Uma oração intercessória pela Igreja (21)
A. Pelo Pai e pelo Espírito Santo
No seu batismo, temos o registro inspirado de Mateus: “16 Batizado Jesus, saiu logo da água, e eis que se lhe abriram os céus, e viu o Espírito de Deus descendo como pomba, vindo sobre ele. 17 E eis uma voz dos céus, que dizia: Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo” (Mt 3.16-17).
Na sequência, Jesus é levado pelo Espírito ao deserto para ser tentado pelo diabo (Mt 4.1). As duas primeiras tentações descritas têm início com a argumentação provocativa de satanás: “Se és Filho de Deus” (Mt 4.3,6).
B. Por Ele mesmo
A reivindicação de Jesus Cristo de ser Deus, foi feita não em ambiente pagão, repleto de deuses, o que passaria despercebida considerando o número de deuses. Isso porque na Antiguidade não era raro ou anormal, um homem ser chamado de “filho de deus”. O mundo estava cheio de homens considerados divinos, semideuses e heróis nascidos de “casamentos” dos deuses com os mortais. Tais homens se diziam filhos de deus e, por isso, eram em alguns casos, até mesmo adorados, como manifestações da divindade. Mesmo o Novo Testamento apresenta alguns indícios deste costume entre os pagãos (At 8.9-11; 12.21,22; 14.11,12; 28.6).[1]
No entanto Ele declara a sua divindade no contexto judeu fortemente monoteísta e que ao longo da história foi ridicularizado e perseguido por causa de sua fé tão exclusivista. E o curioso é que Ele conseguiu que pessoas de níveis sociais dos mais diversificados, homens, mulheres, jovens, anciãos, sacerdotes e pescadores, consentissem em segui-lo, convencidos da realidade de seu testemunho.[2]
Jesus declara: “Tudo me foi entregue por meu Pai. Ninguém conhece o Filho, senão o Pai; e ninguém conhece o Pai, senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar” (Mt 11.27).
Após a incisiva pergunta de Jesus Cristo a seus discípulos, encontramos a narrativa: “16 Respondendo Simão Pedro, disse: Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo. 17 Então, Jesus lhe afirmou: Bem-aventurado és, Simão Barjonas, porque não foi carne e sangue que to revelaram, mas meu Pai, que está nos céus” (Mt 16.16-17).
Na Oração Sacerdotal, diante de seus discípulos, ora ao Pai, aludindo à sua glória eterna: “…. Glorifica-me, ó Pai, contigo mesmo, com a glória que eu tive junto de ti, antes que houvesse mundo” (Jo 17.5).
C. Pelos Seus discípulos
Após o Senhor Jesus acalmar o vento forte que ameaçava fazer com que Pedro se afogasse no mar, tendo também caminhado por sobre as águas, lemos: “E os que estavam no barco o adoraram, dizendo: Verdadeiramente és Filho de Deus!” (Mt 14.33).
No prólogo do Evangelho de João temos a descrição de profundo significado teológico:
1No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. 2 Ele estava no princípio com Deus. 3 Todas as coisas foram feitas por intermédio dele, e, sem ele, nada do que foi feito se fez. (…) 14 E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai. (…) 18Ninguém jamais viu a Deus; o Deus unigênito, que está no seio do Pai, é quem o revelou. (Jo 1.1-3,14,18).
Quando João diz que “No princípio era o Verbo”,indica uma existência eterna, não uma transformação ou aprimoramento. O Verbo sempre foi o que é. No verso 14, aí sim, encontramos o Verbo se tornando algo que não era: “E o Verbo se fez carne e habitou entre nós….” (Jo 1.14).Deste modo, antes da Criação, “no princípio” (Gn 1.1), o Verbo já existia.[3]
Owen (1616-1683) escreveu:
Quando Ele tomou sobre Si a forma de um servo em nossa natureza, Ele se tornou aquilo que nunca havia sido antes,[4] mas não deixou de ser aquilo que sempre tinha sido em Sua natureza divina. Ele, que é Deus, não pode deixar de ser Deus. A glória da Sua natureza divina estava velada,[5] de forma que aqueles que O viram não acreditaram que Ele era Deus.[6]
Deus não pode deixar de ser o Deus glorioso. Na encarnação Ele ocultou externamente a sua glória aos olhos dos homens.[7]
D. Pelos próprios demônios
“28 Tendo ele chegado à outra margem, à terra dos gadarenos, vieram-lhe ao encontro dois endemoninhados, saindo dentre os sepulcros, e a tal ponto furiosos, que ninguém podia passar por aquele caminho. 29 E eis que gritaram: Que temos nós contigo, ó Filho de Deus! Vieste aqui atormentar-nos antes de tempo?” (Mt 8.28-29).
“23Não tardou que aparecesse na sinagoga um homem possesso de espírito imundo, o qual bradou: 24Que temos nós contigo, Jesus Nazareno? Vieste para perder-nos? Bem sei quem és: o Santo de Deus!” (Mc 1.23-24).
