A Pessoa e Obra do Espírito Santo (356)
6.4.8.4.4. É uma unidade de propósito
Portanto, se queremos ter um só e único Deus, lembremo-nos de que, na verdade, não se deve subtrair de sua glória nem sequer uma partícula, senão que deve conservar para ele o que é seu por direito. – João Calvino.[1]
O Espírito constitui a Igreja com o propósito de glorificar a Deus, proclamando os seus atos heroicos e salvadores (1Pe 2.9-10). A Igreja por sua vez glorifica a Deus sendo-lhe obediente (Jo 14.21/Jo 17.4).
Mesmo que não consigamos uma unidade organizacional devido a métodos e estilos diferentes, devemos, no entanto, estar comprometidos com a glória de Deus, que é a nossa vocação incondicional e suprema (1Co 10.31).
A Igreja em sua natureza, a despeito de sua luta contra o pecado sobrevivente, fraquezas e dificuldade em ver a altura do seu privilégio, reflete aspectos da glória de Deus.
Somente o Deus da glória em sua misericórdia formaria e preservaria a sua Igreja a despeito de nossos pecados, meus e seus. Ao mesmo tempo, essa Igreja, como vimos, quando a obra santificadora de Cristo for concluída, manifestará em sua existência, santidade e proclamação a grandeza soberana e majestosa de Cristo. (Ef 5.22-25; Jd 24-25).[2]
Os salmistas cantam de forma exultante a glória de Deus:
7Levantai, ó portas, as vossas cabeças; levantai-vos, ó portais eternos, para que entre o Rei da Glória. 8Quem é o Rei da Glória (dAbK’) (kabod)? O SENHOR, forte e poderoso, o SENHOR, poderoso nas batalhas. 9Levantai, ó portas, as vossas cabeças; levantai-vos, ó portais eternos, para que entre o Rei da Glória (dAbK’) (kabod). 10Quem não se deve subtrair de sua glória nem sequer uma partícula, senão que deve conservar para ele o que é seu por direito é esse Rei da Glória (dAbK’) (kabod)? O SENHOR dos Exércitos, ele é o Rei da Glória (dAbK’) (kabod). (Sl 24.7-10).
Não a nós, SENHOR, não a nós, mas ao teu nome dá glória (dAbK’) (kabod), por amor da tua misericórdia e da tua fidelidade. (Sl 115.1).
A glória pertence a Deus e, por extensão ao seu reino visto que Ele mesmo não é glorioso pelo seu reino, mas, o seu reino e reinado são grandiosos porque Deus é o Rei da glória. A glória não está originariamente no que Deus realiza, mas, no fato de Deus ser autoglorioso e, por isso mesmo, realizar obras gloriosas.
Bavinck comenta:
Para essa glorificação de si mesmo Deus não precisa do mundo, pois não é a criatura que independente e suficientemente exalta a honra de Deus; pelo contrário, é Ele que, por meio de suas criaturas ou sem elas, glorifica Seu próprio nome e revela-se a si mesmo. Deus, portanto, nunca procura a criatura para encontrar algo de que esteja precisando.[3]
Escreve o salmista: “Excelso (~Wr) (rum) (= exaltado) é o SENHOR, acima de todas as nações, e a sua glória (dAbK’) (kabod), acima dos céus” (Sl 113.4/Sl 138.5-6).
A natureza, ainda que de forma relativamente diminuta, expressa aspectos da glória do Rei eterno evidenciando o seu glorioso poder entre todas as nações: “Os céus anunciam a sua justiça, e todos os povos veem a sua glória (dAbK’) (kabod)” (Sl 97.6).
Em toda a terra a glória de Deus é manifesta: “Sê exaltado, ó Deus, acima dos céus; e em toda a terra esplenda a tua glória (dAbK’) (kabod)” (Sl 108.5).
Por mais gloriosa que seja a criação de Deus, expressando aspectos do seu Criador, tais como: beleza, grandeza, soberania, sabedoria, harmonia e bondade, ela não se compara ao Criador que é extremamente mais glorioso do que toda a criação. A beleza pura, plena e consumada só temos absolutamente em Deus.
Por isso, a obra de Deus não é um ato isolado de sua glória ou um ato de “superação” – como a de um artista que se supera na criação de sua “obra-prima” –, antes é a expressão compreensível a nós de sua transcendente glória que ultrapassa totalmente a nossa capacidade de compreensão (Rm 11.33-36/Jó 36.22,26; 37.5,16).
