Teologia da Evangelização (157)
4.3.6. Todo o Desígnio de Deus
Em Mileto, Paulo quando se despede dos presbíteros de Éfeso, diz que durante o seu ministério de três anos entre eles, jamais deixou de “anunciar (a)nage/llw) todo o desígnio (boulh/) de Deus” (At 20.27). Esta declaração é bastante esclarecedora: O Evangelho não consiste no anúncio de “algumas partes” da Bíblia, dos textos e doutrinas pelas quais temos predileções,[1] mas sim de todo o “Conselho” de Deus revelado nas Escrituras (Ver: Gl 1.8,9,11).
O conteúdo da mensagem cristã deve ser nada mais, nada menos do que toda a vontade revelada de Deus (Ver: Dt 29.29). Este conselho (= propósito, desígnio) realça a soberania de Deus no seu propósito imutável e gracioso que envolve a entrega de seu Filho, Jesus Cristo (At 2.22-23; 4.27-28)[2] e a salvação de seu povo (Ef 1.11).[3]
Outro aspecto que quero destacar, é a importância de estarmos atentos às circunstâncias de nossos ouvintes, considerando os fatos cotidianos, os ensinamentos que vigoram e as inquietações próprias de nossa geração.
A nossa leitura da realidade a partir da Escritura nos dará uma perspectiva mais abrangente do que qualquer manual de estudos sociais, por exemplo. A Escritura propicia uma avaliação profunda e real da natureza humana porque, entre outras coisas, leva em consideração a gravidade e universalidade do pecado.
Sem a compreensão do terrível mistério do pecado na história humana, as nossas avaliações, também já viciadas, tenderão a ser ou muito pessimistas ou otimistas. Somente Deus nos mostra de fato quem somos, os segredos de nossos corações e, o que construímos, sempre carregando o marca do pecado. Ao mesmo tempo, nos mostra e nos capacita a seguir o caminho definitivo em Cristo, o Deus encarnado que nos chama a si e nos conduz ao Pai (Mt 11.28-30; Jo 14.6).
“Escutar com humildade é indispensável para a pregação relevante”, instrui Stott.[4] Por isso, devemos estar atentos à sociedade onde vivemos e, ao mesmo tempo, cultivarmos um estudo sério da Palavra a fim de ensinar com fidelidade, apresentando a mensagem de Deus a um mundo em constantes transformações e, por isso mesmo, carente de referenciais.
A pregação é elaborada a partir do texto tendo como ingrediente fundamental, a sociedade dentro da qual estamos inseridos. Estes dois polos devem nos nortear em nossa elaboração e proclamação.[5]
É extremamente estimulante ao pregador saber que os nossos sermões atendem às necessidades concretas de nossos ouvintes. Neste caso, “nossa vocação é estimulada a cada mensagem”, comenta Chapell.[6]
A Palavra de Deus deve ser a nossa lente escrutinadora para que possamos saber ler a realidade e aplicar os ensinamentos bíblicos aos nossos ouvintes. Necessitamos, portanto, do estudo da Palavra e de oração, suplicando a Deus a sabedoria do alto para que apresentemos a doutrina bíblica de forma eficaz (Tg 1.5-6).[7] Sem oração jamais seremos competentes suficientemente, por mais intensos e sérios que sejam os nossos estudos.
Antes de suas exposições bíblicas, Calvino costumava fazer a seguinte oração: “Conceda o Senhor que nos ocupemos em contemplar os mistérios de sua sabedoria celestial com devoção realmente crescente, para glória sua e edificação nossa. Amém”.[8]
Nós também, como pastores, não devemos omitir a verdade por medo de desagradar alguém ou, por temer as consequências do ensino da verdade. Temos de nos lembrar de que somos instrumentos da verdade e não o inverso. Não nos cabe manipular a verdade ao nosso alvitre; temos de pregar a Palavra fiel (1Tm 1.15) com integridade, pois sendo fiéis à Palavra, estamos sendo fiéis ao seu Autor: Deus. Não somos senhores do texto, antes, seus servos.[9]
Somos chamados a expor as Escrituras em sua inteireza e profundidade, não as nossas opiniões.[10] Quando expomos a Palavra devemos estar solidamente convencidos de que aquela mensagem é proveniente do texto.
O conteúdo da mensagem cristã deve ser nada mais, nada menos do que toda a vontade revelada de Deus (Veja-se: Dt 29.29).
Maringá, 30 de janeiro de 2023.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1] Vejam-se as pertinentes observações de Stott (John R.W. Stott, O Perfil do Pregador, São Paulo: Sepal, 1989, p. 29ss.).
[2]“Varões israelitas, atendei a estas palavras: Jesus, o Nazareno, varão aprovado por Deus diante de vós com milagres, prodígios e sinais, os quais o próprio Deus realizou por intermédio dele entre vós, como vós mesmos sabeis; sendo este entregue pelo determinado desígnio (boulh/) e presciência de Deus, vós o matastes, crucificando-o por mãos de iníquos” (At 2.22-23). “Porque verdadeiramente se ajuntaram nesta cidade contra o teu santo Servo Jesus, ao qual ungiste, Herodes e Pôncio Pilatos, com gentios e gente de Israel, para fazerem tudo o que a tua mão e o teu propósito (boulh/) predeterminaram” (At 4.27-28).
[3]“Nele, digo, no qual fomos também feitos herança, predestinados segundo o propósito daquele que faz todas as coisas conforme o conselho (boulh/) da sua vontade” (Ef 1.11).
[4]John Stott, Eu Creio na Pregação, São Paulo: Vida, 2003, p. 205.
[5] “O pregador não é um homem que vive numa redoma de vidro; não é alguém que está fora deste mundo. Como qualquer um, leio meus jornais e às vezes escuto o rádio e ligo minha televisão, e noto o que está acontecendo” (D.M. Lloyd-Jones, O Caminho de Deus não o nosso, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2003, p. 92).
[6] Bryan Chapell, Pregação Cristocêntrica, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2002, p. 253.
[7]“5 Se, porém, algum de vós necessita de sabedoria, peça-a a Deus, que a todos dá liberalmente e nada lhes impropera; e ser-lhe-á concedida. 6Peça-a, porém, com fé, em nada duvidando; pois o que duvida é semelhante à onda do mar, impelida e agitada pelo vento” (Tg 1.5-6).
[8] John Calvin, The Commentaries of John Calvin on the Prophet Hosea, Grand Rapids, MI.: Baker Book House (Calvin’s Commentaries, v. 13/2), 1996 (Reprinted), p. 34.
[9] “O pregador é chamado para ser servo da Palavra” (R. Albert Mohler, Jr., A Primazia da Pregação. In: Ligon Duncan, et. al., Apascenta o meu rebanho, São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 17). “O pregador deve servir ao texto….” (Bryan Chapell, Pregação Cristocêntrica, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2002, p. 20).
[10]“O dever do homem que ocupa o púlpito não é proferir as suas palavras, mas ser bíblico. Cabe-lhe expor esta Palavra porque é a Palavra de Deus, e lhe cabe falar a palavra que o Espírito Santo o habilita a falar” (D.M. Lloyd-Jones, Seguros Mesmo no Mundo, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2005 (Certeza Espiritual: v. 2), p. 19).