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A Pessoa e Obra do Espírito Santo (406) - Hermisten Maia

A Pessoa e Obra do Espírito Santo (406)

6.4.10.2.4. Comunidade Litúrgica[1]

Ressurreição, pregação e culto

A reuniões eram diárias em Jerusalém (At 2.42-47) e, posteriormente, no primeiro dia da semana, devido a ressurreição de Jesus ter ocorrido neste dia: Domingo (Jo 20.1,19; At 20.7; 1Co 16.2; Ap 1.10), pois, o espírito do culto passou a ser primordialmente de adoração a Deus, celebrando a ressurreição de Cristo, que assinala a vitória da vida sobre a morte: o raiar de um novo dia para aquele que tiver o coração despertado pela fé! 

A mensagem apostólica enfatizou – juntamente com a morte expiatória de Cristo –, a realidade histórica da Sua ressurreição (Vd. At 1.22; 2.24; 3.15; 4.10,33; 5.30; 10.39-41; 17.2,3,17,18; 26.23).

Paulo nos diz que era corrente tal testemunho (1Co 15.12), sendo ele mesmo um dos pregadores desta verdade (1Co 15.14,15/At 17.18). Pois bem, se Cristo não ressuscitou toda esta pregação está fundamentada num erro, numa mentira. Entretanto, Cristo ressuscitou. Portanto, toda a proclamação tem sentido; sem a ressurreição, não haveria boa nova, não haveria Evangelho, nem atos salvadores de Deus para serem anunciados.                                                  

A ressurreição de Cristo dá sentido à pregação fiel da Igreja (1Co 15.14). A pregação da Igreja não se baseia em fábulas e mitos por ela inventados (Vd. 2Tm 4.3,4), mas sim, naquilo que Deus disse e realizou, conforme registrado nas Escrituras.         

Paulo em Atenas, pregava (eu)aggeli/zomai) a Jesus e a ressurreição” (At 17.18). A ressurreição era a tônica de toda mensagem apostólica; sem a ressurreição de Cristo não haveria pregação, nem fé, nem esperança. No livro de Atos, não encontramos nenhum sermão em que a ressurreição não fizesse parte da proclamação.[2] (At 8.5; Rm 10.8-10; 1Co 15.1,3,4,12; 2Tm 2.8). “Sem a ressurreição não podemos consolar-nos de nenhuma maneira; todos os argumentos possíveis serão insuficientes para alegrar-nos”, conclui Calvino.[3]

Portanto, o culto da Igreja primitiva centrava-se não simplesmente nos acontecimentos da sexta-feira da paixão, mas, no domingo da ressurreição quando a vitória sobre a morte, o mundo e satanás foi decisivamente proclamada. Certamente o fato mais importante concernente à adoração no Novo Testamento, é a centralidade de Jesus Cristo,[4] Aquele que é o cumprimento das promessas e profecias do Antigo Testamento, sendo o Senhor e Mediador único e definitivo da Aliança selada entre Deus e o Seu Povo.

A visão desta Aliança é a chave que abre as portas para a compreensão de toda teologia bíblica. A Pessoa de Cristo é o elo que une os dois Testamentos.[5]  Em suma, Jesus Cristo é o fundamento da verdadeira adoração a Deus.

Provavelmente no início do 5º século da Era Cristã, Agostinho (354-430), num sermão, diria:

A fé dos cristãos não é louvável porque eles creem no Cristo que morreu, mas no Cristo que ressuscitou. Pois, também o pagão acredita que ele morreu e te acusa como de um crime teres acreditado num morto. Que tens, portanto, de louvável? Teres acreditado que Cristo ressuscitou e esperar que hás de ressuscitar por Cristo. Nisto consiste uma fé louvável. ‘Se confessares com tua boca que Jesus é Senhor e creres em teu coração que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo’ (Rm 10.9). (…) Esta é a fé dos cristãos.[6]

A palavra liturgia

A nossa palavra “liturgia”, provém do grego, passando pelo latim. No grego, temos lh/i+ton [7] (“concernente ao povo ou à comunidade nacional”) & e)/rgon (“serviço”), tendo portanto, o sentido primário de “serviço público”. No grego antigo era empregado de várias formas, sendo, porém o sentido cultual pouco frequente.[8]

No Novo Testamento, leitourgi/a e seus cognatos que ali aparecem, leitourgo/j (“Ministro”, “Auxiliar”), leitourge/w (“Serviço Sagrado”) e leitourgiko/j (“Ministrador”) ocorrem cerca de 15 vezes, tendo uma relação direta ou indireta com o serviço religioso.

