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A Pessoa e Obra do Espírito Santo (370) - Hermisten Maia

A Pessoa e Obra do Espírito Santo (370)

c) Louvando a Deus (Continuação)

Cantar com a integralidade de nossa fé

As grandes decisões do passado cristão foram tomadas por pessoas que cantavam e oravam com seus irmãos na fé, que experimentaram a edificação inestimável do culto regular e as tristezas decepcionantes dos conflitos eclesiásticos, e que muitas vezes expuseram amplamente suas ideias por escrito ou oralmente. Apresentar as suas vozes não é simplesmente oferecer atrativo, mas mostrar que os grandes acontecimentos da história da igreja sempre envolveram pessoas de verdade, para as quais o culto regular, o estudo das Escrituras, a participação nos sacramentos e a atenção à pregação e ao ensino constituíram o fundamento do que está escrito nos livros. – Mark A. Noll.[1]

          Agostinho (354-430) colocou esta questão em termos belos: “Quem canta com parcialidade, canta canções antigas; qualquer de seus cânticos é velho, é o velho homem que canta. Está dividido, é carnal. Certamente, enquanto é carnal é velho, e à medida em que é espiritual, é novo”.[2] Devemos cantar ao Senhor com novidade de vida, com integridade.

          Os cânticos devem ser a expressão de uma experiência com Deus, “porque é certo que jamais agradarão a Deus os louvores que não procedam desta fonte de amor”, orienta-nos Calvino.[3]

          É natural que com o tempo, os hinos passem a fazer parte de nossa história de vida: Eles, sem dúvida, retratam verdades bíblicas; contudo, estas verdades, cridas por nós, assumem um significado subjetivo quando são vivenciadas, muitas vezes – ainda que não exclusivamente –, em nossas crises, angústias e mesmo júbilo.

          Deste modo, assim como há textos das Escrituras marcantes, que falam de modo especial à nossa experiência de vida, há hinos que realçam momentos de nossa comunhão com Deus e, também, às vezes a dura realidade cotidiana. Se vocês pararem por um instante certamente se lembrarão de hinos que estiveram associados à sua conversão, a momentos alegres e dolorosos, à determinadas épocas de sua vida: infância, mocidade ou mesmo a atualidade. Obviamente, a nossa experiência não esgota o sentido dos hinos, mas, sem dúvida, elas ressignificam a mensagem.

          O meditar nos feitos de Deus é um imperativo ao louvor. O salmista louva a
Deus considerando o seu livramento: “Bendito seja o Senhor, porque me ouviu as vozes súplices! O Senhor é a minha força e o meu escudo; nele o meu coração confia, nele fui socorrido; por isso, o meu coração exulta, e com o meu cântico o louvarei” (Sl 28.6-7).

          Comenta Calvino:

Quando Deus esparge alegria em nossos corações, o resultado deve ser que nossos lábios se abram para entoar seus louvores.[4]

Visto que o salmista mais adiante trata das obras portentosas de Deus, e particularmente da preservação da Igreja, não causa surpresa que ele exorte os justos a cantarem um cântico novo, isto é, um cântico raro e selecionado. Quanto mais atenta e diligentemente os crentes consideram as obras de Deus, mas eles se aplicarão aos seus louvores.[5]

          O nosso louvor está também associado à nossa fé. Davi angustiado, fugindo de uma perseguição implacável de Saul, assim mesmo vislumbrava alegremente o seu salvamento: “Regozije-se o meu coração no teu salvamento”(Sl 13.5).

          O curioso é que o salmista além de olhar para o futuro, não perde o contato com a realidade presente, enxergando que apesar de todas as suas dificuldades, Deus lhe tem feito muito bem (Sl 13.6).

          No verso 3, ele pede a Deus: Ilumina-me (rAa) (‘ôr) os olhos”.Iluminar os olhos, no idioma hebraico, significa o mesmo que soprar o fôlego de vida, porquanto o vigor de vida transparece principalmente nos olhos”, interpreta Calvino.[6]

          O Salmo que começa com perguntas angustiantes e dolorosas (Sl 13.1-2), termina com um cântico de confiante fé e alegria radiante. O seu desânimo transforma-se em alegre confiança. Tendo os olhos iluminados, conforme pediu a Deus, pôde ver com mais clareza as bênçãos de Deus; por isso diz: “[Deus] me tem feito muito bem (lmg) (gamal)[7](Sl 13.6).

