Teologia da Evangelização (164)
4.3.8. O Senhorio de Cristo
A mensagem cristã consiste no anúncio do reinado soberano de Cristo convocando os homens ao arrependimento e dedicação total e exclusiva ao Senhor.
Aceitar o senhorio de Cristo significa reconhecer a abrangência da mensagem do Evangelho que engloba necessariamente a submissão total aos seus mandamentos nos fazendo atuar na sociedade conforme seus preceitos.
Essa conversão se manifestará em todas as nossas construções, revelando a mudança que o Senhor realizou em nossa vida, percepção e, consequentemente, ação na cultura englobando as nossas relações familiares, profissionais, sociais e religiosas.
Pedro, na casa de Cornélio, diz: “Esta é a palavra que Deus enviou aos filhos de Israel, anunciando-lhes o evangelho da paz, por meio de Jesus Cristo. Este é o Senhor de todos” (At 10.36).
Lucas relata que entre aqueles que “foram dispersos, por causa da tribulação que sobreveio a Estevão” (At 11.19), alguns foram até Antioquia, pregando também aos gregos, “anunciando-lhes o evangelho (eu)aggeli/zomai) do Senhor Jesus” (At 11.20).
Paulo, quando prega no areópago ateniense, proclama o senhorio e autonomia de Deus: “O Deus que fez o mundo e tudo o que nele existe, sendo ele Senhor (ku/rioj) do céu e da terra, não habita em santuários feitos por mãos humanas” (At 17.24).
Posteriormente, escrevendo aos Romanos, os instrui: “Pois não há distinção entre judeu e grego, uma vez que o mesmo é o Senhor (ku/rioj) de todos, rico para com todos os que o invocam” (Rm 10.12).
Paulo lembra aos coríntios o conteúdo da sua mensagem: “Porque não nos pregamos a nós mesmos, mas a Cristo Jesus como Senhor….” (2Co 4.5).
De igual modo, o mesmo apóstolo declara que a nossa salvação está condicionada à confissão sincera de Cristo como Senhor, indicando aos romanos, que o Senhorio de Cristo fazia parte da “palavra da fé” pregada:
8 Porém que se diz? A palavra está perto de ti, na tua boca e no teu coração; isto é, a palavra da fé que pregamos. 9 Se, com a tua boca, confessares Jesus como Senhor e, em teu coração, creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo. 10 Porque com o coração se crê para justiça e com a boca se confessa a respeito da salvação. (Rm 10.8-10).
Fomos destinados à salvação eterna em Cristo, nosso Senhor. De eternidade a eternidade fazemos parte do propósito glorioso de Deus. Paulo fala aos irmãos de Tessalônica a respeito de nossa eleição eterna: “Deus não nos destinou para a ira, mas para alcançar a salvação mediante nosso Senhor Jesus Cristo” (1Ts 5.9).
Desta forma, podemos perceber que a mensagem do Evangelho não pode ser diluída, transformada em apenas um ideário do bem-estar humano. O Evangelho consiste no anúncio de Cristo como único (1Co 8.4-6; Ef 4.5; Cl 4.1; Jd 4; Ap 17.14; 19.16) e eterno Senhor (2Pe 1.11); o Todo-Poderoso (Ap 1.5,8) cuja palavra permanece para sempre (1Pe 1.24,25).Ele é o Senhor glorioso (1Co 2.8; Tg 2.1/Jo 17.1-5).
Ao mesmo tempo em que o Evangelho apresenta o poder e a glória de Jesus Cristo o Senhor, mostra-nos o seu Senhorio Pastoral. Ele não apenas nos governa, mas também nos protege, ensina, disciplina e sustenta. Por isso, o escritor da Carta aos Hebreus, escreveu: “Ora, o Deus da paz, que tornou a trazer dentre os mortos a Jesus nosso Senhor, o grande Pastor das ovelhas….”(Hb 13.20. Vejam-se: Jo 10.11; 1Pe 5.4).
a) Ele alimenta e cuida da Igreja (Ef 5.29).
b) É o Senhor misericordioso (2Tm 1.15-18; Jd 21) que fez-se pobre por amor do seu povo (2Co 8.9). É o Senhor bondoso (1Pe 2.3/Sl 34.8; Rm 10.12) e longânimo (2Pe 3.9,15).
c) Livra, fortalece e sustenta os seus (At 12.11,17; Rm 14.4; Ef 6.10; 2Ts 3.3; 2Tm 3.11; 4.17,18; 2Pe 2.9);
d) Confirma-nos (At 14.23/1Co 1.4-9; 2Ts 3.3). Os que creem, são confiados ao Senhor, visto que Ele mesmo começou a obra da salvação em nós, regenerando-nos, concedendo-nos o arrependimento e a fé.
