A Pessoa e Obra do Espírito Santo (380)
6.4.9.1.5. Na disciplina
Quando a igreja terrena excomunga um membro não arrependido, os presbíteros da igreja estão simplesmente declarando aquilo que o céu já disse. A disciplina da igreja é, portanto, uma expressão terrena da santidade do céu. – John MacArthur.[1]
A excomunhão é a vara de uma mãe piedosa usada em um filho perverso, a quem ela não deixa de considerar seu filho só porque o castiga, mas o castiga severamente para que venha a ser restaurado e não deixe totalmente de ser um filho; não para destruí-lo, mas para curá-lo; não para lançá-lo fora, mas para trazer de volta a si o desencaminhado. – Francis Turretini[2]
Como vimos, os teólogos reformados, na tentativa de distinguir a verdadeira igreja de Cristo das falsas igrejas, estabeleceram como sendo o exercício fiel da disciplina uma das marcas características da verdadeira Igreja de Cristo.
A Igreja é uma comunidade de pecadores que foram regenerados pelo Espírito (Tt 3.5), que foram justificados, lavados completa e intensamente e santificados em Cristo Jesus. A antiga vida dominada pelo pecado foi deixada para trás. (1Co 6.9-11/1Co 1.2).[3]
A disciplina visa preservar a santidade da Igreja (Rm 2.16-24; 1Co 6.5-8; Ef 5.27[4]):[5] Não deve ser permitido que o pecador impenitente contribua para a disseminação de seu pecado entre os fiéis (1Co 5.6,11) e, também, visa nos conduzir, por graça, com maior autoridade na evangelização dos incrédulos.
Deus é honrado quando a igreja leva a sério a sua Palavra, procurando vivenciá-las em todos os níveis. Portanto, o fundamento teológico da disciplina eclesiástica é a aliança do Senhor com o seu povo visto que em toda a relação de Deus com o seu povo ampara-se nas justas e amorosas prescrições do Pacto da Graça.
À Igreja não compete o uso da força; Deus não lhe conferiu a espada para governar (Jo 18.36; 2Co 10.4);[6] isto pertence ao governo civil. A Igreja, no entanto, valendo-se da espada do Espírito que é a Palavra de Deus, deve ser usada para conduzir o povo de Deus a começar pelo ensino (Ef 6.17)[7].[8]
A disciplina é o exercício da graça de Deus para com os seus filhos ao se desviarem de sua Palavra. “Os crentes são açoitados, não para com isso satisfazerem à ira de Deus, nem para pagarem o que é devido ao juízo que Ele lhes impõe, mas a fim de aproveitarem a oportunidade para arrependimento e para retorno ao bom caminho”, interpreta Calvino.[9]
A santidade e firmeza da Igreja, segundo Calvino (1509-1564), repousam principalmente em “três coisas”, a saber: “doutrina, disciplina e sacramentos vindo em quarto lugar as cerimônias para exercitar o povo no dever da piedade”.[10] O exercício da santidade consiste em obedecer a Deus e usar dos meios concedidos por ele mesmo para a nossa santificação: A Palavra e os Sacramentos.
Como bem diz o Catecismo Menor de Westminster(1647), Deus exige de nós, os crentes, “o uso diligente de todos os meios exteriores pelos quais Cristo nos comunica as bênçãos da salvação”.[11]
Apesar de que a prática da disciplina eclesiástica não seja bem apreciada pela igreja, ela é bíblica e, portanto, é de extrema seriedade. Ela está associada à doação do Espírito Santo. Observem a relação existente entre o sopro de Jesus sobre os apóstolos e a tarefa concedida a eles (Jo 20.22-23/Mt 16.19).
“A igreja tem o direito de, agindo por meio de seus oficiais, declarar que os pecados são perdoados ou retidos apenas quando ela age em harmonia com a Palavra inspirada pelo Espírito”, comenta Hendriksen.[12] (Vejam-se: 1Co 5.1-13; 1Tm 1.20; 5.20). Desta forma, ela tem o poder de declarar quem pertence à Aliança ou não.[13]
Esta concepção é totalmente diferente da praticada pela igreja romana. Nela, o confessor é o instrumento de ligação entre o penitente e Deus, representando em muitos aspectos o próprio Senhor Jesus Cristo, com poderes para perdoar pecados.[14] Como fica patente, esta perspectiva e prática são totalmente antibíblicas.
Maringá, 16 de janeiro de 2022.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1]John MacArthur, Eu Amo a Tua Igreja, ó Deus!: In: John MacArthur, et. al. Avante, Soldados de Cristo: uma reafirmação bíblica da Igreja, São Paulo: Cultura Cristã, 2010. p. 22.
