Uma oração intercessória pela Igreja (131)
8.5.1. Vocaciona e confere autoridade aos seus ministros (Continuação)
O Presbítero é eleito[1] pela Igreja, entre os crentes e com profundo senso de reverência. O Livro de Atos registra que na Galácia, como vimos, Paulo, após fortalecer e consolar os irmãos perseguidos, promoveu-lhes “em cada igreja a eleição de presbíteros, depois de orar com jejuns, os encomendaram ao Senhor em quem haviam criado” (At 14.23).[2]
No livro de Atos, constatamos que os Presbíteros dirigiam a Igreja junto com os apóstolos (At 15.2,4,6,22,23; 16.4),[3] sendo inclusive as suas sugestões acatadas, como foi o caso particular de Paulo (At 21.18-26); competindo também a eles “alimentar” (poimai/nw = pastorear, cuidar, apascentar)[4] o rebanho (At 20.28). Como vimos, Presbítero e Bispo descrevem o mesmo ofício nas páginas do Novo Testamento (At 20.17,28).[5]
Talvez possamos tomar a seguinte distinção quanto ao emprego das expressões:
a) Bispo chama a atenção para o seu ofício e função;
b) Presbítero, para a sua dignidade.[6]
A eleição feita pela igreja, deve ser vista como um reconhecimento público de que os referidos oficiais foram escolhidos por Deus. A eleição nos fala do processo, não da fonte da autoridade dos eleitos.[7] Ninguém pode devidamente exercer o ministério eclesiástico ser ter sido constituído por Deus. A não consideração desse fundamental aspecto é gerador de muita dor e frustração pessoal, familiar e, o pior, o enfraquecimento da igreja.
Dessa forma, a autoridade dos presbíteros é extrínseca, derivada de Deus, não do povo que os elegeu.[8] Por outro lado, eles precisam ter em mente que prestarão contas dos seus atos a Deus. O Novo Testamento nos chama a atenção para o ministério universal dos crentes: todos somos responsáveis pelo desempenho do serviço de Deus em sua Igreja (Ef 4.11-12).[9]
Bannerman (1807-1868) está correto ao afirmar:
O direito à função ministerial é um direito concedido a indivíduos pelo divino Cabeça da igreja, e qualquer indicação a essa função sem uma comissão dessas da parte dele é nula e vazia. (…)[10]
Cristo não conferiu à igreja nenhum depósito de poder e autoridade que ela possa comunicar aos seus ministros ou servidores, e que possa ser recebido e administrado por eles como se tivesse sido concedido pela própria igreja. Pelo contrário, Cristo reteve todo o poder e autoridade em sua própria mão, e os concede direta e pessoalmente àqueles que ele indica para servir ou governar na igreja. Os ministros da igreja recebem a sua função não da igreja, mas do próprio Cristo; eles conservam a sua função não por meio da igreja, mas por meio do seu Cabeça; eles administram a sua função, não em virtude do poder ou da autoridade conferidos pela igreja, mas em virtude da garantia e do poder concedidos pelo seu divino Senhor. A igreja não se coloca entre o seu Cabeça e os seus próprios ministros, para colocá-los na função que exercem, nem lhes concede a comissão e dos dons necessários para o seu desempenho. A função vem de Cristo, a autoridade para administrar as suas funções vêm de Cristo, os dons e as graças e a habilidade necessários aos homens para exercê-las de forma apropriada e correta vêm todos de Cristo.[11]
Cristo é o único cabeça da Igreja. A autoridade dos que lideram é de ordem ministerial, portanto, de serviço, não magisterial. Deste modo, todo ensino e prática devem ser provenientes diretamente ou derivados da Palavra.[12]
Maringá, 19 de agosto de 2023.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1]A eleição aqui descrita, parece ter sido feita pelo levantar-se das mãos (Xeirotone/w = xei/r = “mão” & tei/nw = “estender”), ainda que não necessariamente (* At 14.23; 2Co 8.19); aliás, este costume não era estranho na Antiguidade. A votação era normalmente feita pelo ato de levantar as mãos; em Atenas por aclamação, ou por folhas de votantes ou pedras; em caso de desterro, o voto era secreto. (Veja-se o enriquecedor artigo de Sir Ernest Barker, Eleições no Mundo Antigo: In: Diógenes(Antologia), Brasília, DF.: Editora Universidade de Brasília, 1982, n° 2, p. 27-36).
A expressão usada por Paulo (Tt 1.5), recomendando a Tito que em cada cidade constituísse presbíteros, não indica o modo de escolha, mas sim a necessidade de, seguindo a prática da Igreja, “constituir” homens para este ofício. O termo usado por Paulo (kaqi/sthmi) ocorre algumas vezes no NT. com os seguintes sentidos: Mt 24:45,47; Lc 12:42,44 (confiar); Mt 25:21, 23/At 17.15 (colocar sobre, no sentido de responsabilidade); At 6:3 (encarregar); Rm 5.19 (2 vezes) (tornar-se, no sentido de ser constituído); Lc 12:14; At 7.10,27,35; Tt 1.5; Hb 5.1; Hb 5.1; 7.28; 8.3; Tg 4.4 (constituir); Tg 3.6 (situada, com o sentido de constituída); 2Pe 1.8.
