Uma oração intercessória pela Igreja (119)
8.2. É edificada por Cristo (Continuação)
Em Corinto, a despeito de grupos na igreja desejarem moldar o Evangelho às suas preferências e gostos pessoais, o apóstolo Paulo continuava firme, sem tergiversar em sua mensagem:
22Porque tanto os judeus pedem sinais, como os gregos buscam sabedoria; 23mas nós pregamos a Cristo crucificado, escândalo para os judeus, loucura para os gentios. (…) 4A minha palavra e a minha pregação não consistiram em linguagem persuasiva de sabedoria, mas em demonstração do Espírito e de poder, 5para que a vossa fé não se apoiasse em sabedoria humana; e, sim, no poder de Deus (1Co 1.22-23; 2.4-5).
Deus fornece-nos todos os meios para o nosso crescimento. Precisamos, portanto, aprender na própria Palavra, a nos valer desses meios:
Pedro instrui a igreja:
Pelo seu divino poder nos têm sido doadas todas as cousas que nos conduzem à vida e à piedade, pelo conhecimento completo daquele que nos chamou para a sua própria glória e virtude, pelas quais nos têm sido doadas as suas preciosas e mui grandes promessas para que por elas vos torneis coparticipantes da natureza divina, livrando-vos da corrupção das paixões que há no mundo. (2Pe 1.3-4).
O método escolhido por Deus para edificar e preservar a sua Igreja é a pregação da Palavra. Paulo é enfático: “Aprouve(eu)doke/w)[1]a Deus salvar aos que creem, pela loucura da pregação” (1Co 1.21).
Ao longo da História o Espírito tem estabelecido a igreja, chamando por meio da Palavra os homens para constituírem a Igreja de Deus.“Do mesmo modo que o Espírito Santo formou o corpo físico de Jesus Cristo na encarnação, assim também forma o corpo místico de Jesus Cristo, ou seja, a igreja”, interpreta Palmer 1922-1980).[2]
A Igreja de Deus está historicamente sendo formada e aperfeiçoada. Por isso, ela não ainda não é perfeita, mas, está sendo lapidada pelo próprio Trino Deus: “21no qual todo o edifício, bem ajustado, cresce para santuário dedicado ao Senhor, 22no qual também vós juntamente estais sendo edificados para habitação de Deus no Espírito” (Ef 2.21-22).
Lutero (1483-1546) trata dessa questão de modo sensibilizante. Descrevendo a sua luta e a fragilidade aparente da igreja, escreveu:
Nós, pela graça de Deus, esforçamo-nos para conseguir, aqui, em Wittenberg, um tipo ideal de Igreja cristã. A Palavra é ensinada entre nós com pureza, os sacramentos estão sendo usados de forma correta, fazem-se exortações e orações para todas as situações, em suma, todas as coisas ocorrem favoravelmente. Mas algum fanático poderia impedir rapidamente este curso feliz do Evangelho. Num momento, ele poderia destruir aquilo que nós edificamos com grande labor durante muitos anos. (…) A fraqueza e a miséria dessa vida é tão grande, caminhamos a tal ponto em meio aos ardis de satanás que, em pouco tempo, algum fanático, muitas vezes, destrói e arruína, completamente, aquilo que os verdadeiros ministros edificaram, trabalhando, dia e noite, durante vários anos. Por experiência própria, aprendemos isso, hoje, com grande dor na alma, todavia, não podemos curar esse mal. Visto que a Igreja é tão frágil e delicada e é tão facilmente subvertida, devemos estar vigilantes contra aqueles espíritos fanáticos que, quando ouviram alguns sermões ou leram algumas páginas nas Sagradas Letras, sem demora, julgam-se mestres de todos os alunos e professores, contra toda a autoridade.[3]
A igreja de Deus nessa dimensão terrena, ainda luta contra os inimigos de fora e, a sua própria fragilidade interna resultante de seu pecado residual muitas vezes fortalecido pela nossa imaturidade e consequente carnalidade (1Co 1 e 3).