Resumindo, podemos dizer que este conjunto de palavras têm três significados especiais no NT., a saber:

  1. Serviço de um ser humano aos outros: Rm 15.27; 2Co 9.12; Fp 2.17,30.[9]
  2. Serviço especificamente religioso: Lc 1.23; At 13.2; Hb 8.2,6.[10]
  3. Aquele que está a serviço do seu Senhor: Rm 13.6; 15.16.[11]

Liturgia significa serviço prestado a Deus.[12] A Igreja como povo de Deus encontra a sua realização no ato de Culto, no qual revela publicamente o significado de Deus para a sua vida, tornando patente o que Deus é, fez e faz. O culto é um testemunho solene e público das “Virtudes de Deus” (1Pe 2.9-10; Hb 13.15).

São Paulo, 17 de fevereiro de 2022.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa  


[1]Sobre a adoração cristã e a concepção de Culto em Calvino, Veja-se: Hermisten M.P. Costa, O Culto Cristão na Perspectiva de Calvino: Uma Análise Introdutória: In: Fides Reformata,VII/2, 2003, e Idem.,Princípios Bíblicos da Adoração Cristã,São Paulo: Cultura Cristão, 2004. 

[2] Vd. Hermisten M.P. Costa, Eu Creio, São Paulo: Parakletos, 2002, p. 313-314.

[3] Juan Calvino, Se Deus fuera nuestro Adversario: In: Sermones Sobre Job, Jenison, Michigan: T.E.L.L., 1988, (Sermon nº 6), p. 85.

[4] Cf. John M. Frame, Worship in Spirit and Truth, Phillipsburg, NJ.: P & R. Publishing, 1996, p. 25ss.

[5] Ver: Confissão de Westminster VII.6.

[6]Agostinho, Comentário aos Salmos, São Paulo: Paulus, (Patrística, 9/3), 1998, v. 3, (Sl 101),p. 32-33.

[7]Esta palavra é oriunda de lao/j e lew/j que significam “povo”.

[8] Cf. I.-H. Dalmais, et. al., Liturgia: In: Angel Di Berardino, dir. Diccionario Patristico y de la Antigüedad Cristiana, Salamanca: Ediciones Sigueme, 1992, v. 2, p. 1279a.

[9]“Isto lhes pareceu bem, e mesmo lhes são devedores; porque, se os gentios têm sido participantes dos valores espirituais dos judeus, devem também servi-los (leitourge/w) com bens materiais” (Rm 15.27). “Porque o serviço desta assistência (leitourgi/a) não só supre a necessidade dos santos, mas também redunda em muitas graças a Deus” (2Co 9.12). “Entretanto, mesmo que seja eu oferecido por libação sobre o sacrifício e serviço (leitourgi/a) da vossa fé, alegro-me e, com todos vós, me congratulo” (Fp 2.17). “Visto que, por causa da obra de Cristo, chegou ele às portas da morte e se dispôs a dar a própria vida, para suprir a vossa carência de socorro (leitourgi/a) para comigo” (Fp 2.30).

[10]“Sucedeu que, terminados os dias de seu ministério (leitourgi/a), voltou para casa” (Lc 1.23). “E, servindo (leitourge/w) eles ao Senhor e jejuando, disse o Espírito Santo: Separai-me, agora, Barnabé e Saulo para a obra a que os tenho chamado” (At 13.2). “Ora, o essencial das coisas que temos dito é que possuímos tal sumo sacerdote, que se assentou à destra do trono da Majestade nos céus, 2 como ministro (leitourgo/j) do santuário e do verdadeiro tabernáculo que o Senhor erigiu, não o homem” (Hb 8.1-2). “Agora, com efeito, obteve Jesus ministério (leitourgi/a) tanto mais excelente, quanto é ele também Mediador de superior aliança instituída com base em superiores promessas”(Hb 8.6).

[11] “Por esse motivo, também pagais tributos, porque são ministros (leitourgo/j) de Deus, atendendo, constantemente, a este serviço” (Rm 13.6). “Para que eu seja ministro (leitourgo/j) de Cristo Jesus entre os gentios, no sagrado encargo de anunciar o evangelho de Deus, de modo que a oferta deles seja aceitável, uma vez santificada pelo Espírito Santo” (Rm 15.16).

[12] Veja-se: Hermisten M.P. Costa, Teologia do Culto, São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1987.

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