A Pessoa e Obra do Espírito Santo (328)
12) Seja marido de uma só mulher
“O diácono seja marido de uma só mulher e governe bem seus filhos e a própria casa” (1Tm 3.12).
Aqui não se estabelece uma regra dizendo que os diáconos devem ser casados. A questão civil não parece estar em foco. O que se diz é que eles, sendo casados, devem ser “maridos de uma só mulher”, devotados a ela com exclusividade em seu amor conjugal, carinho e cuidado.
Portanto, neste texto não se cogita da questão da poligamia, visto que um polígamo, nem sequer poderia ser membro da igreja.
Contudo, devemos nos lembrar, que mesmo as Escrituras combatendo tal prática (Gn 2.24; Mt 19.5-6; Mc 10.6-9; Ef 5.31), a poligamia era praticada no primeiro século, inclusive entre os judeus.
Além do mais, não devemos nos esquecer de que os pecados sexuais eram comuns por parte de judeus e de gentios (Rm 1.27; 7.3; 1Co 5.1,8; 6.9-11; 7.2; Gl 5.19; 1Tm 4.3-8). O que Paulo está dizendo, é que tanto o bispo (= presbítero) (1Tm 3.2) como o diácono (1Tm 3.12) “deve ser um homem de moralidade inquestionável, que seja inteiramente fiel e leal à sua única e exclusiva esposa; que, sendo casado, não se põe, segundo o costume dos pagãos, em uma relação imoral com outra mulher”, comenta Hendriksen (1900-1982). (Tratei como mais detalhes quando estudamos as qualificações dos Presbíteros).
13) Que governe bem seus filhos e sua própria casa
Em seu próprio lar, o pai da família é considerado o rei. Portanto, ele reflete a glória de Deus, por causa do controle que se acha em suas mãos. (…) Se o homem não conserva sua posição, e não se põe sob a autoridade de Cristo, de maneira a exercer sua própria autoridade na chefia de sua família, ele está, em certo sentido, obscurecendo a glória de Cristo, a qual é refletida na ordem bem constituída do matrimônio. – João Calvino.
“O diácono seja marido de uma só mulher e governe (proi/sthmi) (= liderar, dirigir, proteger) bem (kalw=j) seus filhos e a própria casa” (1Tm 3.12).
O governo de sua família deve ser bom. A palavra tem o sentido de algo essencialmente bom, tendo como ingrediente, o senso de honradez e beleza. O diácono deve ser um bom pai e marido. A sua direção deve ser conduzida com dignidade, não simplesmente pela força. Essa liderança deve ser no Senhor; ou seja, conforme os preceitos bíblicos.
Devemos pedir sabedoria a Deus a fim de cuidar de nossa família com a sabedoria bíblica a fim de não cedermos aos modismos antibíblicos que permeiam a sociedade em vários níveis e culturas.
Dediquemos um pouco mais de espaço a esse assunto.
Em nossa época, quando o padrão bíblico de família – mesmo no seu sentido mais elementar e natural, como constituído de um homem e uma mulher – tem sido esquecido, desprezado e vilipendiado, tendo como propósito fazer ruir os valores éticos da sociedade e, assim, torná-la mais vulnerável a todo tipo de absolutismo, a responsabilidade do marido tem sido escanteada e escarnecida sem nenhum pejo.
Hendriksen (1900-1982) faz um comentário pertinente: “Nenhuma instituição sobre a face da terra é tão sagrada quanto a família. Nenhuma é tão básica. Segundo a atmosfera moral e religiosa da família, assim será na igreja, na nação e na sociedade em geral”.
Concentremos a nossa atenção na família cristã, já que está é constituída por pessoas que amam a Deus e desejam obter uma maior compreensão do propósito de Deus expresso em sua Palavra (Ef 5.17).
A plenitude do Espírito, à qual todos os crentes devem buscar (Ef 5.18), também traz responsabilidades para os homens na condição de maridos e pais. Os princípios da Palavra de Deus são sempre amplos e multifacetados. As suas prescrições nunca são isoladas, casuísticas, ou apenas caminham em mão única. Antes, estabelecem orientações para todos, seja em que área for, em quaisquer situações que nos encontremos.
