Assim, eles têm que recomeçar de novo continuamente do zero, sendo sua visão restrita à sua própria perspectiva estreita, tornando-se artificialmente primitivos. (…) A instrução transmite conhecimento, mas também presume conhecimento”.
[12] O teólogo Reformado Geerhardus Vos (1862-1949), conceituou corretamente a teologia, afirmando: “Toda genuína Teologia Cristã é necessariamente Teologia Bíblica porque aparte da Revelação Geral, a Escritura constitui o único material com o qual a ciência Teológica pode tratar” (Geerhardus Vos, Biblical Theology: Old and New Testament, Grand Rapids, Michigan: WM. B. Eerdmans Publishing Co., 1985 (reprinted), “Preface“, p. v.).
Muito bom seus artigos sempre acompanho. obrigado por compartilhar