Uma oração intercessória pela Igreja (79)
7.3.2. Revelação e pleno conhecimento de Deus (17) (Continuação)
É por meio da Palavra que Deus nos santifica, fazendo-nos entender os seus ensinamentos nos capacitando a aplicá-los em nossa realidade cotidiana. Percebam bem este ponto, conforme temos insistido: O conhecimento de Deus por intermédio da Palavra passa necessariamente por sua aplicação. Isso não significa buscar casuísmos interpretativos para, quem sabe, endossar o que queremos ou pensamos, mas, para, num ato de fé, vivenciar a Palavra em todas as esferas de nossa existência.
Conhecer a Deus é obedecer aos seus mandamentos, rogando a sua iluminação para aplicá-los às situações com as quais nos deparamos em nossa existência. Portanto, conhecer é obedecer; conhecer é praticar. E é justamente nesta prática confiante e submissa que mais nos aprofundaremos no conhecimento de Deus, desenvolvendo uma comunhão mais íntima e reverente com Ele.
Um dos grandes propósitos de Satanás é manter-nos na ignorância, conduzindo-nos de forma desviante ao desejo por experiências distantes da Palavra ou, à semelhança dos gregos, a querermos uma sabedoria estéril ou, a seguir o modelo judeu desejando ver sinais. Todos estes atalhos são desviantes; nos afastam da verdadeira santificação que passa pelo conhecimento de Deus.
Creio estar correto Graig ao escrever: “O empobrecimento intelectual em relação à fé pode levar ao empobrecimento espiritual”.[1]
Paulo falando da luz gloriosa do Evangelho em apontar para Cristo, refere-se também ao estratagema e propósito de satanás:
Mas, se o nosso evangelho ainda está encoberto, é para os que se perdem que está encoberto, nos quais o deus deste século cegou o entendimento dos incrédulos, para que lhes não resplandeça a luz do evangelho da glória de Cristo, o qual é a imagem de Deus. (2Co 4.3-4).
Deus não é conivente com o erro e a mentira. Todo o seu método está de acordo com a oração de Cristo: A santificação é pela Palavra de Deus que é a verdade (Jo 17.17).
Deus vocacionou seus diversos servos para que ensinando à Igreja, ela amadureça no pleno conhecimento de Cristo por meio da verdade. Paulo ora a esse respeito. Num plano paralelo, ensina, exorta, estimula, corrige e consola.
Nesta linha, o Apóstolo instrui os efésios:
11 E ele mesmo concedeu uns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas e outros para pastores e mestres, 12 com vistas ao aperfeiçoamento dos santos para o desempenho do seu serviço, para a edificação do corpo de Cristo, 13 até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento (e)pi/gnwsij) do Filho de Deus, à perfeita varonilidade, à medida da estatura da plenitude de Cristo, 14 para que não mais sejamos como meninos, agitados de um lado para outro e levados ao redor por todo vento de doutrina, pela artimanha (*kubei/a = ‘trapaça”, “embuste”)[2] dos homens, pela astúcia (panourgi/a[3] = “ardil”, “truque”, “maquinação”, “trapaça”, “sutileza”, “manha”), com que induzem (meqodei/a = “esquema”, “engano”, “ciladas”, “manobra”)[4] ao erro (planh/ = “vaguear”, “desilusão”, “desviar”, “sedução”).[5] 15 Mas, seguindo a verdade (a)lhqeu/w) em amor, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo. (Ef 4.11-15).
Paulo assume então o seu ministério com este propósito: “Paulo, servo de Deus e apóstolo de Jesus Cristo, para promover a fé que é dos eleitos de Deus e o pleno conhecimento (e)pi/gnwsij) da verdade segundo a piedade” (Tt 1.1).
Ainda que não possamos esgotar, exaurir completamente a verdade, o desejo de Deus é que todo o seu povo, espalhando por toda face da terra, representados em todas as raças e classes sociais cheguem ao pleno conhecimento da verdade; ou seja, que tenhamos um conhecimento verdadeiro, genuíno da verdade: “O qual deseja que todos os homens sejam salvos e cheguem ao pleno conhecimento (e)pi/gnwsij) da verdade” (1Tm 2.4).[6]
O Espírito age em consonância com este propósito, iluminando-nos para que possamos conhecer a Palavra de Deus.
Calvino resumiu este ponto de forma precisa:
Enquanto o Senhor não os abrir, os olhos de nosso coração são cegos. Enquanto não formos instruídos pelo Espírito, nosso bendito Mestre, tudo o que conhecemos não passa de futilidade e ignorância. Enquanto o Espírito de Deus não descortinar diante de nós por meio de uma revelação secreta, o conhecimento de nossa divina vocação não poderá ir além da compreensão de nossas mentes naturais.[7]
É neste sentido que Paulo ora com certa frequência a respeito das igrejas.