A história bíblica é uma demonstração prática de quão a sério devemos considerar as Escrituras, já que nas suas narrativas gradativamente vamos percebendo os frutos de uma vida que tem apreço por obedecer a Deus e os resultados da desobediência à Lei do Senhor.
Os mandamentos de Deus corretamente entendidos e praticados, não são penosos, ainda que com frequência nos deparemos com dificuldades resultantes dos nossos pecados (inclusive a falta de fé) e de outros, daí o exercício constante do aprendizado com Deus por intermédio da sua Palavra, que é suficiente para nos instruir, corrigir e educar (2Tm 3.16).
Portanto, quando esposas e maridos cumprem adequadamente os preceitos bíblicos, estes deveres passam a ser privilégios, motivos de satisfação, harmonia e crescimento para ambos.
Os maridos são comparados a Cristo, que se deu pela Igreja para preservá-la e, continuamente dela cuida, auxiliando-a inclusive, em sua santificação. Cabe aos maridos amar as suas esposas de forma que procure sempre o seu bem-estar, dispostos ao sacrifício se necessário para que o objeto do seu amor permaneça saudável seja em que aspecto for. “É somente quando compreendemos a verdade sobre a relação de Cristo com a Igreja, que podemos realmente agir como os maridos cristãos devem agir”, acentua Lloyd-Jones.
Aqui, surge um outro ponto: quando o marido assim procede para com a sua esposa, quando ele consegue sair de si mesmo para objetivar prioritariamente o seu amor, está cuidando de si mesmo; os dois são uma só carne e, é impossível ser feliz fazendo o outro infeliz. Daí percebermos a relação essencial dos dois princípios: a mulher é submissa e respeita o seu marido que a quer feliz e dela cuida prioritariamente.
O marido, por sua vez, esquece-se de si em prol de sua esposa que, por ser-lhe submissa, está sempre à procura de melhor agradar-lhe. Assim, as Escrituras apresentam uma cadeia perfeita de relação: ambos são uma só carne, que se ama, preserva e protege. Deste ponto, fica ainda mais evidente as dificuldades inerentes a um matrimônio com jugo desigual (2Co 6.14-18).
Lloyd-Jones (1899-1981) comenta:
Somente maridos e mulheres cheios do Espírito, é que terão uma verdadeira ideia do que um esposo deve ser e do que uma esposa deve ser, e em que deve consistir o relacionamento entre ambos. É o único meio pelo qual obter paz, unidade e concórdia, em vez de desunião, briga e separação, com tudo que resulta desses males.
Paulo é enfático: “Ninguém jamais odiou a própria carne; antes, a alimenta (e)ktre/fw) (nutrir, sustentar) e dela cuida (qa/lpw) (aquecer, acalentar, cuidar com afeição e carinho, acariciar), como também Cristo o faz com a igreja” (Ef 5.29).
Outro ponto destacado por Paulo associado ao enchimento do Espírito, é que os pais deveriam educar os filhos dentro dos princípios bíblicos. Não devemos nos esquecer de que a Bíblia também é a verdade no campo educacional. Ela deve ser a norma de todo o nosso pensar e agir. O propósito da educação bíblica é nos conduzir à maturidade, conforme a imagem de Cristo.
Como pais, temos também a responsabilidade de não provocar a ira de nossos filhos com um comportamento que reflita o equívoco de predileções, falta de apoio, menosprezo, provocações, ironias, excesso de proteção etc. (Cl 3.21; Gn 25.28; 37.3,4; 2Sm 14.13,28; 1Rs 1.6; Hb 12.9-11). A palavra “criai-os” (e)ktre/fw)(Ef 6.4) em contraposição à “ira”, indica que devemos criá-los ternamente, com brandura e amor, sem contudo, excluir a disciplina (paidei/a) e admoestação (nouqesi/a) no Senhor.
Calvino recomenda aos pais: “Tratem-nos com a brandura e a bondade adequadas à personalidade de cada um deles”. Notemos que o caráter de toda a educação e disciplina de nossos filhos – por meio de palavras e atos – é no Senhor. “O que caracteriza a criação cristã não é o método educacional, mas, sim, o propósito que se visa com ele”. A educação cristã visa conduzir a criança ao Senhor.