São Paulo, 14 de abril de 2023.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1] Veja-se: Hermisten M.P. Costa, Eu Creio: no Pai, no Filho e no Espírito Santo, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2014, p. 285ss. As palavras de Bavinck (1854-1921) são contundentes e biblicamente esclarecedoras: “O nome Filho de Deus, quando é atribuído a Cristo, tem um significado mais profundo que o teocrático: Ele não foi um simples rei de Israel que no curso do tempo foi adotado como Filho de Deus; nem tampouco foi Ele chamado Filho de Deus por causa do Seu nascimento sobrenatural, como os socinianos e Hofman afirmavam; nem é Ele Filho de Deus no sentido meramente ético, como outros supõem; nem recebeu o título de Filho de Deus por causa da sua obra expiatória e ressurreição, interpretação que amparam em Jo 10.34-36; At 13.32-33; e Rm 1.4; porém Ele é o Filho de Deus no sentido metafísico: por natureza e desde a eternidade. Ele é exaltado muito acima dos anjos e profetas, Mt 13.32; Mt 21.27; 22.2; e mantém uma verdadeira relação especial com Deus, Mt 11.27. Ele é o Filho amado no qual o Pai tem prazer, Mt 3.17; 17.5; Mc 1.11; 9.7; Lc 3.22; 9.35; é o Filho unigênito, Jo 1.18; 3.16, 1Jo 4.9ss; é o próprio Filho de Deus, Rm 8.32; o Filho eterno, Jo 17.5, 24; Hb 1.5; 5.5; ao qual o Pai concedeu o ter vida em si mesmo, Jo 5.26; igual ao Pai em conhecimento, Mt 11.27; em honra, Jo 5.23; em poder criador e redentor, Jo 1.3, 5.21, 27; em coração, Jo 10.30; e em domínio, Mt 11.27; Lc 10.22; 22.29; Jo 16.15; 17.10; e por causa desta Filiação Ele foi condenado a morte, Jo 10.33; Mt 26.63ss.” (Herman Bavinck, The Doctrine of God, (Translated, edited and outlined by William Hendriksen), Carlisle, Pennsylvania: The Banner of Truth Trust, © 1951, 2003 (Reprinted), p. 270). Para um estudo mais detalhado sobre a expressão “Filho de Deus”, vejam-se também: D.A. Carson, Jesus, o Filho de Deus: O título cristológico muitas vezes negligenciado, às vezes mal compreendido e atualmente questionado, São Paulo: Vida Nova, 2015; Geerhardus Vos, The Self-Disclosure of Jesus: The modern debate about the Messianic Consciousness, 2. ed. (Edited by Johannes G. Vos), Phillipsburg, NJ.: P & R Publishing, 1953.
[2]Devo este argumento a Boice. Veja-se: James M. Boice, Fundamentos da Fé Cristã, Rio de Janeiro: Editora Central Gospel, 2011, p. 239.
[3]Veja-se: Donald Macleod, A Pessoa de Cristo, São Paulo: Cultura Cristã, 2007, p. 48-49.
[4]Ver também: William Hendriksen, O Evangelho de João, São Paulo: Cultura Cristã, 2004, (Jo 1.14), p. 118. “O estudo de eras remotas e longínquas nos leva a um ponto em que nada existia. Alguém teve a honra de ser o primeiro, o que sempre existiu. Ele nunca veio a ser, nunca se desenvolveu. Ele simplesmente era. A quem pertence essa glória absoluta e singular? A resposta é Cristo, a pessoa que o mundo conhece como Jesus de Nazaré” (John Piper, Um homem chamado Jesus Cristo, São Paulo: Vida, 2005, p. 25-26).
[5]“A majestade de Deus não foi aniquilada, ainda que estivesse circunscrita pela carne. Ela ficou, de fato, oculta pela vil condição da carne, mas de modo a não impedir a manifestação de sua glória” (João Calvino, O evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 1, (Jo 1.14), p. 51). “Não estou dizendo que Ele pôs de lado a Sua Deidade, porque Ele não fez isso. O que Ele pôs de lado foi a glória da Sua deidade. Ele não deixou de ser Deus, mas deixou de manifestar a glória de Deus” (D.M Lloyd-Jones, Salvos desde a Eternidade, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2005 (Certeza Espiritual: v. 1), p. 75).
[6]John Owen, A Glória de Cristo,São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1989, p. 30. Sproul escreveu de forma sensivelmente bíblica: “Sua humanidade lhe serviu de véu, ocultando o esplendor de sua deidade. Mas houve momentos quando assim mesmo sua glória resplandecia. Era como se o vaso de sua natureza humana não tivesse suficiente força para esconder sempre esta glória” (R.C. Sproul, A Glória de Cristo, São Paulo: Cultura Cristã, 1997, p. 9). Veja-se: Wayne A. Grudem, Teologia Sistemática, São Paulo: Vida Nova, 1999, p. 465. Encontramos duas boas ilustrações, obviamente limitadas, porém, instrutivas, apresentadas em Bruce Ware, Cristo Jesus: Reflexões teológicas sobre a humanidade de Cristo, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2013, p. 29-35.
[7]Veja-se: F. Turretini, Compêndio de Teologia Apologética, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 1, p. 383-384.