          Davi ainda não pode enxergar completamente o livramento futuro, no entanto, confia em Deus, por isso, O louva firmado na fé que vê o invisível; experiencia o que diz Hebreus: “Ora, a fé é a certeza de cousas que se esperam, a convicção de fatos que se não veem”(Hb 11.1). Deste modo o nosso louvor é um testemunho de nossa confiança no cuidado providente de Deus.

          Assim, assume o compromisso: “Cantarei ao Senhor”(Sl 13.6). A alegria do salmista se manifesta em cântico. Aqui o cantar não é uma simples terapia, antes, a expressão de uma alma confiante e agradecida. Portanto, seguindo a linha de Agostinho e Calvino, é que para nós Reformados o quê cantamos assume a preponderância em nosso louvor. Devemos fazer com sinceridade, integridade de coração, expressando o que aprendemos biblicamente e, que, pelo Espírito, faz parte de nossa fé. “Nosso louvor só pode ser aprovado por Deus se o mesmo repousar sobre a pura verdade”, conclui Calvino.[8]

          Nesta mesma tradição litúrgica, acentua Lloyd-Jones (1899-1981):

Sempre nos compete lembrar-nos de que não devemos concentrar-nos só em cantar a melodia. No momento em que fazemos isso, já nos afastamos da instrução do apóstolo. As palavras vêm em primeiro lugar – elas são mais importantes que a melodia. Naturalmente, as palavras e a melodia devem vir juntas, consorciadas e fundidas para darem expressão ao nosso louvor. Mas não há nada que seja tão fatal como entoar a melodia somente, sem dar atenção às palavras.[9]

          Devemos, portanto, cantar com sinceridade, meditando naquilo que cantamos, como expressão de nossa fé, com integridade e moderação. Como vimos, os cânticos são didáticos; por meio deles aprendemos a Palavra de Deus, expressamos a nossa fé e memorizamos as Escrituras.

               Os cânticos que não nos conduzem à Palavra, por mais emocionantes e cativantes que sejam, não edificam. Precisamos ter sempre diante de nós que é impossível ser edificado espiritualmente fora da Palavra. A Palavra de Deus deve ser sempre o critério aferidor de todas as nossas experiências, emoções e gosto. Insistimos: fora da Palavra não há edificação, nem crescimento espiritual. Deus não requer de nós simplesmente criatividade. Ele requer fidelidade.

          Agostinho (354-430), de forma poética, mostra que o nosso louvor a Deus é o fruto do trabalho do Agricultor em nós. Embora o louvor nada acrescente a Deus, nós crescemos quando sinceramente bendizemos o Senhor atestando o resultado de sua obra em nós:

Quando Deus nos abençoa, nós crescemos, e quando bendizemos ao Senhor, também crescemos; ambas as coisas são para o nosso proveito. Ele nada ganha quando o bendizemos, nem diminui por nossas maldições. (…) A bênção do Senhor vem-nos em primeiro lugar, e por consequência também nós bendizemos ao Senhor. A primeira é a chuva, e esta é o fruto. Por isso estamos entregando a Deus, o agricultor, que nos manda a chuva e nos cultiva, o fruto que produzimos. Cantemos estas palavras com devoção, mas não estéril, nem só de voz, mas com um coração sincero.[10]

          No nosso louvor, Deus é quem deve ser engrandecido, a sua glória é que deve ser buscada:

Se, pois, jubilais de tal modo que Deus ouça, salmodiai também de sorte que os homens vejam e ouçam; mas não a vosso nome. (…) Presta atenção ao fim, conta com certa finalidade; considera qual o fim que te move. Se ages assim para seres glorificado, foi o que proibi; se, porém, para que Deus seja glorificado, foi o que mandei. Salmodiai, portanto, não a vosso nome, mas ao nome do Senhor vosso Deus. Salmodiai vós; Ele seja louvado; vivei bem e Ele seja glorificado.[11]

Maringá, 11 de dezembro de 2021.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]Mark A. Noll, Momentos Decisivos na História do Cristianismo, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2000, p. 15.

