A Pessoa e Obra do Espírito Santo (338)
B) Obediência perseverante mesmo nas adversidades
Paulo descreve de forma sumária os seus sofrimentos e humilhações (1Co 4.9-13). Ele não consegue entender perfeitamente porque passa por tudo aquilo, no entanto, tem a certeza de que está fazendo a vontade de Deus.
Em 2 Coríntios 11 ele volta a falar um pouco mais detalhadamente de seus sofrimentos: açoites, naufrágios, perigos diversos, traições de falsos irmãos e, acima de tudo, a preocupação com a igreja de Cristo (2Co 11.28).
Como entender o caminho de Deus? E os nossos aparentes fracassos e frustrações?
Estevão morreu apedrejado. Saulo segura as vestes dos inquisidores. Mais tarde, este Saulo, possivelmente acima de qualquer suspeita de conversão, teve miraculosa e graciosamente, sua experiência salvadora com o Cristo a quem perseguia, sendo transformado em Paulo, o apóstolo (At 7.58; 9.1-25).
Mais tarde, Paulo deseja ir para a Bitínia, mas o Espírito o conduz à cidade de Filipos, na Europa. Paulo prega, inicia o trabalho e é preso e açoitado (At 16).
Posteriormente, em Corinto, Deus manda que ele permaneça ali porque o Senhor tinha muito povo naquela cidade (At 18.10). Paulo permaneceu mais de 18 meses (At 18.11,18). O trabalho prosperou. No entanto, foi nas Igrejas de Corinto que Paulo teve mais dificuldades e onde o seu ministério foi mais intensamente questionado.
Paulo faz alguns contrastes evidenciando a arrogância dos coríntios e as provações pelas quais passou:
“Já estais fartos” (kore/nnumi)²(8)
“Já estais ricos” (ploute/w) (8)
“Chegastes a reinar (basileu/w) sem nós” (8)
A Igreja julgava-se completa, saciada, rica e com todo o poder real. E tudo isso, segundo imaginava, sem a ajuda de Paulo e Apolo. O perigo de tal sentimento é evidente.
À Igreja de Laodicéia, Deus diz: “Pois dizes: Estou rico (plousi/oj) e abastado (ploute/w), e não preciso de cousa alguma, e nem sabes que tu és infeliz, sim, miserável, pobre, cego e nu” (Ap 3.17).
Paulo se descreveu como sendo o último entre todos os humilhados:
9 Porque a mim me parece que Deus nos pôs a nós, os apóstolos, em último lugar, como se fôssemos condenados à morte; porque nos tornamos espetáculo (Qea/tron) ao mundo, tanto a anjos, como a homens. 10 Nós somos loucos (mwro/j) por causa de Cristo, e vós, sábios em Cristo; nós, fracos (a)sqenh/j), e vós, fortes; vós, nobres, e nós, desprezíveis (a)/timoj). 11 Até à presente hora, sofremos fome, e sede, e nudez; e somos esbofeteados, e não temos morada certa, 12 e nos afadigamos, trabalhando com as nossas próprias mãos. Quando somos injuriados, bendizemos; quando perseguidos (diw/kw), suportamos; 13 quando caluniados, procuramos conciliação; até agora, temos chegado a ser considerados lixo (perika/qarma) do mundo, escória (peri/yhma) de todos. (1Co 4.9-13).
Os apóstolos foram postos em último lugar, como que na arena de gladiadores, como condenados à morte. Eles se tornam um espetáculo (teatro) (Qea/tron) para o divertimento de muitos (At 19.29,31). São considerados loucos (mwro/j) diante do mundo com os seus valores distantes de Deus.
Deste modo, os apóstolos são considerados “fracos” (a)sqenh/j) e “desprezíveis” (a)/timoj). Paulo registra as dificuldades que se perpetuavam em sua vida: fome, sede, nudez, esbofeteado, sem residência certa.
Vivia como nômade. Trabalha arduamente até a exaustão com as próprias mãos (At 20.34-35). Bendizendo, suportando as injúrias e perseguições. Procurando a conciliação mesmo sendo caluniado. Chegou ao ponto mais baixo: ser considerado “lixo” (perika/qarma) do mundo e “escória” (peri/yhma) de todos.
“Por meio dessa passagem toda, Paulo está interessado em acentuar a contradição entre os valores do cristão e os do grego sábio deste mundo”, interpreta Morris.