A admoestação (nouqesi/a) apresenta a ideia de educar por meio da palavra, usando deste recurso para aconselhá-lo, estimulá-lo e encorajá-lo quando for o caso e, também, se necessário, fazer uso do mesmo meio para censurar, reprovar e repreender com firmeza (Compare: 1Sm 2.24/1Sm 3.13). Paulo diz que passou três anos em Éfeso não deixando incessantemente de “admoestar (nouqete/w), com lágrimas, a cada um” (At 20.31).
A disciplina (paidei/a) é uma palavra mais ampla, abrangendo a educação não apenas verbal mas, também, por intermédio de atos que podem envolver rigidez com o objetivo de corrigir e ensinar.
Notemos, que a disciplina sendo mais abrangente – envolvendo a instrução e correção –, vinha primeiro. Já a admoestação parece ser após a execução da tarefa. Primeiro instruímos; depois, se necessário, exortamos e repreendemos ou, encorajamos conforme o comportamento do educando e as circunstâncias.
No Antigo Testamento, Eli foi repreendido por Deus porque os seus filhos que transgrediam a Lei (1Sm 2.22-25), não foram admoestados por ele: “Porque já lhe disse que julgarei a sua casa para sempre, pela iniquidade que ele bem conhecia, porque seus filhos se fizeram execráveis, e ele não os repreendeu (nouqete/w)” (1Sm 3.13). Salomão por sua vez, instrui: “A estultícia está ligada ao coração da criança, mas a vara da disciplina (LXX: paidei/a) a afastará dela” (Pv 22.15).
Calvino (1509-1564) comenta:
O tratamento bondoso e liberal conserva a reverência dos filhos para com seus pais, e aumenta a prontidão e a alegria de sua obediência, enquanto uma severidade austera e inclemente suscita sua obstinação e destrói seu respeito.
Mais à frente continua:
Deus não quer que os pais sejam excessivamente brandos com seus filhos, ao ponto de corrompê-los, poupando-os demais. Que sua bondade seja temperada, a fim de conservá-los na disciplina do Senhor, e corrigi-los também quando se desviarem. Essa idade requer frequente admoestação e firmeza com as rédeas, no caso de se soltarem.
A Palavra é a fonte de onde parte todo o ensino cristão. Paulo, inspirado por Deus, escreve: “Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra” (2Tm 3.16-17).
O “proveitoso”, tem a ver com o objetivo de Deus para o seu povo: que tenha uma vida piedosa e santa; seja maduro (perfeito).
Plantinga Jr., comenta:
Se elas [famílias] funcionam bem, tornam-se um microcosmo do reino de Deus, predispondo-nos à fé, à esperança e ao amor; e nos ensinando a paciência, suprindo a nossa memória com lembranças boas o suficiente para nos confortar numa noite solitária.
A maneira de o diácono governar a sua casa é um sintoma da sua capacitação ou não para exercer o seu ofício. Juntamente com sua família, ele deve se constituir num exemplo de vida cristã.
Portanto, podemos tomar como exemplo desse bom governo familiar o que Paulo prescreveu aos efésios (Ef 5.25-31; 6.4). Quem segue aquele padrão, certamente governará bem a sua família.
[1]William Hendriksen, 1 Timóteo, 2 Timóteo e Tito, São Paulo: Cultura Cristã, 2001, (1Tm 3.2-7), p. 153. Veja-se: Wayne A. Grudem, Teologia Sistemática, São Paulo: Vida Nova, 1999, p. 769. Para um panorama das interpretações, consulte: Gordon D. Fee, Novo Comentário Bíblico Contemporâneo: 1 e 2 Timóteo, Tito, Deerfield, Florida: Vida, 1994, p. 91-92.
[2] João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, São Paulo: Paracletos, 1996, (1Co 11.4), p. 331.