[2] Agostinho, Comentário aos Salmos, v. 2, (Sl (65) 66.6), p. 371.

[3] João Calvino, As Institutas,III.20.20.

[4]João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 1, (Sl 28.7), p. 608.

[5]João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 2, (Sl 33.3), p. 58.

[6] João Calvino, O Livro de Salmos,v. 1, (Sl 13.3), p. 265. O abatimento evidencia-se nos olhos (Sl 6.7; 38.10). Há uma passagem reveladora sobre este ponto: O exército de Saul perseguia aos filisteus e Saul conjurou o povo a nada comer enquanto ele não se vingasse dos seus inimigos: os seus homens estão com fome; Jônatas que não ouvira a ordem de seu pai, quando passando pelo bosque viu mel, tomou e bebeu. Assim diz as Escrituras: “…. estendeu a ponta da vara que tinha na mão, e a molhou no favo de mel; e, levando a mão à boca, tornaram a brilhar (rAa) (‘ôr) os seus olhos” (1Sm 14.27) (Veja-se: Pv 29.13). Também, podendo significar o estar doente: “Tinha Moisés a idade de cento e vinte anos quando morreu; não se lhe escureceram os olhos, nem se lhe abateu o vigor” (Dt 34.7).

[7]lmg (gamal) significa os benefícios provenientes da graça de Deus (Cf. João Calvino, O Livro de Salmos,v. 1 (Sl 13.6), p. 268). Veja-se também: Albert Barnes, Notes on the Old Testament,11. ed. Grand Rapids, Michigan: Baker, 1973, v. 1, p. 112). Para um exame mais detalhado, vejam-se: K. Seybold, Gãmal: In: G. Johannes Botterweck; Helmer Ringgren, eds., Theological Dictionary of the Old Testament, Grand Rapids, MI.: Eerdmans, 1975, v. 3, p. 23-33; G. Sauer, Gml: In: E. Jenni; C. Westermann, eds., Diccionario Teologico Manual Del Antiguo Testamento, Madrid: Ediciones Cristiandad, 1978, v. 1, col. 607-609; Jack P. Lewis, Gãmal: In: Laird Harris, et. al., eds. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 274-275; Eugene Carpenter, Gml: In: Willem A. VanGemeren, org., Novo Dicionário Internacional de Teologia e Exegese do Antigo Testamento, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 1, p. 846-848).

[8] João Calvino, O Profeta Daniel: 1-6,São Paulo: Parakletos, 2000, v. 1, (Dn 3.8-13), p. 199.

[9]D.M. Lloyd-Jones, Cantando ao Senhor, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2003, p. 42. O Diretório de Culto de Westminster (1645) orienta:

            “É dever dos cristãos louvar a Deus publicamente cantando salmos juntos na Igreja, e também em particular na família.

            “Ao cantar os salmos, a voz deverá ser afinada e ordenada com seriedade; mas o cuidado maior precisa ser o de cantar com o entendimento e com graça no coração, erguendo melodias ao Senhor” (O Diretório de Culto de Westminster, São Paulo: Editora Os Puritanos, 2000, p. 65). “Música é bom. Alguma música é algo muito bom. Mas música sempre, não é bom, a menos que isso sirva à Palavra. Imagens são boas. Algumas imagens são muito boas. Mas as melhores imagens são aquelas que estão em sua mente, colocadas ali por palavras. (…) Deus usa palavras. É por isso que, geralmente, temos os nossos púlpitos no meio do salão de culto, porque acreditamos na centralidade da Palavra. É por isso que pregamos mais do que cantamos, porque nós cremos na prioridade da Palavra” (Stuart Olyott, Jonas – O Missionário bem-sucedido que fracassou, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2012, p. 23).

[10] Agostinho, Comentário aos Salmos, São Paulo: Paulus, (Patrística, 9/2), 1997, v. 2, (Sl (67) 66.1), p. 361.

[11] Agostinho, Comentário aos Salmos, v. 2, (Sl (66) 65.3), p. 336, 337.

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