Calvino pontua que o senso de nossa vocação nos concede firmeza e perseverança em seguir a Deus:
Quem haverá de ser obscuro de condição, de cultivar sua vida individual não pesarosamente, de modo que não deserte a posição em que for divinamente colocado. Por outro lado, este não será um fraco alívio dos cuidados, labores, inquietações e outros fardos, enquanto cada um reconhecer que em todas estas coisas Deus é seu guia.
Os fiéis despenseiros sabem que têm uma tarefa a cumprir – esta é a sua vocação – e, assim procedem, ainda que não tenham uma dimensão completa de suas lutas e provações.
Maringá, 11 de novembro de 2021.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1]23 São ministros de Cristo? (Falo como fora de mim.) Eu ainda mais: em trabalhos, muito mais; muito mais em prisões; em açoites, sem medida; em perigos de morte, muitas vezes. 24 Cinco vezes recebi dos judeus uma quarentena de açoites menos um; 25 fui três vezes fustigado com varas; uma vez, apedrejado; em naufrágio, três vezes; uma noite e um dia passei na voragem do mar; 26 em jornadas, muitas vezes; em perigos de rios, em perigos de salteadores, em perigos entre patrícios, em perigos entre gentios, em perigos na cidade, em perigos no deserto, em perigos no mar, em perigos entre falsos irmãos; 27 em trabalhos e fadigas, em vigílias, muitas vezes; em fome e sede, em jejuns, muitas vezes; em frio e nudez. 28 Além das coisas exteriores, há o que pesa sobre mim diariamente, a preocupação com todas as igrejas. 29 Quem enfraquece, que também eu não enfraqueça? Quem se escandaliza, que eu não me inflame? 30 Se tenho de gloriar-me, gloriar-me-ei no que diz respeito à minha fraqueza. 31 O Deus e Pai do Senhor Jesus, que é eternamente bendito, sabe que não minto. 32 Em Damasco, o governador preposto do rei Aretas montou guarda na cidade dos damascenos, para me prender; 33 mas, num grande cesto, me desceram por uma janela da muralha abaixo, e assim me livrei das suas mãos” (2Co 11.23-33).
[2] kore/nnumi = “estar cheio”, “estar farto”, “ter o suficiente”. (* At 27.38; 1Co 4.8).
[3] ploute/w = No aoristo, conforme se encontra no texto, tem o sentido de “ter-se tornado rico”. O contraste interessante é estabelecido por Paulo em 2Co 8.9, onde Paulo diz: “Pois conheceis a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, que, sendo rico(plou/sioj), se fez pobre por amor de vos, para que pela sua pobreza vos tornásseis ricos(ploute/w)”.
[4]A ideia da palavra é de algo “imbecil”, “tolo”, “insensato”. Na literatura clássica está relacionada à falta de conhecimento e discernimento. Dentro do aspecto da insensatez, esta figura é aplicada ao sal que, se se tornar “insípido” (mwrai/nw) (Mt 5.13; Lc 14.34-35) para nada mais serve. No emprego feito por Paulo: a loucura da mensagem da cruz de Cristo está justamente pela sua falta de sentido intelectual para aqueles que querem avaliar o seu conteúdo dentro de seus pressupostos viciados. Em síntese, o evangelho soa como algo “simplório”. Paulo diz que Deus tornou “louca” (mwrai/nw) a sabedoria deste mundo (1Co 1.20). Por sua vez, os ímpios se considerando sábios, “tornaram-se loucos” (mwrai/nw) [Rm 1.22/Jr 10.14 [“estúpido” (mwrai/nw)], em sua idolatria, recebendo o justo castigo de Deus (Rm 1.23-27)]. Deste modo, a sabedoria de Deus será sempre loucura (mwri/a) para os sábios deste mundo que querem simplesmente adequar o evangelho aos seus pressupostos (1Co 1.18,23; 2.14). Dentro desta perspectiva, Deus escolheu então as “cousas loucas(mwro/j) do mundo” (1Co 1.27). Por outro lado, os que creem na loucura (mwri/a) da pregação serão salvos (1Co 1.21). A loucura (mwro/j) de Deus é mais sábia do que a sabedoria deste mundo (1Co 1.25). A sabedoria deste mundo é loucura (mwri/a) diante de Deus (1Co 3.19). Deus sabe que os pensamentos destes “sábios” são “vãos” [= “nulos”, “fúteis” (ma/taioj) *At 14.15; 1Co 3.20; 15.17; Tt 3.9; Tg 1.26; 1Pe 1.18](1Co 3.20) Portanto, se quisermos nos tornar sábios para Deus, tornemo-nos loucos (mwro/j) para as cousas deste mundo (1Co 3.18). De certa forma, somos os loucos de Cristo (1Co 4.10). Por sua vez, ilustrando que a “loucura” ou “insensatez” não são boas em si mesmas, Paulo faz recomendações práticas para que rejeitemos as questões “sábias” deste mundo que consistem em discussões e questões “insensatas” que produzem contendas, não tendo utilidade (2Tm 2.23; Tt 3.9 [“fúteis” (ma/taioj]). Portanto, o evangelho não tem a “loucura” e “insensatez” como virtudes (Mt 23.16-17; 25.1-13). A verdadeira sabedoria consiste em ouvir a Palavra de Deus e praticá-la. Loucura é desprezá-la (Mt 7.24-27).
