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Teologia da Evangelização (162) - Hermisten Maia

Teologia da Evangelização (162)

4.3.7. O reto juízo de Deus por meio de Cristo (Continuação)

Soberania, juízo e história

          É muito difícil para nós entender a história.[1] Na realidade essa dificuldade não é apenas nossa. O salmista nos salmos 10 e 73, de modo especial, e Habacuque, conforme vimos, demonstram ter esta dificuldade.

          Ninguém escapa desse problema em algum momento de sua vida. Nossas indagações tornam-se mais contundentes diante de situações adversas para as quais não encontramos pistas para a sua explicação.

          Observe que não estamos falando simplesmente da macro história; refiro-me até mesmo à dificuldade que por vezes temos de entender a nossa própria história de vida. As adversidades pelas quais passamos, doenças, desemprego, crise financeira, incompreensão, calúnias, crises familiares, etc.

          Muitas vezes pensamos que as coisas estão indo mal e, quando imaginamos que chegamos ao fim do poço, elas ainda pioram. Nessas situações tendemos a nos angustiar profundamente. A história em suas particularidades é cheia de mistérios para nós ainda que creiamos firmemente no cuidado, provisão e direção de Deus na história. Por isso mesmo, devemos cultivar a nossa humildade epistemológica quanto à interpretação dos fatos.[2]

Nem sempre a nossa fé triunfa em nossas angústias

          Com frequência não nos é possível compreender a nossa situação de dor e sofrimento. Mais ainda: nem sempre nos parece possível manter a nossa fé em Deus nas angústias. Não estou dizendo que perdemos a fé. O que percebo é que o difícil é manter a nossa fé subjetivada: crer e viver, comportar-se, responder em consonância com esta fé. A nossa fé nem sempre triunfa de modo existencial durante as nossas tribulações.

          O fato, é que mesmo administrando a história por meio de homens, Deus continua no controle sobre todos os povos e o faz, com retidão. A sua reta vontade prevalecerá sempre.

Governo reto: o mal sob o governo de Deus

          O governo soberano de Deus é reto, com equidade, com direito e de forma suave. Os solavancos na história devem-se à rebeldia do homem que deseja subverter o justo governo de Deus. Daí, muitas vezes, as guerras, fome, pestes, epidemias, exploração e injustiças sociais. Na realidade, governo de Deus é suave e justo. 

          Calvino comenta:

Deus se assenta supremo, mesmo quando os ímpios triunfam em seus sucessos, ou quando os justos são tripudiados sob os pés da insolência, e que vem o dia quando arrancará o cálice dos prazeres das mãos de seus inimigos e alegrará o coração de seus amigos, livrando-os de suas mais profundas angústias.[3]

          Não pensemos que o mal não esteja sob o governo soberano de Deus dentro de seus propósitos eternos.

          O mundo não está entregue à própria sorte. Deus o governa. Ainda que não percebamos a todo momento sinais desse governo, podemos descansar seguros, certos de que a esperança do aflito não se há de frustrar para sempre.[4] O para sempre é dentro de uma perspectiva totalmente humana.

          Na realidade, pela ótica divina, que é a verdadeira, a esperança do aflito, depositada nas promessas de Deus nunca se frustra. Podemos nos frustrar com os nossos sonhos e anseios, porém, nunca com as promessas de Deus.

          Os seus retos e santos juízos permeiam toda a terra. Nada ficará de fora

Caráter missionário

          Como a realeza de Deus sobre todas as coisas é um fato, há na visão dos salmistas a certeza de que o seu juízo também é sobre toda a criação, adquirindo um caráter temporal e escatológico. O nosso Deus não é de uma cultura, de um povo, das montanhas, dos mares ou dos ares, antes é o Rei sobre todas as coisas, visíveis e invisíveis. Como tal, juiz de todas as nações.

          Essa certeza era parte integrante do caráter missionário da igreja mesmo no Antigo Testamento: “Reina o SENHOR. Ele firmou o mundo para que não se abale e julga (!yD) (diyn) os povos com equidade” (Sl 96.10). “Na presença do SENHOR, porque vem, vem julgar a terra; julgará o mundo com justiça e os povos, consoante a sua fidelidade” (Sl 96.13/Sl 98.9).[5]

          Comentando o Salmo 96, Calvino sustenta que:

O salmista está exortando o mundo inteiro, e não apenas os israelitas, ao exercício da devoção. Isso não poderia ser efetuado, a menos que o evangelho fosse universalmente difundido como meio de comunicar conhecimento de Deus. (…) O salmista notifica, consequentemente, que o tempo viria quando Deus erigiria seu reino no mundo de uma maneira totalmente imprevista. Ele notifica ainda mais claramente como ele procede, ou, seja: que todas as nações partilhariam do favor divino. Ele convoca a todos a anunciarem sua salvação e, desejando que a celebrassem dia após dia, insinua que ela não era de uma natureza transitória ou evanescente, mas que duraria para sempre.[6]

          Portanto, a nossa responsabilidade: “…. é nosso dever proclamar a bondade de Deus a toda nação”, conclui Calvino.[7]

São Paulo, 08 de fevereiro de 2023.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] “A história é ciência do homem e nada do que se refere ao homem é simples. E se uma questão histórica importante nos parece simples, o nosso dever deve ser imediatamente complicá-la, pois, ao vê-la simples, podemos ter a certeza de que a deformamos… Por outras palavras, o papel do historiador não é simplificar o real, é procurar, por trás das aparências da simplicidade, a complexidade das coisas vivas, o corrente, a necessária complexidade da vida” (Lucien Febvre, A Europa: génese de uma Civilização, Lisboa: Teorema, 2001,p. 153).

[2] “A fé reformada incentiva a humildade epistemológica ao tentar dizer o que Deus está fazendo na história. (…) A história de uma perspectiva calvinista é, na verdade, cheia de mistério” (Darryl G. Hart, 1929 e tudo aquilo, ou o que o calvinismo diz aos historiadores em busca de significado?: In: David W. Hall;  Marvin, Padgett, ed.  Calvino e a Cultura,  São Paulo: Cultura Cristã, 2017, p. 21).

[3]João Calvino, O Livro dos Salmos,São Paulo: Paracletos, 1999, v. 2, (Sl 49.1-2), p. 372.

[4] “A fé não deixou de ser confiante. Ela não se baseia em instáveis acasos terrenos, mas no Deus que, apesar de tudo, está no trono. Porém, os golpes terrenos também são reais, e muitas vezes o mundo em que vivemos parece pertencer aos ímpios e maus” (J.A. Motyer, Os Salmos: In: D.A. Carson, et. al., eds. Comentário Bíblico: Vida Nova, São Paulo: Vida Nova, 2009, (Sl 9), p. 746).

[5]“Na presença do SENHOR, porque ele vem julgar a terra; julgará o mundo com justiça e os povos, com equidade” (Sl 98.9).

[6]João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Parakletos, 2002, v. 3, (Sl 96.1), p. 514-515.

[7]John Calvin, Calvin’s Commentaries, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House Company, 1996 (Reprinted), v. 7, (Is 12.5), p. 403.

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