A glória de Deus está expressa em tudo o que realiza. A natureza de Deus se evidencia em todas as suas realizações. Porém, como acentua Allen:
Essas relações conosco não conseguem revelar e não revelam a essência divina para nós; pois a criação é um efeito de Deus. A encarnação e nossa recepção da nova vida vêm dela também são resultados da ação de Deus. Todos estes efeitos de Deus não esgotam a magnitude de sua fonte. Um efeito, mesmo grande, não pode revelar a plena extensão ou natureza de sua fonte inexaurível. Assim, até mesmo nos atos de criação e redenção, a natureza essencial de Deus, ou Seu ser não é conhecível. Embora essa natureza essencial esteja presente, e presente de maneira inédita na encarnação, nós não podemos compreendê-la plenamente. As ações de Deus nunca exaurem a natureza divina, e nós conhecemos a Deus somente quando Ele age ou se relaciona conosco.[4]
A glória de Deus por pertencer essencialmente a Ele, de nada carece: permanece inalterada em tudo que criou e preserva.[5] Deus criou todas as coisas, inclusive a Igreja, para a sua Glória. “Glória é excelência manifestada. A excelência dos atributos de Deus é manifestada por sua operação”.[6] A glória de Deus por ser-lhe inerente, não lhe é atribuída, acrescentada, diminuída ou mesmo esgotada em sua complexidade;[7] é-Lhe totalmente intrínseca.
Ele é o Rei, o Senhor e Pai da Glória (Sl 24.7-10; At 7.2; Ef 1.17)[8] que, por meio de seu Filho “vestido de nossa carne, se revelou agora para ser o Rei da glória e Senhor dos Exércitos”, comenta Calvino.[9] (1Co 2.8; Tg 2.1/Jo 1.14).[10] A criação exibe aspectos da glória divina, porém, a Igreja é uma expressão especial, como comenta Calvino: “Ainda que Deus seja suficiente a si mesmo e se satisfaça exclusivamente consigo mesmo, não obstante quer que sua glória se manifeste na Igreja”.[11]
A realidade, os fenômenos gloriosos da criação envolvendo os homens e os animais, revelam a glória de Deus.
O alvo final de todas as coisas é a glória Deus. Nada é mais elevado ou importante do que o próprio Deus. Há aqui um desafio extremamente difícil para todos nós individualmente e para a Igreja como um todo: abrir mão de nossos interesses aparentemente mais relevantes (aliás, em nossa ótica, o que há de mais importante do que os nossos interesses?) pelo que, de fato, é urgentemente relevante em sua própria essência: Reconhecer a glória de Deus manifestada em sua criação, Palavra e atos na história.
A maioria das pessoas que conviveu com Jesus Cristo durante o seu ministério terreno não conseguia perceber que aquele homem tão doce e acessível, amado e odiado, reverenciado e temido, era o próprio Deus encarnado. O Deus, o Senhor da glória.[12]
Paulo escreve aos coríntios mostrando a nulidade do conhecimento humano diante da sublimidade de Cristo, o Senhor: “Sabedoria essa que nenhum dos poderosos deste século conheceu; porque, se a tivessem conhecido, jamais teriam crucificado o Senhor (ku/rioj) da glória” (1Co 2.8/Tg 2.1/Jo 17.1-5).
Os nossos cânones intelectuais, sociais e culturais não conseguem por si só enxergar a majestade do Filho visto que não temos como mensurar o incomensurável.
Como essa é também uma questão essencialmente espiritual, Satanás está comprometido com o velamento de nosso entendimento para que a Glória do Filho revelada no Evangelho não resplandeça a nós: “O deus deste século cegou o entendimento dos incrédulos, para que lhes não resplandeça a luz do evangelho da glória de Cristo, o qual é a imagem de Deus” (2Co 4.4).
Lloyd-Jones ilustra esse ponto positivamente partindo do exemplo de Jesus Cristo que, nessa oração revela a sua genuína preocupação: glorificar o Deus Pai (Jo 17.1):
Acima de nossa preocupação com as almas dos homens e com a sua salvação deve estar a nossa preocupação com a glória de Deus. O que devemos acentuar para os homens e para as mulheres que estão fora de Cristo e para os pecadores do mundo atual não é, primariamente, o fato de que eles são pecadores, e que são infelizes porque são pecadores, mas o fato de que o pecado deles é uma agressão a Deus e uma difamação da glória de Deus. O nosso interesse pela glória de Deus deve vir antes do nosso interesse pelo estado e condição do pecador. Isso foi verdade quanto ao nosso Senhor, e é Ele que nos envia.[13]
Jesus Cristo desafia a Igreja a assumir a sua identidade, não uma simples máscara periódica, antes, como autêntico povo de Deus alcançado e constituído por sua misericórdia:
Vós sois o sal da terra; ora, se o sal vier a ser insípido, como lhe restaurar o sabor? Para nada mais presta senão para, lançado fora, ser pisado pelos homens. Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder a cidade edificada sobre um monte; nem se acende uma candeia para colocá-la debaixo do alqueire, mas no velador, e alumia a todos os que se encontram na casa. Assim brilhe também a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem (doca/zw) a vosso Pai que está nos céus (Mt 5.14-16).