[2]François Turretini, Compêndio de Teologia Apologética, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 3, p. 360.
[3]“9 Ou não sabeis que os injustos não herdarão o reino de Deus? Não vos enganeis: nem impuros, nem idólatras, nem adúlteros, nem efeminados, nem sodomitas, 10 nem ladrões, nem avarentos, nem bêbados, nem maldizentes, nem roubadores herdarão o reino de Deus. 11 Tais fostes alguns de vós; mas vós vos lavastes, mas fostes santificados, mas fostes justificados em o nome do Senhor Jesus Cristo e no Espírito do nosso Deus” (1Co 6.9-11). “À igreja de Deus que está em Corinto, aos santificados em Cristo Jesus, chamados para ser santos, com todos os que em todo lugar invocam o nome de nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor deles e nosso” (1Co 1.2).
[4]“16 No dia em que Deus, por meio de Cristo Jesus, julgar os segredos dos homens, de conformidade com o meu evangelho. 17 Se, porém, tu, que tens por sobrenome judeu, e repousas na lei, e te glorias em Deus; 18 que conheces a sua vontade e aprovas as coisas excelentes, sendo instruído na lei; 19 que estás persuadido de que és guia dos cegos, luz dos que se encontram em trevas, 20 instrutor de ignorantes, mestre de crianças, tendo na lei a forma da sabedoria e da verdade; 21 tu, pois, que ensinas a outrem, não te ensinas a ti mesmo? Tu, que pregas que não se deve furtar, furtas? 22 Dizes que não se deve cometer adultério e o cometes? Abominas os ídolos e lhes roubas os templos? 23 Tu, que te glorias na lei, desonras a Deus pela transgressão da lei? 24 Pois, como está escrito, o nome de Deus é blasfemado entre os gentios por vossa causa” (Rm 2.6-14). “5 Para vergonha vo-lo digo. Não há, porventura, nem ao menos um sábio entre vós, que possa julgar no meio da irmandade? 6 Mas irá um irmão a juízo contra outro irmão, e isto perante incrédulos! 7 O só existir entre vós demandas já é completa derrota para vós outros. Por que não sofreis, antes, a injustiça? Por que não sofreis, antes, o dano? 8 Mas vós mesmos fazeis a injustiça e fazeis o dano, e isto aos próprios irmãos!” (1Co 6.5-8). “Para a apresentar a si mesmo igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, porém santa e sem defeito” (Ef 5.27).
[5]Veja-se: Confissão de Westminster,XXX.3.
[6] “Respondeu Jesus: O meu reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, os meus ministros se empenhariam por mim, para que não fosse eu entregue aos judeus; mas agora o meu reino não é daqui” (Jo 18.36). “Porque as armas da nossa milícia não são carnais, e sim poderosas em Deus, para destruir fortalezas, anulando nós sofismas” (2Co 10.4).
[7]“Tomai também o capacete da salvação e a espada do Espírito, que é a palavra de Deus” (Ef 6.17).
[8] Veja-se: John Frame, Teologia Sistemática, São Paulo: Cultura Cristã, 2019, v. 2, p. 381.
[9]João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 2, (II.5), p. 177.
[10] Juan Calvino, Respuesta al Cardeal Sadoleto,p. 32.
[11] Catecismo Menor de Westminster,Pergunta, 85 In: A Confissão de Fé, O Catecismo Maior e o Breve Catecismo,São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1991, (Edição Especial), p. 431 (Veja-se: também, a Pergunta, 88).
[12]William Hendriksen, O Evangelho de João,São Paulo: Cultura Cristã, 2004, (Jo 20.22-23), p. 895.
[13] “E caso perseverem na mesma contumácia, por fim são declarados, diante de toda a igreja, no nome do Senhor, como excluídos da comunhão da igreja, até que venham a ser reconciliados com Deus e a igreja mediante genuíno e sério arrependimento” (François Turretini, Compêndio de Teologia Apologética, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 3, p. 358).
[14] O Código do Direito Canônico, (1917) Cânon 870, dizia: “No Confessionário o ministro tem o poder de perdoar todos os crimes cometidos depois do batismo”. O seu equivalente no Código do Direito Canônico, (1983) Cânon 959, ainda que de forma atenuante, diz: “No sacramento da penitência, os fiéis que confessam seus pecados ao ministro legítimo, arrependidos e com o propósito de se emendarem, alcançam de Deus, mediante a absolvição dada pelo ministro, o perdão dos pecados cometidos após o batismo e, ao mesmo tempo, se reconciliam com a Igreja, à qual ofenderam pelo pecado” (Veja-se: Código de Direito Canônico, São Paulo: Edições Loyola, 1983).