Uma oração intercessória pela Igreja (127)
8.4. Cristo como cabeça da Igreja e a nossa responsabilidade (Continuação)
Um historiador da pregação, afirma que:
O declínio da vida e da atividade espiritual nas igrejas é geralmente acompanhada por um tipo de pregação formal, sem vida e infrutífera, e isso parcialmente como causa e parcialmente como efeito. Por outro lado, os grandes reavivamentos da história cristã usualmente remontam à obra do púlpito, e, no decurso do seu progresso, têm desenvolvido e tornado possível um alto nível de pregação.[1]
Por isso, como declara corretamente Stott, é que “o segredo essencial não é dominar certas técnicas, mas ser dominados por determinadas convicções. A teologia é mais importante do que a metodologia”.[2] Na mesma linha escreveu MacArthur:
Não é a engenhosidade de nossos métodos, nem as técnicas de nosso ministério, nem a perspicácia de nossos sermões que trazem poder ao nosso testemunho. É a obediência a um Deus santo e a fidelidade ao seu justo padrão em nosso viver diário.[3]
Estamos convencidos de que a pregação, juntamente com a adoração congregacional se constituem em termômetro espiritual da igreja. Insistimos: A igreja nunca estará acima de seu púlpito, do que lhe é ensinada continuamente.
A Reforma espiritual da igreja começa pelo púlpito, por aquilo que é pregado e ensinado em nossas igrejas, acompanhado de oração, suplicando a misericórdia de Deus que ilumine as nossas mentes e aqueça os nossos corações nos conduzindo ao arrependimento e à obediência sincera ao Senhor. Essa transformação se estende à vida e família dos fiéis, e faz diferença em todos os seus relacionamentos.
Vale lembrar que o estudo e o ensino da doutrina não visam mostrar o quanto conhecemos a Palavra e, ao mesmo tempo, o quão distante estão os outros de conhecerem como conhecemos. Esse tipo de farisaísmo religioso, arrogante e satisfeito consigo mesmo, identificador prazeroso dos erros dos demais, colocando-se num patamar acima, deve estar totalmente distante de nós. Esse pensamento e comportamento é o que há de mais estranho ao verdadeiro conhecimento pessoal de Deus por meio de sua Palavra e, consequentemente, de nossa vivência com ele.
O conhecimento de Deus nunca é estéril, antes, é frutuoso em obediência e piedade. Portanto, não esperemos agradar a Deus sendo-lhe desobediente, desonrando o seu Filho.
Um dos pontos cruciais da Reforma, herdado dos pré-reformadores, foi a supremacia de Cristo sobre a Igreja. A Igreja não pertence a homens. Ela deve ser governada por Cristo que o faz por meio de sua Palavra. A igreja como Corpo de Cristo deve ser seu agente na história, evidenciando a supremacia dele em sua fé, ensinamentos e atitudes. O pré-reformador João Huss (c. 1369-1415)[4]morreu por esta verdade, sendo queimado vivo em 1415. Outros irmãos morreram por sustentarem essa verdade, permanecendo firmes, amparados na autoridade das Escrituras.[5]
A igreja não tem outra cabeça além de Cristo. Portanto, o papado representa um ultraja ao governo de Cristo sobre a Igreja. Esse é, de fato, o espírito de um anticristo. Cristo comprou a igreja com o seu próprio sangue (At 20,28; 1Co 6.20; 1Pe 1.18-21). Ele, somente Ele é o Senhor que edificar, preserva e governa a sua igreja (Mt 16.18).[6]
A igreja como Corpo de Cristo tem sido fortalecida na força de seu poder e, é por isso que ela ultrapassa em muito a nossa capacidade de compreensão e explicação. Ela é o povo de Deus, os ramos da videira, o edifício fundamentado em Cristo, as ovelhas, sob a direção e cuidado do Sumo Pastor.[7] Somos o povo de Deus, propriedade exclusiva dele (1Pe 2.9-10). Ninguém poderá nos destruir. O Senhor reina sobre todas as coisas e a Igreja é o seu corpo presente na história que está sendo formado e aperfeiçoado até a consumação vitoriosa de sua obra.
Em Ef 1.16-23 o apóstolo ora para que a igreja, mesmo nos momentos de abatimento e fraqueza tenha os seus olhos iluminados para saber esta verdade revelada, compreendendo-a pelo Espírito de sabedoria que nos foi concedido.
A cosmovisão cristã obviamente não se aplica apenas a esta vida, antes, tem um sentido escatológico, aponta para o fim, quando Cristo será plenamente glorificado, consumando a sua obra na criação. A escatologia é a consumação natural do plano de Deus na sua historificação temporal. A Escatologia é precedida de uma história realizada – vivemos a agimos em correspondência à nossa fé e vocação.
A história aponta para uma escatologia decisiva. Desta forma, olhando pelo prisma da escatologia, podemos dizer que a história é escatológica, visto que para lá ela caminha de forma progressiva e realizante: A história se consumará na não história, no atemporal e eterno. Por outro lado, a escatologia confere sentido à história.