[5]a)sqenh/j = Fisicamente doente, fraco, inexpressivo. Paulo diz que Deus escolheu as coisas fracas do mundo (1Co 2.27). Os falsos mestres, posteriormente, acusarão a presença de Paulo de ser fraca (2Co 10.10).
[6]a)/timoj = “desonrado”, “desprezado”, “o termo era empregado em referência aos privados da cidadania” (Canon Leon Morris, 1 Coríntios: introdução e comentário, São Paulo: Vida Nova/Mundo Cristão, 1981, (1Co 4.10), p. 65).
[7]perika/qarma (* 1Co 4.13). “Lixo”, “sujeira”, “refugo”: o resultado da ação: “o resíduo, aquilo que é removido mediante uma limpeza total”. Significa o que é jogado fora depois da purificação. “Aquilo que é removido por uma limpeza total” (H.-G. Link; J. Schattenmann, Puro: In: Colin Brown, ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, v. 3, p. 789. Veja-se também: F. Hauck, perika/qarma: In: G. Kittel; G. Friedrich, eds. Theological Dictionary of the New Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1981 (Reprinted), v. 3, p. 430-431). “Paulo parece estar pensando no próprio rito expiatório, visto que os desditosos indivíduos que eram dedicados a execrações eram levados pelas ruas, para que pudessem afastar o mal que espreitava em cada esquina da cidade, levando-o consigo, e assim conseguir uma purificação mais plena” (João Calvino, Exposição de 1 Coríntios,São Paulo: Paracletos, 1996, (1Co 4.13), p. 140).
[8]peri/yhma (*1Co 4.13). “Sujeira”, “porcaria”, “refugo”, “aquilo que foi removido”, “o que foi raspado”. A palavra é quase sinônima de perika/qarma. É uma expressão que indica desprezo e humilhação. A ideia de esfregar até que saia a sujeira. “Aquilo que é apagado como resultado do polimento completo” (Canon Leon Morris, 1 Coríntios: introdução e comentário, São Paulo: Vida Nova/Mundo Cristão, 1981, (1Co 4.13), p. 66). O “termo é usado para serragem, raspaduras de alguma sorte, bem como para a sujeira de assoalho” (João Calvino, Exposição de 1 Coríntios,São Paulo: Paracletos, 1996, (1Co 4.13), p. 140). Os atenienses para evitar calamidades públicas, anualmente lançavam uma vítima ao mar como um oferecimento para Possêidon. As vítimas tinham que ser voluntárias. Elas se propunham a se oferecer para purificar a cidade. Em geral eram pessoas jovens, podendo ser proeminentes, virgens, criminosos ou mendigos. Consequentemente o termo passou a ser usado para um oferecimento expiatório, um resgate (G. Stählin, Periyhma: In: G. Kittel; G. Friedrich, eds. Theological Dictionary of the New Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1981 (Reprinted), v. 6, p. 86-87; J.I. Packer, Sujeira: In: Colin Brown, ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, v. 4, p. 538). Posteriormente, a expressão passou a se referir ao homem que se sacrifica para que outros possam ser salvos; alguém que se gasta para servir o seu próximo (Veja-se: Eusebio de Cesarea, Historia Eclesiástica,Madrid: La Editorial Catolica, S.A., (Biblioteca de Autores Cristianos), 1973, VII.22.7).
[9]Canon Leon Morris, 1 Coríntios: introdução e comentário, (1Co 4.13), p. 65.