Em agosto de 1555, Calvino pregando em Tt 1.5-6, destaca o trabalho árduo de quem ensina, envolvendo tempo, dedicação, perseverança, humildade, santidade, autoexame, e confiança em Deus:
Começamos esta manhã pontuando quão difícil é a obra de edificação da igreja de Deus e quão impossível é ser bem-sucedido em um dia ou em curto período. A obra é contínua, e a vida inteira de um homem não basta. Naturalmente, Deus poderia conduzir seu povo à perfeição se porventura quisesse fazê-lo, mas ele quer levar-nos por passos medidos — tudo com o fim de humilhar-nos e ajudar-nos a reconhecer nossas misérias e deplorá-las, de modo a caminharmos por este mundo sempre nos volvendo para ele. Pois sabemos que o que ele começou em nós nada é até que, como costumamos dizer, ele ponha um ponto final. E, visto que cada um de nós deve acima de tudo ser um templo do Santo Espírito, apliquemo-nos a esta obra de construção. Aqueles a quem Deus chamou a pregar sua Palavra designou pedreiros na construção de seu templo. Da mesma forma, ele deseja que nos ocupemos nisso, cada um em sua própria esfera. Entretanto, notemos que é a toda a igreja que edificamos em comum, e cada um de nós deve trabalhar nela, pois nos cabe fazer as coisas progredirem o máximo que pudermos. No entanto, os que vivem satisfeitos com o atual estado de atividades estão muito enganados. É um sinal de que ainda não entenderam o alvo ao qual Deus os chama nem se examinam, pois estão muito longe da meta a que deveriam almejar. Assim, esforcemo-nos o máximo que pudermos para alcançá-lo e reflitamos cuidadosamente sobre qual é nossa deficiência. Ainda que Deus permita graciosamente que sua Palavra nos seja ensinada com pureza e mesmo quando entre nós prevaleça alguma ordem tolerável, lembremo-nos de que tudo ainda não é perfeito e que a obra nunca é feita com inteireza. Isto não deve deprimir nossos espíritos, mas, ao contrário, deve estimular e inspirar-nos a observar a injunção de Paulo e a seguir seu conselho.[4]
À frente continua:
Que cada um de nós olhe para si mesmo e considere cuidadosamente o que ainda lhe falta. Descobriremos que ainda estamos sujeitos a muitas falhas, de modo que fracassamos completamente no cumprimento de nosso dever. Somos também tão indolentes que não fazemos a centésima parte do que deveríamos. Deveríamos voltar nossos pensamentos para a vida celestial e, enquanto passamos por este mundo, subjugar todos os nossos maus desejos para que eles não mais nos façam recuar.[5]
A Igreja visível formada em sua membresia por aqueles que professam visivelmente sua fé em Cristo, sendo conhecida pelos homens devido à profissão externa de sua fé e relativa obediência aos mandamentos de Deus,[6] obviamente ainda se encontra mesclada por homens que não conhecem genuinamente a Cristo e, por cristãos sinceros que, a despeito da profissão sincera de sua fé, falham terrivelmente mas que, pela graça, continuam sendo instruídos, confrontados, corrigidos e animados pelo Espírito do Senhor.
Obviamente aqui não estamos falando de duas igrejas mas, de uma apenas, que é a Igreja de Deus, perfeitamente conhecida pelo seu Senhor (2Tm 2.19). No entanto, como não temos um critério infalível para julgar a integridade da fé de alguém, a distinção entre visibilidade e invisibilidade, se refere à perceptibilidade humana, não quando ao conhecimento do Senhor. As ovelhas podem não se conhecer mas, o nosso Pastor as conhece (Jo 10.27).
Contudo, insistimos que a “igreja invisível” se torna visível na vivência e testemunho de sua fé.[7]
Agostinho identifica a igreja como o “mundo reconciliado”.[8] Tratando sobre o conhecimento de Deus de sua igreja, diz que sob à ótica da predestinação, Deus sabe “quantas ovelhas estão fora, quantos lobos estão dentro! e quantas ovelhas estão dentro, quantos lobos estão fora! Quantos estão agora vivendo na devassidão que ainda serão castos!”.[9]
Portanto, “as imperfeições e as marcas na igreja visível ainda estão sendo refinadas pelo Mestre de obras”, alegoriza MacArthur.[10] Explorando a figura, podemos dizer que a igreja está em construção: um canteiro de obras com frequência não faz jus à obra que está sendo feita; as coisas se parecem um tanto desarrumadas, com pilhas de tijolos, areia, pedra, ferro, madeira, ferramentas jogadas, escombros, valetas, etc.
Assim é a igreja no tempo presente, com suas imperfeições, constituída por pessoas como nós, precisando ser instruídas, corrigidas, consoladas, estimuladas, enfim, precisando ser acabadas. No entanto, o nosso Arquiteto e Mestre de obras tem todo o controle da construção.