A fé da Igreja respalda-se em um fato histórico, e nutre-se da esperança que emana da promessa de Deus: “A esperança é o alimento e a força da fé”.[8] E, quanto ao tempo, devemos ter em mente esta certeza: “Os tempos estão nas mãos e à disposição de Deus, de modo que devemos crer que tudo é feito na ordem prefixada e no tempo predeterminado”.[9]
O Senhor Jesus também anela pela conclusão de sua obra quando ele estará completo como cabeça, tendo o seu corpo completado e perfeito, totalmente enchido por ele (Ef 1.23). Já nesse estado de existência, a Igreja pode declarar com fé em alto e bom som:
31Que diremos, pois, à vista destas coisas? Se Deus é por nós, quem será contra nós? 32 Aquele que não poupou o seu próprio Filho, antes, por todos nós o entregou, porventura, não nos dará graciosamente com ele todas as coisas? 33 Quem intentará acusação contra os eleitos de Deus? É Deus quem os justifica. 34 Quem os condenará? É Cristo Jesus quem morreu ou, antes, quem ressuscitou, o qual está à direita de Deus e também intercede por nós. 35 Quem nos separará do amor de Cristo? Será tribulação, ou angústia, ou perseguição, ou fome, ou nudez, ou perigo, ou espada? 36 Como está escrito: Por amor de ti, somos entregues à morte o dia todo, fomos considerados como ovelhas para o matadouro. 37 Em todas estas coisas, porém, somos mais que vencedores, por meio daquele que nos amou. 38 Porque eu estou bem certo de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as coisas do presente, nem do porvir, nem os poderes, 39 nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor (Rm 8.31-39).
Maringá, 05 de agosto de 2023.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1]Edwin C. Dargan, A History of Preaching, Grand Rapids, MI.: Baker Book House, 1954, v. 1, p. 13.
[2]John Stott, Eu Creio na Pregação, São Paulo: Editora Vida, 2003, p. 97.
[3] John F. MacArthur Jr., Com Vergonha do Evangelho, São José dos Campos, SP.: Fiel, 1997. p. 97.
[4]Huss, pregador da Capela de Belém e professor e Reitor da Universidade de Praga, fora excomungado em 1412 por ter aderido às ideias de Wycliff, tendo pregado contra as indulgências, desafiado a autoridade do papa e enfatizado a autoridade das Escrituras. Em 1415 compareceu no Concílio de Constança (1414-1418), na Alemanha, sendo supostamente protegido por um salvo-conduto do Imperador, que terminou por ser suspenso pelo papa, sob a alegação de “não era necessário manter a palavra dada a um herege” e de que “ele jamais concedera qualquer salvo-conduto, e que não estava obrigado a seguir aquele que fora emitido pelo imperador alemão”. Foi queimado vivo. Fox narra as suas palavras ditas ao carrasco: “Vais assar um ganso (pois o nome Huss significa ganso na língua Boêmia), porém dentro de um século surgirá um cisne que não poderão nem assar e nem ferver”. Fox interpreta: “Se Huss neste momento disse uma profecia, deve ter se referido a Martinho Lutero, que apareceu ao final de aproximadamente cem anos, e em cujo escudo de armas tinha a figura de um cisne” (John Fox, O Livro dos Mártires, 4. ed. Rio de Janeiro: CPAD., 2002, p. 166). Antes de morrer, recitou diversos salmos, principalmente o 51 e 53 (Cf. John Ker, Psalms in History and Biography, Edinburgh: Andrew Elliot, 1886, p. 54-55. https://archive.org/details/psalmsinhistoryb00kerj/).(Consulta feita em 05.08.2023). (Vejam-se: Mark A. Noll, Momentos Decisivos na História do Cristianismo,São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2000, p. 192; André Biéler, O Pensamento Econômico e Social de Calvino,São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1990, p. 39; Robert G. Clouse, Richard V. Pierard e Edwin M. Yamauchi, Dois Reinos – A Igreja e a Cultura interagindo ao longo dos séculos,São Paulo: Cultura Cristã, 2003, p. 216; John Fox, O Livro dos Mártires, p. 162-166; John MacArthur, Por que ainda prego a Bíblia após quarenta anos de ministério: In: Mark Dever, ed., A Pregação da Cruz, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 142-143; John MacArthur, Escravo: A verdade escondida sobre nossa identidade em Cristo, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2012, p. 65-75.
[5]Veja-se o excelente e ilustrativo capítulo sobre tais perseguições e o arrefecimento de muitas igrejas em relação à autoridade suficiente das Escrituras, in: Iain Murray, Como a Escócia perdeu sua firmeza na Palavra: In: John F. MacArthur, org., A Palavra Inerrante, São Paulo: Cultura Cristã, 2018, p. 149-171.
[6] Veja o excelente capítulo escrito por MacArthur. John F. MacArthur, Boas Novas: o Evangelho de Jesus Cristo, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2019, p. 133-155.
[7] “Ele não pode ser nossa Cabeça a não ser que também seja simultaneamente nosso Pastor, tendo sobre nós toda autoridade” (João Calvino, Sermões em Efésios, Brasília, DF.: Monergismo, 2009, p. 183).
[8] J. Calvino, As Institutas, III.2.43.
[9]João Calvino, As Pastorais, São Paulo: Paracletos, 1998, (Tt 1.3), p. 303.
Como sempre o faz em todo trabalho, Hermistem é cuidadoso com todas as cotações. Essa documentação confere ainda mais credibilidade a escritor.
Amo seus artigos edificantes eruditos e piedosos.
Parabéns.
Deus o abençoe sempre.