[2]Calvino (1509-1564) comenta: “Daqui, os jejuns e orações de que Lucas faz menção, e que os fiéis fizeram uso quando criavam presbíteros [At 14.23]. Ora, como compreendessem que estavam fazendo coisa da maior seriedade, nada ousavam tentar sem extrema reverência e solicitude. Mais do que tudo, porém, se aplicaram às orações, nas quais a Deus rogavam o Espírito de conselho e discernimento” (João Calvino, As Institutas, (2006), IV.3.12).
[3] “Em Atos 15 e 16.4 os apóstolos e presbíteros funcionam claramente como suprema instância judiciária e instância doutrinal normativa para toda a Igreja, e como tais tomam uma decisão a respeito das exigências mínimas da Lei que devem ser impostas aos gentios” (Guenter Bornkamm, Presbítero: In: G. Kittel, ed. A Igreja do Novo Testamento, São Paulo: ASTE, 1965, p. 237).
[4] * Mt 2.6; Lc 17.7; Jo 21.16; At 20.28; 1Co 9.7; 1Pe 5.2; Jd 12; Ap 2.27; 7.17; 12.5; 19.15.
[5] “Tenhamos em mente, portanto, que esta palavra [bispo] significa o mesmo que ministro, pastor ou presbítero” (João Calvino, As Pastorais, São Paulo: Paracletos, 1998, (1Tm 3.1), p. 83). Vejam-se também: Francis Turretin,Institutes of Elenctic Theology,Phillipsburg, New Jersey: P & R Publishing, 1997, v. 3, p. 201ss (apresenta ampla comprovação histórica); Louis Berkhof, Teologia Sistemática,Campinas, SP.: Luz para o Caminho, 1990, p. 590; Morton Smith, Systematic Theology,Greenville: Greenville Seminary Press, 1994, v. 2, p. 572; R.C.H. Lenski, Commentary on the New Testament, Peabody, Mass.: Hendrickson Publishers, 1998, v. 9, (1Tm 3.1), p. 577; James Bannerman, A Igreja de Cristo – Um tratado sobre a natureza, poderes, ordenanças, disciplina e governo da Igreja Cristã, Recife, PE.: Editora os Puritanos, 2014, p. 730-732; Cornelis Van Dam, O Presbítero, São Paulo: Cultura Cristã, 2019, p. 39-40.
[6] Cf. François Turretini, Compêndio de Teologia Apologética, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 3, p. 250-251.
[7] “O Espírito também chama os homens para o ministério na Igreja e os dota com as qualidades necessárias para o exercício eficaz de suas funções. O ofício da Igreja, neste assunto, é simplesmente o de determinar e verificar o chamamento do Espírito. Assim, o Espírito Santo é o autor imediato de toda a verdade, de toda a santidade, de toda a consolação, de toda a autoridade e de toda a eficiência nos filhos de Deus, individualmente, e na Igreja, coletivamente” (Charles Hodge, Teologia Sistemática,p. 396). “Um verdadeiro ministro precisa de ambos: ser chamado por Deus e eleito corretamente pela congregação do Senhor” (Dirk Philips. In: Johann Spangenberg In: Esther Chung Kim; Todd R. Hains, Comentário Bíblico da Reforma – Atos, São Paulo: Cultura Cristã, 2016, p. 250).
[8] Berkhof (1873-1957) acentua que: “Os oficiais da igreja recebem sua autoridade de Cristo, e não dos homens, mesmo que a congregação sirva de instrumento para instalá-los no ofício” (L. Berkhof, Teologia Sistemática, Campinas, SP.: Luz para o Caminho, 1990, p. 599). Veja-se também: Cf. Cornelis Van Dam, O Presbítero, São Paulo: Cultura Cristã, 2019, p. 19.
[9] “11E ele mesmo concedeu uns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas e outros para pastores e mestres, 12 com vistas ao aperfeiçoamento dos santos para o desempenho do seu serviço, para a edificação do corpo de Cristo” (Ef 4.11-12).
[10] James Bannerman, A Igreja de Cristo – Um tratado sobre a natureza, poderes, ordenanças, disciplina e governo da Igreja Cristã, Recife, PE.: Editora os Puritanos, 2014, p. 426.
[11]James Bannerman, A Igreja de Cristo – Um tratado sobre a natureza, poderes, ordenanças, disciplina e governo da Igreja Cristã, Recife, PE.: Editora os Puritanos, 2014, p. 427. Veja-se também: Abraham Kuyper, A Obra do Espírito Santo, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 392.
[12] Veja-se: Michael Horton, Doutrinas da fé cristã, São Paulo: Cultura Cristã, 2016, p. 783.