A Pessoa e Obra do Espírito Santo (396)
4) A Santidade como meta (Continuação)
Os Símbolos de Westminster declaram que Deus exige de nós, os crentes, “o uso diligente de todos os meios exteriores pelos quais Cristo nos comunica as bênçãos da salvação”[1] e que não negligenciemos os “meios de preservação”.[2]
Sabemos que a salvação é obra de Deus (Fp 1.6). Todavia, Deus opera dentro de nossa vontade: “Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade” (Fp 2.13/1Co 15.10). “Ainda que não esteja em nosso poder purificar a Igreja de Deus, é nosso dever desejar que ela seja pura”.[3] A graça da salvação traz como implicação a nossa gratidão. A gratidão se revela em santidade.
Recordemos o contexto no qual Paulo escreveu aos filipenses. Ele já não residia com os filipenses, estava preso em Roma (Fp 1.13), por isso eles deveriam envidar todos os esforços para continuar desenvolvendo essa salvação, no processo de santificação, usando os meios de graça concedidos pelo próprio Deus, para o nosso progresso espiritual.
O crescimento espiritual é a naturalidade do homem regenerado. Daí, a recomendação de Pedro: “Desejai ardentemente, como crianças recém-nascidas, o genuíno leite espiritual, para que, por ele, vos seja dado crescimento para salvação” (1Pe 2.2). “Crescei na graça e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. A ele seja a glória, tanto agora como no dia eterno” (2Pe 3.18).
Paulo tem a preocupação com o cumprimento das suas recomendações e, também, como eles fariam isso: não bastando apenas fazer, mas, também, com que espírito fariam. Do mesmo modo, não basta apenas servir, é preciso saber como servimos. Não basta apenas contribuir; é preciso saber com que espírito contribuímos.
Precisamos lembrar que a espontaneidade do amor não exclui a responsabilidade da obediência. Paulo então toma como exemplo a obediência de Jesus Cristo:
Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, pois ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana, a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz. (Fp 2.5-8).
Obediência exemplar
No verso 12, temos a ligação com o texto anterior: “assim, pois”; ou: “de modo que”. No caso dos filipenses, Paulo tinha certeza da obediência exemplar daqueles irmãos. Ele mostra então como era identificada essa obediência: Os filipenses obedeciam as instruções do Senhor de forma íntegra: “Assim, pois, amados meus, como sempre obedecestes, não só na minha presença….” (Fp 2.12).
A obediência não era apenas para fazer encenação diante de Paulo. Nesse aspecto, tanto fazia ele estar por perto ou não, que eles mantinham uma vida cristã exemplar. Lembremo-nos de que quando Paulo foi embora, ao que parece a Igreja ficou se reunindo na casa de Lídia (At 16.40).
Os filipenses permaneceram em contato com Paulo, auxiliando-o em seu ministério, provendo recursos para as suas necessidades (2Co 11.9; Fp 1.5; 4.15-19). Paulo visitou a Igreja em pelo menos duas outras ocasiões (2Co 2.12,13; 7.5-7; At 20.1,3,6) antes de sua prisão em Jerusalém e a escrita da carta. Havia uma integridade em seu comportamento.
A nossa obediência é um reflexo de nossa eleição. Deus nos escolheu para obediência, não para uma vida de letargia e irresponsabilidade. Pedro escreve: “Eleitos, segundo a presciência de Deus Pai, em santificação do Espírito, para a obediência (u(pakoh/) e a aspersão do sangue de Jesus Cristo, graça e paz vos sejam multiplicadas” (1Pe 1.2).
Esta obediência envolve o homem todo, inclusive a nossa mente. Insistimos: Deus não deseja uma obediência apenas ritual, aprendida e decorada; deseja que o sirvamos com integridade, com nossa mente, vontade e emoção. A nossa mente deve ser também consagrada a Cristo. É nestes termos que Paulo escreve aos coríntios: “Porque as armas da nossa milícia não são carnais, e sim poderosas em Deus, para destruir fortalezas, anulando nós sofismas 5 e toda altivez que se levante contra o conhecimento de Deus, e levando cativo todo pensamento à obediência (u(pakoh/) de Cristo” (2Co 10.4-5).
A obediência consciente à verdade, purifica o nosso coração: “Tendo purificado a vossa alma, pela vossa obediência (u(pakoh/) à verdade, tendo em vista o amor fraternal não fingido, amai-vos, de coração, uns aos outros ardentemente” (1Pe 1.22). Esta obediência é resultado do nosso novo nascimento realizado por Cristo por intermédio da Palavra: “Pois fostes regenerados não de semente corruptível, mas de incorruptível, mediante a palavra de Deus, a qual vive e é permanente” (1Pe 1.23).
Deus conhece o nosso coração. Na unção de Davi, como futuro rei de Israel, Deus diz a Samuel a respeito dos irmãos de Davi: “Não atentes para a sua aparência, nem para a sua altura, porque o rejeitei; porque o SENHOR não vê como vê o homem. O homem vê o exterior, porém o SENHOR, o coração” (1Sm 16.7).
