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Teologia da Evangelização (84) - Hermisten Maia

Teologia da Evangelização (84)

2.4.9.4. Uma demonstração prática da doutrina (Continuação)

Centro missionário

          Muitos dos exilados passaram a ouvir Calvino diversas vezes por semana. Não era estranho o coração desses homens começar a pulsar mais acelerado movido pelo ardor missionário, passando a desejar voltar para as suas cidades e países a fim de proclamar com maior profundidade o Evangelho.

          Calvino, após conversar com esses irmãos, os examinar e os treinar, consentia em enviá-los de volta às suas terras. No entanto, esse envio os ligava para sempre ao coração de Calvino, que estava sempre disposto a se corresponder com eles os aconselhando, instruindo e orientando. A ampla correspondência de Calvino é um testemunho dessa ligação fraterna.

          Além disso, Genebra se tornou um grande centro missionário, uma verdadeira “escola de missões”, porque os foragidos que lá se instalaram, puderam, posteriormente, levar para os seus países e cidades o Evangelho ali aprendido.[1] “O estabelecimento da Academia foi em parte realizado por causa do desejo de suprir e treinar missionários evangélicos”, informa-nos Mackinnon (1860-1945).[2]

          Hughes (1915-1990) comenta:

A Genebra de Calvino era muito mais do que um paraíso e uma escola. Não era um lugar de isolamento teológico que vivia para si mesmo e por si mesmo, alheio à sua responsabilidade evangélica em relação às necessidades dos outros. Os vasos humanos foram preparados e equipados neste paraíso (…) para que se lançassem ao oceano das necessidades do mundo, encarando bravamente cada tempestade e perigo que os aguardava, a fim de levarem a luz do evangelho de Cristo àqueles que estavam na ignorância e nas trevas das quais eles mesmos tinham vindo. Eles foram ensinados nesta escola para que, em retorno, ensinassem aos outros a verdade que os libertara.[3]

          Destacamos que, com exceção de Isaías, todos os comentários de Calvino sobre os profetas “consistem em sermões direcionados a alunos em treinamento para o trabalho missionário, principalmente na França”, informa-nos Parker (1916-2016).[4]

          Calvino intensificou o seu trabalho usando a sua pena como uma poderosa arma para difundir o Evangelho, reunindo impressores, comerciantes e diversos irmãos com recursos que pudessem financiar a publicação do Saltério, reimpressão das Institutas, Catecismo e demais obras que pudessem servir como instrumento de divulgação da Palavra especialmente na França, sua terra que tanto amava.

No período de 1551 a 1564, dos 500 títulos impressos em Genebra, 160 deles procediam da lavra de Calvino. A obra mais impressa foi o Saltério que passou por 19 edições em Genebra, sete em Paris e três em Lyon. Em  1562, cerca de 27.400 cópias foram impressas em Genebra.[5]

          Como curiosidade cito que a palavra colportor que deriva do francês colporteur, significa “levar no pescoço”. Esse nome está associado ao costume dos  colportores valdenses de levar os escritos sagrados debaixo da roupa (“porteur à col”) presos por uma correia em forma de alça que passa pelo pescoço.

          Courthial (1914-2009) ilustra:

Muitos huguenotes naqueles dias, quer estivessem visitando quer estivessem de viagem, levavam no bolso de seu grande casaco uma Bíblia em francês ou uma cópia das Institutas, pessoalmente anotadas e com as passagens-chaves sublinhadas, ou levavam, ainda, algum folheto reformado de Genebra ou Basiléia! Quantos deles foram lançados nas chamas das estacas simplesmente porque tais obras foram descobertas com eles ou em suas casas, na gaveta de uma mesa, num armário ou em outro esconderijo, ou mesmo, em lugar de trabalho ou ainda em sua fazenda![6]

          A Academia, portanto, além de um centro intelectual rigoroso, procurando vivenciar, pela graça, a sabedoria de Deus em seus estudos e ensino, era também um grande centro missionário, subordinando todo o saber a Cristo e, partir dele, viver e anunciar o Evangelho a todos os povos. 