Ele consumará a sua obra. Ele reunirá as suas ovelhas: “Ainda tenho outras ovelhas, não deste aprisco; a mim me convém conduzi-las; elas ouvirão a minha voz; então, haverá um rebanho e um pastor” (Jo 10.16).
Deus arregimenta o seu povo, concluindo assim, a sua obra iniciada na eternidade:
29 Porquanto aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. 30 E aos que predestinou, a esses também chamou; e aos que chamou, a esses também justificou; e aos que justificou, a esses também glorificou. (Rm 8.29-30).
Packer (1926-2020), bem ao seu estilo, escreve de forma consoladora:
Essa esperança é uma certeza, pois a sentença justificadora é uma decisão judiciária do último dia, trazida ao presente: é um veredito final, que jamais será revertido. “E aos que justificou, a esses também glorificou” (Rm 8.30). Observemos que Paulo usa o verbo “glorificar” no passado. Aquilo que Deus decidiu fazer é como se já o tivesse feito!. De acordo com isso, a pessoa justificada pode ter a certeza de que coisa alguma jamais a separará do amor de seu Salvador e de seu Deus (Rm 8.35ss.).[11]
Maringá, 05 de agosto de 2023.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1] Deus fez esta escolha com prazer. Eu)doki/a: “Boa vontade”, “favor”, “beneplácito”. Enfatiza a liberdade do propósito de Deus e o deleite – ainda que não necessário –, que acompanha o Seu propósito. Deus é Quem “escolhe” o que quer e se agrada em cumprir o seu plano(Mt 11.26; Lc 2.14; Ef 1.5,9).
[2]Edwin H. Palmer, El Espiritu Santo, Edinburgh: El Estandarte de la Verdad, [s.d.], Edição Revista, p. 198.
[3] Martinho Lutero, Comentário à Epístola aos Gálatas: In: Martinho Lutero: Obras Selecionadas, São Leopoldo, RS.; Porto Alegre, RS.; Canoas, RS.: Sinodal; Concórdia; Ulbra, 2008, v. 10, (Gl 1.4), p. 65. (Veja também: Ibidem., (Gl 1.2), p. 45).
[4] João Calvino, Sermões sobre Tito, Brasília, DF.: Monergismo, 2019, (Tt 1.5-6), p. 56. (Edição do Kindle).
[5] João Calvino, Sermões sobre Tito, Brasília, DF.: Monergismo, 2019, (Tt 1.5-6), p. 58. (Edição do Kindle).
[6]Cf. James Bannerman, A Igreja de Cristo – Um tratado sobre a natureza, poderes, ordenanças, disciplina e governo da Igreja Cristã, Recife, PE.: Editora os Puritanos, 2014, p. 31. “A [igreja] visível é o grupo de crentes professos que se afiliaram aos grupos locais, que são reconhecidos como ‘cristãos’” (Don Kistler, Benditos Laços: In: John MacArthur, et. al. Avante, Soldados de Cristo: uma reafirmação bíblica da Igreja, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 65).
[7] Veja-se: Herman Bavinck, Dogmática Reformada − Espírito Santo, Igreja e nova criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 4, p. 293-295.
[8] Cf. S. Augustini, Sermones de Scripturis, Sermo XCVI.7.9. In: J.P. Migne, Patrologiae Latinae Cursus Completus, Paris, 1844-1864, v. 38, Col. 588.
[9]S. Augustini, In Joannis Evangelium Tractatus cxxiv, Tractatus XLV.10.12. In: J.P. Migne, Patrologiae Latinae Cursus Completus, Paris, 1844-1864, v. 35, Col. 1725. Vejam-se também: Agostinho, On The Gospel of St. John, Tratacte XLV.12. In: P. Schaff ed., Nicene and Post-Nicene Fathers of the Christian Church, 2. ed. (First Series), Grand Rapids, Michigan, Eerdmans, 1995, v. 7, p. 254a.; St. Augustine, On Baptism, 5.27: In: Fathers, Church. The Complete Ante-Nicene, Nicene and Post-Nicene Collection of Early Church Fathers: Cross-Linked to the Bible. Amazon.com. Edição do Kindle. (Posição 107447 de 580607).
[10]John MacArthur, Eu Amo a Tua Igreja, ó Deus!: In: John MacArthur, et. al. Avante, Soldados de Cristo: uma reafirmação bíblica da Igreja, São Paulo: Cultura Cristã, 2010. p. 14). (Alude ao texto de Ef 2.21-22).
[11]J.I. Packer, Vocábulos de Deus,São José dos Campos, SP.: Fiel, 1994, p. 128.
Excelente texto