No Novo Testamento, João narra a respeito de Jesus Cristo: “Não precisava de que alguém lhe desse testemunho a respeito do homem, porque ele mesmo sabia o que era a natureza humana” (Jo 2.25).
A dignidade da obediência se expressa por intermédio da integridade do coração e a consciência da nobreza da pessoa a quem estamos servindo. Portanto, a recomendação de Paulo aos servos: “Servos, obedecei (u(pakou/w) em tudo ao vosso senhor segundo a carne, não servindo apenas sob vigilância, visando tão-somente agradar homens, mas em singeleza de coração, temendo ao Senhor” (Cl 3.22).
A obediência não significa necessariamente – como normalmente querem nos fazer crer –, sujeição servil. A obediência cristã a Deus e à Sua Palavra é um ato de amor.
Comentando o Salmo 40.7, Calvino assim se expressa:
Aqui verdadeira obediência apropriadamente se distingue de uma constrangedora e escrava sujeição. Todo serviço, pois, que porventura os homens ofereçam a Deus será fútil e ofensivo a seus olhos a menos que, ao mesmo tempo, ofereçam a si próprios; e, além do mais, este oferecimento por si mesmo não é de nenhum valor a menos que seja feito espontaneamente.[4]
Em outro lugar: “A obediência forçada ou servil não é de forma alguma aceitável diante de Deus”.[5]
Assim como a fé é um dom gracioso de Deus, a nossa obediência é o resultado e fruto dessa mesma graça. Obedecer é gratidão proveniente da graça. A recompensa da obediência não é apenas final, mas, se processa no aprendizado da obediência submissa e sincera.[6] Obedecer é graça que se manifesta em gratidão. Fé é obediência oculta. A obediência é a fé manifestada. Obedecer é fé em exercício. Parte do fruto da obediência é obedecer.
Paulo fala aos romanos de nossa antiga situação e, pela graça, de nossa nova condição em Cristo:
16 Não sabeis que daquele a quem vos ofereceis como servos para obediência (u(pakoh/,), desse mesmo a quem obedeceis (u(pakou/w) sois servos, seja do pecado para a morte ou da obediência (u(pakoh/,) para a justiça? 17 Mas graças a Deus porque, outrora, escravos do pecado, contudo, viestes a obedecer (u(pakou/w) de coração à forma de doutrina a que fostes entregues. (Rm 6.16-17).
A perspectiva da questão é, portanto, teológica: “Tudo quanto fizerdes, fazei-o de todo o coração, como para o Senhor e não para homens” (Cl 3.23).
Retornando ao texto de filipenses, podemos observar que Paulo escreve: “….muito mais agora, na minha ausência (a)pousi/a[7]), desenvolvei (katerga/zomai[8]) ….” (Fp 2.12).
Nada que seja circunstancialmente bom e agradável pode ser essencialmente bom se consistir em atitudes e comportamentos que desobedeçam a Deus.
Os crentes filipenses, como eleitos de Deus, agora, sem a presença de Paulo, teriam que estar mais atentos à sua salvação, ao seu progresso espiritual, pois, o velho pastor já não estaria fisicamente ali para apascentar o seu rebanho, embora os tivesse sempre em sua mente (Fp 1.7-8) e orações: “Dou graças ao meu Deus por tudo que recordo de vós, fazendo sempre, com alegria, súplicas por todos vós, em todas as minhas orações” (Fp 1.3-4).
“A obediência dos filipenses envolvia a tradução dos princípios do Evangelho, em que haviam crido, em ação constante”, interpreta Bruce (1910-1990).[9]
Na Palavra, temos os ditames de Deus para a vida do seu Povo. “Portanto, em nosso curso de ação, deve-se-nos ter em mira esta vontade de Deus que Ele declara em Sua Palavra. Deus requer de nós unicamente isto: o que Ele preceitua. Se intentamos algo contra o Seu preceito, obediência não é; pelo contrário, contumácia e transgressão”, exorta-nos Calvino.[10]
Maringá, 01 de fevereiro de 2022.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1] Catecismo Menor de Westminster,Perg. 85.
[2] Confissão de Westminster,XVII.3.
[3]João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 1, (Sl 22.25), p. 500.
[4]João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 2, (Sl 40.7), p. 227.
[5] João Calvino, O Livro dos Salmos,São Paulo: Paracletos, 1999, v. 1, (Sl 1.2), p. 53.
[6]“Existe uma recompensa, não somente após obedecer aos mandamentos de Deus, mas durante a obediência deles” (Matthew Henry, Comentário Bíblico de Matthew Henry, 5. ed. Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2006, (Sl 19), p. 411).
[7] A)pousi/a só ocorre neste texto.
[8] Katerga/zomai, “executar”, “fazer”, “produzir”, “cumprir”, “realizar”.
[9] F.F. Bruce, Filipenses,Florida: Editora Vida, 1992, (Fp 2.12-13), p. 90.
[10]João Calvino, As Institutas,I.17.5.