[3] “A criação de filhos não é uma forma de obtermos nossa salvação, mas um trabalho de amor que devemos exercer porque já estamos salvos e perdoados. Devemos pedir sabedoria ao Senhor e buscar aprender com a instrução da Bíblia” (Vern S. Poythress, O Senhorio de Cristo: servindo o nosso Senhor o tempo todo, em toda a vida e de todo o nosso coração, Brasília, DF.: Monergismo, 2019, p. 148).
[4]William Hendriksen, Exposição de Efésios, São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1992, (Ef 5.22), p. 308.
[5]É necessário discernimento para interpretar as doutrinas que nos são transmitidas a fim de saber se são de Deus ou não (Jo 7.17). Portanto, devemos desejar conhecer a vontade de Deus (Ef 5.17). Paulo orava para que os colossenses “transbordassem” (plhrwqh=te). A voz passiva indica aqui a ação de Deus; para que ”Deus encha vocês” deste genuíno conhecimento (Cl 1.9/Cl 4.12/Hb 13.21).
[6]D.M. Lloyd-Jones, Vida No Espírito: no casamento, no lar e no trabalho, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1991,p. 108.
[7]Admito que o texto de 2 Coríntios não esteja se referindo diretamente ao matrimônio; no entanto, temos de convir que este assunto ali está incluído (Veja-se: João Calvino, Exposição de 2 Coríntios, São Paulo: Paracletos, 1995, especialmente p. 139).
[8] D.M. Lloyd-Jones, Vida no Espírito,p. 21.
[9]Conferir, entre outros: William F. Arndt; F. WilburGingrich A Greek-English Lexicon of the New Testament, Chicago: The University of Chicago Press, 1957, p. 351
[10]1Ts 2.7.
[11]Aqui há uma variante textual que em nada modifica o sentido ou a teologia do texto. Em muitos manuscritos aparece a palavra Ku/rioj.
[12]Veja-se: Perry G. Downs, Introdução à Educação Cristã: Ensino e Crescimento, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2001, p. 17.
[13]Hendriksen faz uma lista de erros comuns cometidos pelos pais. Veja-se: William Hendriksen, Exposição de Efésios, (Ef 6.4), p. 325-326.
[14]Ocorre apenas duas vezes no NT., unicamente em Efésios: 5.29 e 6.4. A palavra apresenta a ideia de alimentar, sustentar, nutrir, educar. Calvino diz que este verbo “inquestionavelmente comunica a ideia de gentileza e afabilidade” (João Calvino, Efésios,(Ef 6.4), p. 181).
[15]Ocorre três vezes no NT.: 1Co 10.11; Ef 6.4; Tt 3.10
[16]João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 1, (III.68), p. 207. Em outro lugar e de forma mais genérica, escreveu: “A prudência, pois, aconselha que adequemos nossas instruções ao estado existencial de cada pessoa” (João Calvino, As Pastorais, São Paulo: Paracletos, 1998 (Tt 2.10), p. 333).
[17] F. Selter, Exortar: In: Colin Brown, ed. ger. Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento,São Paulo: Vida Nova, 1982, v. 2, p, 176.
[18] * At 20.31; Rm 15.14; 1Co 4.14; Cl 1.28; 3.16; 1Ts 5.12,14; 2Ts 3.15. A prática da admoestação deve ser natural entre os crentes visando à sua correção (Rm 15.4; 1Ts 5.14; 2Ts 3.15) e aperfeiçoamento (Cl 1.28); no entanto ela deve ser feita com amor (1Co 4.14; 2Ts 3.15) e sabedoria (Cl 3.16). Considerando que esta é também uma tarefa dos líderes da igreja, aqueles que se esforçam neste serviço devem ser estimados pela igreja (1Ts 5.12).
[19]Platão (427-347 a.C.) faz também a combinação de Paidei/a, sendo traduzidas por “ensinamento e admoestação” (Platão, A República,7. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, (1993), 399b, p. 128). Veja-se: Richard C. Trench, Synonyms of the New Testament,7. ed. London: Macmillan and Co. 1871, § xxxii, p. 104-108.
[20]João Calvino, Efésios,(Ef 6.4), p. 181.
[21]J. Calvino, As Pastorais,(2Tm 3.16-17), p. 264.
[22]Cornelius Plantinga Jr., O Crente no Mundo de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 2007, p. 115.