Uma oração intercessória pela Igreja (3)
Introdução: Sobre pastores, teologias e a Igreja (Continuação)
Comunicação genuína
A teologia é possível, porque a comunicação entre Deus e nós é verdadeira. Deus não nos engana nem nos conduz a conclusões equivocadas.[1]
Podemos conhecer pessoalmente a Deus. Esta tem sido a experiência de todos os servos de Deus ao longo da história. Temos um relacionamento pessoal com Ele. À medida que o conhecemos, maior discernimento vamos adquirido de sua majestade, santidade e propósito. A sua graça se torna mais concreta em nossa vida. Vamos conseguindo visualizá-la até mesmo em suas ações “rotineiras”. A rotina da graça é uma constante ininterrupta em nossa vida.
Por isso o salmista ora: “Faze-me, SENHOR, conhecer ([d;y”) (yada) os teus caminhos (%r,D,) (derek), ensina-me (dm;l’) (lamad) as tuas veredas (xr;ao) (orach)” (Sl 25.4).
Adequa-se à nossa capacidade
Os ensinamentos de Deus são possíveis de conhecimento. Deus nos instrui adequando-se à nossa compreensão. Afinal, foi Ele quem nos criou e pode, como de fato faz, acomodar os seus preceitos à nossa compreensão.
Antes da Queda o homem percebia a essência da coisa, criando, assim, a linguagem. Ele tinha clareza, discernimento e unidade de pensamento incomparáveis. Sem dúvida, perdemos muito disso com a Queda.[2]
Assim mesmo, Deus vem ao nosso encontro considerando o agravamento de nossa limitação e agora, tornando-se o homem avesso a Deus, tendo uma má vontade para com a sua revelação, especialmente para com Jesus Cristo, o Deus encarnado.
Deus fez registrar a sua Palavra
Como o homem tende a corromper mais facilmente a oralidade, Deus fez registrar a sua vontade a fim de melhor preservá-la e servir de correção aos equívocos que surgiriam a respeito de seus ensinamentos e dos fatos narrados
Ele o fez por meio de sua Palavra. Isso vem evidenciar que a fé cristã não é anti-intelectual, omissa e mística, antes, tem fortes elementos de racionalidade. Por isso mesmo, a nossa fé deve ser avaliada sempre à luz das Escrituras.
Vocação teológica para o discipulado e ensino
Comparados com os americanos do século XVIII ou do século XIX, os puritanos tinham seguramente uma mentalidade teológica. As doutrinas da queda do homem, do pecado, da salvação, da predestinação, da eleição e da conversão eram o seu alimento e a sua bebida; contudo, o que verdadeiramente os distinguia da época em que viviam era o fato de estarem menos interessados na teologia em si do que na sua aplicação à vida de todos os dias, em especial à sociedade. Do ponto de vista do século XVII, o seu interesse pela teologia era um interesse prático. Estavam menos preocupados em aperfeiçoarem a sua formulação da verdade do que em darem corpo, na sociedade que formavam na América, à verdade que já conheciam. A Nova Inglaterra dos puritanos foi uma nobre experiência de teologia aplicada. – Daniel J. Boorstin (1914-2004).[3]
Conforme já tratamos em outro lugar, cremos que o ensino está associado necessariamente ao aprendizado. Um bom mestre deve continuar sendo um bom discípulo. Mestre pronto, acabado, é uma contradição de termos e, pior, de vivência. Talvez não precisemos fazer cursos de educação continuada mas, certamente, necessitamos transformar a nossa vida em um curso contínuo de aprendizagem.
Quanto mais dispostos a aprender estivermos, mais teremos condições de ensinar com competência, autoridade e modéstia.[4]
Ensino útil e necessário
O Deus que se revela tem prazer em se relacionar conosco. Ele deseja nos ensinar. O seu ensino tem a ver diretamente com o que é necessário à nossa existência. A sua instrução é fundamental para sermos bem-sucedidos em nossa vida. Ele mesmo nos diz: “Assim diz o SENHOR, o teu Redentor, o Santo de Israel: Eu sou o SENHOR, o teu Deus, que te ensina (למד) (lamad)[5] o que é útil (l[;y:) (yaal) (proveitoso, valioso) e te guia (דּרך) (darak)[6] pelo caminho em que deves andar” (Is 48.17).
A sabedoria consiste em atentar para os ensinamentos do Senhor. Este é o caminho da vida. Moisés insistira com o povo quanto a esta necessidade:
Guardai-os, pois, e cumpri-os, porque isto será a vossa sabedoria e o vosso entendimento perante os olhos dos povos que, ouvindo todos estes estatutos, dirão: Certamente, este grande povo é gente sábia e inteligente. (Dt 4.6). 45 Tendo Moisés falado todas estas palavras a todo o Israel, 46 disse-lhes: Aplicai o coração a todas as palavras que, hoje, testifico entre vós, para que ordeneis a vossos filhos que cuidem de cumprir todas as palavras desta lei. 47 Porque esta palavra não é para vós outros coisa vã; antes, é a vossa vida; e, por esta mesma palavra, prolongareis os dias na terra à qual, passando o Jordão, ides para a possuir. (Dt 32.45-47).
São Paulo, 27 de março de 2023.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1]Veja-se: Francis A. Schaeffer, O Deus que Intervém, São Paulo: Cultura Cristã, 2002, p. 151.
[2] Cf. Abraham Kuyper, Sabedoria & Prodígios: Graça comum na ciência e na arte, Brasília, DF.: Monergismo, 2018, p. 47-62.
[3]Daniel J. Boorstin, Os Americanos: A experiência colonial, Lisboa: Gradiva, 1997, p. 17. “Provavelmente, o puritanismo seja mais bem definido como uma versão da ortodoxia reformada que enfatizava de modo especial os aspectos empírico e pastoral da fé” (Alister E. McGrath, Teologia, sistemática, histórica e filosófica: uma introdução à teologia cristã, São Paulo: Shedd Publicações, 2005, p. 117). Apenas uma curiosidade. Boorstin, com esse livro ganhou o Prêmio Pulitzer de História em 1974. (https://www.pulitzer.org/prize-winners-by-category/220 ) . Consulta feita em 25.03.2023.
[4]Veja-se: Herman Bavinck, Dogmática Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 1, p. 45.
[5] A ideia básica de (למד) (lamad) é a de aprender, ensinar, treinar, educar, acostumar-se a; familiarizar-se com (Cf. Walter C. Kaiser, Lâmad:In: R. Laird Harris, et. al., eds. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento,p. 791; D. Müller, Discípulo: In: Colin Brown, ed. ger. Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1981-1983, v. 1 p. 662; A.W. Morton, Educação nos tempos bíblicos: In: Merrill C. Tenney, org. ger., Enciclopédia da Bíblia, São Paulo: Cultura Cristã, 2008, v. 2, p. 261; E.H. Merrill, dml: In: Willem A. VanGemeren, org., Novo Dicionário Internacional de Teologia e Exegese do Antigo Testamento, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 2, p. 800-802).
[6]O salmista roga a Deus que o guie: “Guia-me (דּרך) (darak) na tua verdade e ensina-me, pois tu és o Deus da minha salvação, em quem eu espero todo o dia” (Sl 25.5). “Guia (דּרך) (darak) os humildes na justiça” (Sl 25.9).