Aos efésios, como temos visto:
16 não cesso de dar graças por vós, fazendo menção de vós nas minhas orações, 17 para que o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, vos conceda espírito de sabedoria e de revelação no pleno conhecimento (e)pi/gnwsij) dele, 18 iluminados os olhos do vosso coração, para saberdes qual é a esperança do seu chamamento, qual a riqueza da glória da sua herança nos santos 19 e qual a suprema grandeza do seu poder para com os que cremos, segundo a eficácia da força do seu poder. (Ef 1.16-19).
Aos filipenses, enquanto escreve, interrompe com esta oração: “E também faço esta oração: que o vosso amor aumente (perisseu/w)[8] mais e mais (ma=llon kai\ ma=llon) em pleno conhecimento (e)pi/gnwsij) e toda a percepção. (Fp 1.9).
No mesmo sentido ora o apóstolo Pedro:
Graça e paz vos sejam multiplicadas, no pleno conhecimento (e)pi/gnwsij) de Deus e de Jesus, nosso Senhor. Visto como, pelo seu divino poder, nos têm sido doadas todas as coisas que conduzem à vida e à piedade, pelo conhecimento completo (e)pi/gnwsij) daquele que nos chamou para a sua própria glória e virtude. (2Pe 1.2-3).
Por mais sábios espiritualmente que sejamos, esta é uma Escola da qual jamais poderemos nos afastar. É preciso continuar aprendendo sempre. Os efésios conheciam a Palavra, porém, estavam começando; estavam apenas no início da vida cristã. É preciso, continuar, seguir em frente. Deus propicia os meios para isso. Paulo, ensinou, pregou, escreveu e ora pelos efésios.
Maringá, 27 de junho de 2023.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1]William L. Craig, A Verdade da Fé Cristã, São Paulo: Vida Nova, 2004, p. 14. “Pessoas que simplesmente andam na montanha russa da experiência emocional estão roubando de si mesmas uma fé cristã mais rica e profunda ao negligenciar o lado intelectual dessa fé” (William L. Craig, A Verdade da Fé Cristã, São Paulo: Vida Nova, 2004. p. 14).
[2] kubei/a (só ocorre aqui em todo o Novo Testamento), palavra que vem de ku/boj, astúcia, dolo, que, passando pelo latim, cubus, chegou à nossa língua como cubos, dados. Significa a habilidade para manipular os dados, usando de truques para iludir e persuadir. Paulo emprega a palavra figuradamente para se referir ao homem que usa de todos os seus truques para enganar, dar pistas erradas e driblar; revelando aqui a habilidade de um jogador profissional sem escrúpulos, que obviamente quer levar vantagem a qualquer preço.
Calvino, enfatiza que “Deus nos deu sua Palavra na qual, quando fincamos bem as raízes, permanecemos inamovíveis; os homens, porém, fazendo uso de suas invenções, nos extraviam em todas as direções” (João Calvino, Efésios,(Ef 4.14), p. 128-129).
[3]A palavra em sua origem estava associada à capacidade do homem em realizar qualquer trabalho, habilidade, sendo empregada de forma negativa e positiva. Há, contudo, uma pressuposição negativa que entende que aquele que conhece o caminho para a conquista terminará por usá-lo de forma inescrupulosa. No Novo Testamento, sempre ocorre de forma negativa: Lc 20.23; 1Co 3.19; 2Co 4.2; 11.3; Ef 4.14. Panourgo/j * 2Co12.16. (Vejam-se: O. Bauernfeind, Panourgi/a: In: G. Kittel; G. Friedrich, eds. Theological Dictionary of the New Testament,Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1983 (Reprinted), v. 5, p. 722-727; D.A. Carson, Astúcia: In: Colin Brown, ed. ger., O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1981-1983, v. 1, p. 248-249).
[4] *Ef 4.14; 6.11.
[5]Vejam-se: H. Braun, Plana/w: In: G. Kittel; G. Friedrich, eds. Theological Dictionary of the New Testament,Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1983 (Reprinted), v. 6, p. 228-253; W. Günther, Enganar: In: Colin Brown, ed. ger., O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1981-1983, v. 2, p. 38-42.
[6] Veja-se: João Calvino, As Pastorais, São Paulo: Paracletos, 1998, (2Tm 2.4), p. 59-61.
[7]João Calvino, Efésios,São Paulo: Paracletos, 1998, (Ef 1.16), p. 41.
[8] perisseu/w = crescer, abundar, exceder, encher, transbordar, progredir. (Vejam-se: Mt 5.20; At 16.5; Rm 5.15; 15.13; 1Co 15.58; 2Co 1.5; 8.2,7; 9.8; Ef 1.8; Fp 1.26; 4.12, 18; 1Ts 3.12; 4.1,10).