          No entanto, os recursos eram poucos, as perseguições eram intensas – por vezes se juntando autoridades civis e igreja romana contra o protestantismo[7] –, havia lutas internas e externas à Genebra, além do recrudescimento da vigilância contra o pensamento protestante nas cidades e países de predomínio católico – o  que seria mesmo de se esperar –, questões variadas a se posicionar e, também, não podemos nos esquecer: pastorear o seu rebanho (Pregando,[8] visitando, aconselhando) mais próximo: a igreja de Genebra, trabalho para o qual se sentia muito pequeno.[9]

Maringá, 07 de outubro de 2022.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]Para maiores detalhes, ver: Hermisten M.P. Costa, A Academia de Genebra e a Evangelização. In: Brasil Presbiteriano, São Paulo: Cultura Cristã,  janeiro de 2009, p. 4-5.

[2] James MacKinnon, Calvin and the Reformation, London: Penguin Books, 1936, p. 195.

[3] Philip E. Hughes, John Calvin: Director of Missions: In: John H. Bratt, ed., The Heritage of John Calvin, Grand Rapids, MI.: Eerdmans, 1973, [p. 40-53], p. 44-45.

[4]T.H.L. Parker em Prefácio à Versão Inglesa do Comentário de Daniel (João Calvino, O Profeta Daniel: 1-6,São Paulo: Parakletos, 2000, v. 1, p. 13). Do mesmo modo, veja-se: Elias Medeiros, O compromisso dos reformadores calvinistas com a propagação do evangelho a todas as nações Elias Medeiros (https://www.martureo.com.br/wp-content/uploads/2017/10/o-compromisso-dos-reformadores_elias-medeiros.pdf) (Consultado em 26.03.2021).

[5] Cf. Herman J. Selderhuis; Albert Gootjes, John Calvin: a pilgrim’s life,  Westmont, IL: IVP Academic, 2009, 240–241.

[6] Pierre Courthial, A Idade de Ouro do Calvinismo na França: (1533-1633): In: W.S. Reid, ed. Calvino e Sua Influência no Mundo Ocidental, São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1990, [p. 87-109],  p. 90.

[7] Calvino escreveu em cerca de 1554: “Assim, em nossos dias, Deus parece ordenar algo impossível quando requer que seu evangelho seja proclamado em cada lugar no mundo inteiro, com o propósito de restaurá-lo da morte para a vida. Pois vemos quão grande é a obstinação de quase todos os homens, e que numerosos e poderosos métodos de resistência Satanás emprega; de modo que, em suma, todos os caminhos de acesso a esses princípios se acham obstruídos. Contudo, cabe aos indivíduos cumprir seu dever e não ceder diante dos impedimentos; e, finalmente, nossos esforços e nossos labores de modo algum deixarão de ter sucesso, mesmo que este ainda não sejam vistos” (John Calvin, Calvin’s Commentaries, Grand Rapids, Michigan: Baker, 1996 (Reprinted), v. 1/1, (Gn 17.23), p. 465).

[8] Estima-se  que  Calvino durante os seus trinta e cinco anos de Ministério – pregando dois sermões por domingo e uma vez por dia em semanas alternadas –  tenha  pregado  mais  de  três mil sermões. “260 sermões por ano”, especula Collinson. (Patrick Collinson, A Reforma, Rio de Janeiro: Objetiva, 2006, p. 115). (Vejam-se: J.H. Leith, A Tradição Reformada: Uma maneira de ser a comunidade cristã,p. 126 e T. George, Teologia dos Reformadores,p. 187).

            Bouwsma calcula que Calvino tenha pregado cerca de 4 mil sermões depois que voltou para Genebra em 1541, pouco mais de 170 sermões por ano; em média, mais de três por semana. (William J. Bouwsma, John Calvin: A Sixteenth-Century Portrait, New York; Oxford: Oxford University Press, 1988, p. 29). Em 11/9/1542, o Conselho decidiu que Calvino aos domingos, não pregasse mais do que um sermão. (Cf. W. Greef, The Writings of John Calvin: An Introductory Guide, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1993, p. 110). Ainda em 1539 (20 de abril), Calvino em carta a Farel revela incidentalmente o quão pesada era a sua rotina diária: preparação de sermões, tradução para o francês da Instituição, cartas para responder, interrupções constantes, etc. (Veja-se: John Calvin, To Farel, “Letters,” John Calvin Collection,[CD-ROM], (Albany, OR: Ages Software, 1998), nº 34).

[9] Veja-se: João Calvino, O Evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 1,  p. 23.

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