Uma oração intercessória pela Igreja (152)
13) Sábio manejo da Palavra em seu anúncio perseverante (Continuação)
Devemos ter sempre em mente que a pregação foi o meio deliberadamente escolhido por Deus para transformar pessoas e edificar o seu povo, preservando a sã doutrina por meio da Igreja que é o baluarte da verdade.[1]
Os presbíteros foram chamados por Deus para pregarem o Evangelho de Cristo. E mais, o Evangelho deve ser anunciado em sua inteireza, sem misturas, adições e cortes: Isso nos distingue essencialmente dos falsos mestres, como bem pontuou Calvino:
“A verdade do evangelho” deve ser considerada como sendo sua genuína pureza ou, o que vem a ser a mesma coisa, sua pura e sólida doutrina. Pois os falsos apóstolos não aboliam totalmente o evangelho, mas o adulteravam com suas noções pessoais, de modo que ele logo passava a ser falso e mascarado. Isso é sempre assim quando nos apartamos, mesmo em grau mínimo, da simplicidade de Cristo. Quão impudentes, pois, são os papistas ao se vangloriarem de que possuem o evangelho, pois ele não só é corrompido por uma infinidade de invenções, mas também é mais que adulterado por dogmas infindáveis e pervertidos.[2]
À Igreja foi confiada a Palavra de Deus, a qual ela deve preservar em seus ensinamentos e prática (Rm 3.2; 1Tm 3.15). Calvino entendia que “a verdade, porém, só é preservada no mundo através do ministério da Igreja. Daí, que peso de responsabilidade repousa sobre os pastores, a quem se tem confiado o encargo de um tesouro tão inestimável!”.[3]
Comentando a expressão “coluna da verdade”, continua falando da responsabilidade dos pastores:
Deus mesmo não desce do céu para nós, nem diariamente nos envia mensageiros angelicais para que publiquem sua verdade, senão que usa as atividades dos pastores, a quem destinou para esse propósito.[4]
Em relação aos homens, a Igreja mantém a verdade porque, por meio da pregação, a Igreja a proclama, a conserva pura e íntegra, a transmite à posteridade.[5]
Paulo dá a saber que, para que não pereça a verdade de Deus no mundo, fiel depositária lhe é a Igreja, porquanto por seu ministério e obra quis Deus se conserve pura a pregação de Sua Palavra e, enquanto de alimentos espirituais nos nutre e procura tudo quanto à salvação nos consulta, um pai de família se nos mostre.[6]
A Igreja necessita de pastores bem-preparados:
Ora, como é possível que os pastores ensinem a outrem se eles mesmos não forem capazes de aprender? E se um homem tão excelente é admoestado a estudar a fim de progredir diariamente, não seria maior a nossa necessidade em atender a tal conselho? Ai da indolência dos que não examinam atentamente os oráculos do Espírito, dia e noite, com o fim de aprender neles como desempenhar seu ofício.[7]
Aos ministros é necessário ter habilidade para o ensino. Calvino é enfático quanto a isso. Pregando sobre 1Tm 3.1-4, disse:
Não é dado a todos o dom de pregar e de discursar sobre a doutrina de Deus. Um homem pode ser fiel, pode levar uma vida santa, e ainda assim ele pode não ter essa capacidade de discursar a Palavra de Deus de modo que ela seja bem recebida. A verdadeira doutrina, portanto, não está em todos, e quando essa está ainda assim deve ser aplicada. (…) Temos muitos que, apesar de serem sábios, ainda assim não têm essa graça de conseguir aplicar a doutrina de modo que outros tirem proveito e sejam edificados.[8]
Comentando a mesma passagem, segue linha idêntica:
Não é suficiente que uma pessoa seja eminente no conhecimento profundo, se não é acompanhada do talento para ensinar. Há muitos, seja por causa da pronúncia defeituosa, ou devido à habilidade mental insuficiente, ou porque não estejam suficientemente em contato com as pessoas comuns, o fato é que guardam seu conhecimento fechado em seu íntimo. (…) Os que são incumbidos de governar o povo devem ser qualificados para a docência. E o que se exige aqui não é propriamente uma língua leviana, porquanto nos deparamos com muitos cuja livre fluência nada contém que sirva para edificar. Paulo está, antes, recomendando sabedoria no traquejo de aplicar a Palavra de Deus visando à edificação de seu povo.[9]
Deus comissionou seus ministros para cuidarem de suas ovelhas, de sua igreja. Como fazê-lo se estivermos despreparados? Precisamos nos equipar para esta nobre, urgente e vital tarefa.[10] A graça não elimina nem diminui a nossa responsabilidade (1Co 15.10).