O próprio Senhor concluirá a sua obra salvadora em nós (Fp 1.6). Ele está perto de nós (Fp 4.5).O texto de filipenses, por certo, se refere à vinda de Cristo;[1] todavia, a sua aplicação é cabível dentro da visão bíblica que nos mostra que Deus está perto dos seus servos nos guardando e preservando em todas as situações (Ver: Sl 145.18; Mt 28.20). Deus está perto de sua Igreja.
Devemos lembrar que a situação da Igreja entre os pagãos não era tranquila. As incertezas e perseguições eram constantes. Os próprios crentes filipenses enfrentavam perseguições, padecendo por sua fidelidade a Cristo (Fp 1.29). Numa atmosfera assim, é difícil manter a tranquilidade. No entanto, é isso que Paulo recomenda, considerando o fato da presença do Senhor.
O senhorio de Cristo como foi compreendido pelos primeiros cristãos não se relacionava apenas à memória passada ou a uma esperança futura, mas, à realidade de sua presença cuidadosa no meio de Sua igreja. O Senhor Jesus é Aquele a quem podemos invocar, orar e cultuar. Ele é o Deus presente e próximo se Seu povo.[2]
e) Atende as nossas orações (1Pe 3.12).
f) Encoraja e estimula os seus servos (At 18.9; 23.11; Fp 1.14). A vitalidade da Igreja depende do Senhor. O que muitas vezes pode parecer um motivo a mais para o nosso desânimo, constitui-se num instrumento útil usado por Deus para despertar e estimular a sua Igreja.[3] Paulo esteve preso e, isto, longe de desanimá-lo e também a Igreja, serviu de alerta para os filipenses e outros irmãos, proclamarem com maior intrepidez a Palavra (Ver também: At 4.23-31).
g) Faz crescer reciprocamente o amor fraterno da Igreja (1Ts 3.12-13).
h) Vocaciona e dá autoridade aos seus Ministros (At 9.15-17; 2Co 10.8; 13.10/1Co 5.1-5; 1Tm 1.12).
i) Disciplina-nos(Hb 12.4-6/1Co 11.32).
O Evangelho, portanto, não pode consistir num barateamento do Senhorio de Cristo. Ele é o Senhor da história, da igreja e de nossa existência: tudo Lhe pertence.
A Bíblia nos ensina que somente pelo Espírito Santo podemos de fato reconhecer o Senhorio de Cristo (1Co 12.3). A confissão sincera de Cristo como Senhor é uma obra do Espírito em nossos corações e lábios. A Palavra também nos diz que aqueles que confessam o Senhor, estão unidos a Ele (At 11.24/1Co 6.17).
j) A afirmação do Senhorio de Cristo, significa reconhecê-lo presente e decisivo em todas as nossas atitudes e projetos.
Cullmann (1901-1999), comenta: O senhorio de Cristo há de estender-se a todos os âmbitos da criação. Se houvesse um só onde este senhorio fosse excluído não seria total e Cristo deixaria de ser o Kyrios”.[4] À frente: “Cristo não é somente o Senhor do mundo, o senhor da igreja; é também o meu Senhor. Experimentado e reconhecido como Senhor da igreja é também, Senhor de cada um dos que a compõem”.[5]
São Paulo, 08 de fevereiro de 2023.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1]William Hendriksen, Exposição de Filipenses, São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1992, (Fp 4.5a), p. 249.
[2] Veja-se: Oscar Cullmann, Cristologia do Novo Testamento, São Paulo: Editora Liber, 2001, p. 257.
[3] “Sempre que o Senhor nos mantém em suspenso e retarda seu socorro, não significa que Ele esteja inativo, mas, ao contrário, que regula suas operações de tal modo que só age no tempo determinado” (João Calvino, O Evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 1, (Jo 2.4), p. 91).
[4]Oscar Cullmann, Cristologia do Novo Testamento, São Paulo: Editora Liber, 2001, p. 298.
[5]Oscar Cullmann, Cristologia do Novo Testamento, São Paulo: Editora Liber, 2001, p. 302.