A Igreja, como criação de Deus, é conclamada a viver harmoniosamente glorificando a Deus, sendo um sinal luminoso que aponta de forma efetiva para o seu Criador, a fim de que todos, por meio do nosso testemunho, possam glorificá-lo.
Maringá, 29 de novembro de 2021.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1]João Calvino, As Institutas I.12.3.
[2] “25Maridos, amai vossa mulher, como também Cristo amou a igreja e a si mesmo se entregou por ela, 26para que a santificasse, tendo-a purificado por meio da lavagem de água pela palavra, 27 para a apresentar a si mesmo igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, porém santa e sem defeito” (Ef 5.25-27). “24 Ora, àquele que é poderoso para vos guardar de tropeços e para vos apresentar com exultação, imaculados diante da sua glória, 25 ao único Deus, nosso Salvador, mediante Jesus Cristo, Senhor nosso, glória, majestade, império e soberania, antes de todas as eras, e agora, e por todos os séculos. Amém!” (Jd 24-25).
[3]Herman Bavinck, Teologia Sistemática, Santa Bárbara d’Oeste, SP.: SOCEP., 2001, p. 183.
Diógenes Allen; Eric Springsted, Filosofia para entender Teologia, 3. ed., Santo André, SP.; São Paulo: Academia Cristã; Paulus, 2010, p. 25-26. Calvino, escrevera: “Ora, visto que a majestade de Deus, em si mesma, vai além da capacidade humana de entendimento e não pode ser compreendida por ela, devemos adorar sua grandiosidade em vez de investigá-la, a fim de não permanecermos extasiados por tão grande esplendor. Assim, devemos buscar e considerar Deus em suas obras, que as Escrituras chamam de representações das coisas invisíveis (Rm 1.20; Hb 11.1), visto que estas obras representam, para nós, aquilo do Senhor que de outra forma não podemos ver. Ora, isso não mantém nosso espírito suspenso no ar através de especulações frívolas e vãs, mas é algo que devemos conhecer e que gera, nutre e confirma em nós uma piedade verdadeira e sólida, ou seja, uma fé unida ao temor reverente” (João Calvino, Instrução na Fé, Goiânia, GO: Logos Editora, 2003,Cap. 3, p. 13).
[5]Veja-se: João Calvino, Romanos,2. ed. São Paulo: Parakletos, 2001, (Rm 11.36), p. 430.
[6]A.A. Hodge, Esboços de Theologia, Lisboa: Barata & Sanches, 1895, p. 223.
[7]“Pois se homens e anjos juntassem sua eloquência em função deste tema, ainda assim tocariam mui diminutamente em sua imensurabilidade” (João Calvino, Efésios,São Paulo: Paracletos, 1998, (Ef 1.14), p. 39).
[8]“Levantai, ó portas, as vossas cabeças; levantai-vos, ó portais eternos, para que entre o Rei da Glória. Quem é o Rei da Glória? O SENHOR, forte e poderoso, o SENHOR, poderoso nas batalhas. Levantai, ó portas, as vossas cabeças; levantai-vos, ó portais eternos, para que entre o Rei da Glória. Quem é esse Rei da Glória? O SENHOR dos Exércitos, ele é o Rei da Glória” (Sl 24.7-10). “Estêvão respondeu: Varões irmãos e pais, ouvi. O Deus da glória apareceu a Abraão, nosso pai, quando estava na Mesopotâmia, antes de habitar em Harã” (At 7.2). “Para que o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, vos conceda espírito de sabedoria e de revelação no pleno conhecimento dele” (Ef 1.17). (Destaques meus).
[9] João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 1, (Sl 24.8), p. 536.
[10] “Sabedoria essa que nenhum dos poderosos deste século conheceu; porque, se a tivessem conhecido, jamais teriam crucificado o Senhor da glória (do/ca)” (1Co 2.8). “Meus irmãos, não tenhais a fé em nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor da glória (do/ca), em acepção de pessoas” (Tg 2.1). “E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória (do/ca), glória (do/ca) como do unigênito do Pai” (Jo 1.14).
[11]João Calvino, O Evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 1, (Jo 2.17), p. 100.
[12] Veja-se: R.C. Sproul, A Glória de Cristo, São Paulo: Cultura Cristã, 1997.
[13]D. M. Lloyd-Jones, Seguros Mesmo no Mundo, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2005 (Certeza Espiritual: v. 2), p. 20.