Maringá, 15 de setembro de 2023.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1]MacArthur acentua com veemência em lugares diferentes: “…. Não ousemos menosprezar o principal instrumento de evangelismo: a proclamação direta e cristocêntrica da genuína Palavra de Deus. Aqueles que trocam a Palavra por entretenimento ou artifícios descobrirão que não possuem um meio eficaz de alcançar as pessoas com a verdade de Cristo” (John F. MacArthur Jr., Com Vergonha do Evangelho, São José dos Campos, SP.: Fiel, 1997, p. 117-118). “Os que desejam colocar a dramatização, a música e outros meios mais sutis no lugar da pregação deveriam levar em conta o seguinte: Deus, intencionalmente, escolheu uma mensagem e uma metodologia que a sabedoria deste mundo considera como loucura. O termo grego traduzido por ‘loucura’ (1Co 1.21) é mõria, de onde o idioma inglês tira a sua palavra moronic (imbecil). O instrumento que Deus utiliza para realizar a salvação é, literalmente, imbecil aos olhos da sabedoria humana. Mas é a única estratégia de Deus para proclamar a mensagem” (Ibidem., p. 130).
[2]João Calvino, Gálatas, São Paulo: Paracletos, 1998, (Gl 2.5), p. 52. “O estilo de comunicação deles pode ser agradável e suas reuniões lotadas, mas os pastores que não proclamam fielmente a Palavra de Deus para seu povo estão lesando suas ovelhas naquilo que é mais importante” (John MacArthur, Por que ainda prego a Bíblia após quarenta anos de ministério: In: Mark Dever, ed., A Pregação da Cruz, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 146).
[3]João Calvino, As Pastorais,(1Tm 3.15), p. 97.Veja-se também, AsInstitutas, IV.1.5.
[4]João Calvino, As Pastorais,(1Tm 3.15), p. 97.“Pois não devemos ser sábios do jeito que muitas pessoas o são, as quais exigem saber se Deus não pode enviar seus anjos do céu e nos ensinar por revelações, nem do jeito de alguns bisbilhoteiros que pretextam ter o Espírito de Deus à disposição deles (en leur manche, em sua manga), e por isso desdenham receber os dons tais como distribuídos por Deus. Para que não sejamos assim enfeitiçados por Satã, notemos como é dito aqui que é vontade de Deus que o evangelho seja pregado pelas bocas dos homens, e que estes nos são, por assim dizer, testemunhas” (João Calvino, Sermões em Efésios, Brasília, DF.: Editora Monergismo, 2009, p. 29). Do mesmo modo: John Calvin, “Commentary on the Book of the Prophet Isaiah,” John Calvin Collection,[CD-ROM], (Albany, OR: Ages Software, 1998), (Is 41.27), p. 112.
[5]João Calvino, As Pastorais,(1Tm 3.15), p. 98. Veja-se também, As Institutas,IV.1.5.
[6]João Calvino, As Institutas,(2006),IV.1.10. Vejam-se também: João Calvino, Gálatas, (Gl 5.9), p. 158-159; João Calvino, As Pastorais, São Paulo: Paracletos, 1998,(2Tm 2.15), p. 235.
[7]João Calvino, As Pastorais,São Paulo: Paracletos, 1998, (1Tm 4.13), p. 123. “A erudição associada à piedade e aos demais dotes do bom pastor lhe sejam uma preparação. Ora, aqueles que o Senhor destinou a tão grande ofício os equipa antes com essas armas que são requeridas para desempenhá-lo, de sorte que não venham a ele vazios e despreparados” (João Calvino, As Institutas, (2006), IV.3.11).
[8]John Calvin, Sermon 1Tm 3.1-4 (Sermão 22): In: Herman J. Selderhuis, ed. Calvini Opera Database 1.0, Netherlands: Instituut voor Reformatieonderzoek, 2005, v. 53), p. 261.
[9]João Calvino, As Pastorais, (1Tm 3.2), p. 87.
[10]“Somos pastores, cuidamos de ovelhas, e devemos saber cuidar e proteger essa gente que foi entregue aos nossos cuidados. Nossa tarefa, por conseguinte, é equiparmo-nos para essa grande empresa” (David M. Lloyd-Jones, Pregação & Pregadores, São Paulo: Fiel, 1984, p. 129).