A Pessoa e Obra do Espírito Santo (291)
2) Positivamente considerando
1) Irrepreensível (a)nepi/lhmptoj) 1Tm 3.2. Reputação inatacável (*1Tm 5.7; 6.14). Certamente, o presbítero, como líder e em um ambiente hostil à fé cristã – ainda que não exclusivamente –, será acusado, caluniado, olhando com má-disposição. Muito disso não poderia ser evitado. No entanto, era necessário que sob um juízo justo, se evidenciasse a sua vida íntegra, inatacável.
Calvino faz uma relação apropriada: “A doutrina será de pouca autoridade, a menos que sua força e majestade resplandeçam na vida do bispo como o reflexo de um espelho. Por isso ele diz que o mestre seja um padrão ao qual os discípulos possam seguir”.[1]
2) Irrepreensível como despenseiro de Deus: (a)ne/gklhtoj) Tt 1.6,7. Irreprochável, irrepreensível. Esta exigência é para todos os crentes, tendo um sentido escatológico (*1Co 1.8; Cl 1.22; 1Tm 3.10). No entanto, Paulo acrescenta a cláusula, “como despenseiro (o(ikono/moj)[2] de Deus”(Tt 1.7). A palavra traduzida por “despenseiro”, tinha o sentido de “mordomo” (Lc 12.42); “administrador” (Lc 16.1); “tesoureiro” (Rm 16.23) e “curador” (Gl 4.2).
Façamos uma pequena digressão para analisar alguns aspectos da palavra “despenseiro”. A graça de Deus é responsabilizadora. Paulo trabalha com esse princípio para demonstrar a loucura da arrogância de determinados mestres coríntios.
Nos capítulos 1 e 3 da Primeira Carta aos Coríntios, Paulo indica o partidarismo existente na Igreja insuflado por falsos mestres. Agora, ele utiliza essa palavra para descrever o seu ministério, mostrando que pode ser aplicada ao trabalho de todos os que servem ao Senhor. Diz ele: somos despenseiros de Deus (1Co 4.1-2).
A palavra utilizada por Paulo (oi)kono/moj) fora empregada por Cristo para se referir ao “mordomo fiel” (pisto\j oi)kono/moj)(Lc 12.42). Em outra parábola, o contraste é estabelecido por meio da referência que Cristo fez ao “administrador infiel” (oi)kono/mon th=j a)diki/aj)(Lc 16.8), que tem o sentido de “injusto”, “iníquo”, “perverso”.[3]
O “despenseiro” era em geral um escravo colocado à frente dos negócios do seu senhor (mordomo, gerente das terras, cozinheiros chefe, contador, etc.). Deste modo, o senhor ficava livre de maiores encargos administrativos. Por sua vez, o mordomo usufruía de considerável autoridade no gerenciamento do que lhe fora confiado. No entanto, apesar de toda a sua relevância para o dia-a-dia do seu senhor, a verdade é que o despenseiro não passava de um escravo. “Em relação ao seu senhor, ele era um escravo; em relação aos escravos, era um superintendente”, pontua Morris (1914-2006).[4]
Para este ofício, além da competência, um ingrediente fundamental era a honestidade. Por isso, Paulo categorizar que “o que se requer dos despenseiros (oi)kono/moj) é que cada um deles seja encontrado fiel (pisto/j)” (1Co 4.2).
Paulo aplica a expressão “despenseiro” aos presbíteros, dizendo que o bispo deve ser “irrepreensível como despenseiro (oi)kono/moj) de Deus” (Tt 1.7). Do mesmo modo, Pedro falando à Igreja em geral, diz que devemos servir uns aos outros“cada um conforme o dom que recebeu, como bons despenseiros (oi)kono/moj) da multiforme graça de Deus”(1Pe 4.10).
Portanto, o presbítero deve ser inatacável como administrador dos bens de Deus que lhe foram confiados. Aliás, as características fundamentais do mordomo (= administrador, despenseiro, tesoureiro) são: fidelidade e prudência (Lc 12.42; 1Co 4.1-2; 1Pe 4.10). O presbítero é um servo que não se arroga no direito de fazer o que bem entender de seu ofício. Deus é o Senhor. A Igreja é de Deus. Todos somos servos e não devemos perder esta dimensão em nosso serviço. O despenseiro serve a Deus por meio da Igreja que é Deus.
Há o perigo evidente quando somos investidos de certa autoridade, de começarmos a nos julgar senhores e não servos da Igreja de Deus. É preciso que vigiemos atentamente este ponto. Esta é uma tentação mais comum do que podemos imaginar. Independentemente da função que temos e por quantos anos a exercemos, somos servos, despenseiros.
3) Esposo de uma só mulher: 1Tm 3.2; Tt 1.6. A poligamia, ainda que não predominante, era praticada entre os orientais, inclusive entre os judeus (At 15.29; Rm 1.27; 7.3; 1Co 5.1,8; 6.9-11; 7.2; Gl 5.19; 1Tm 4.3-8). Paulo então, proíbe aos presbíteros a prática da poligamia “por ser ela o estigma de um homem impudico que não observa a fidelidade conjugal”, explica Calvino.[5]
Pensemos também em outra questão. Muitos dos que se converteram tinham anteriormente uma vida depravada, com várias mulheres e filhos com algumas delas. Pois bem: suponhamos que um homem destes tenha sido convertido ao Senhor. Agora, transformado pela graça de Deus vê que não pode continuar com o seu modo anterior de vida. Como resolver a questão?
Parece-nos simples no sentido de que ele deve permanecer com a sua primeira esposa de fato. Mas, e as outras mulheres e filhos? E aquelas que nem sequer sabiam que o seu pretenso “marido” era bígamo? Certamente ele teria que ajudar a cuidar de seus filhos; no entanto, sem dúvida a sua vida estaria para sempre marcada por este estigma, ainda que perdoado por Deus.
O problema é que tal homem estaria impossibilitado para o diaconato e o presbiterato. Ele seria um crente, como todos os outros, alcançado pela graça de Deus, mas, não poderia exercer estes ofícios. Devemos estar atentos também ao fato de que o critério para a escolha de presbíteros e diáconos envolvia, necessariamente, um exemplo de vida tanto pessoal, como de sua família, tanto dentro quanto fora da igreja.
Maringá, 14 de setembro de 2021.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1] João Calvino, As Pastorais, (Tt 2.7), p. 331.
[2] o(ikono/moj *Lc 12.42; 16.1,3,8; Rm 16.23; 1Co 4.1,2; Gl 4.2; Tt 1.7; 1Pe 4.10.
[3] a)diki/a (Lc 13.27; 18.6; Rm 1.18,29, etc.)
[4] Canon Leon Morris, 1 Coríntios: introdução e comentário, São Paulo: Vida Nova; Mundo Cristão, 1981, (1Co 4.1), p. 59.
[5] João Calvino, As Pastorais, (1Tm 3.2), p. 84.