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A Pessoa e Obra do Espírito Santo (216) - Hermisten Maia

A Pessoa e Obra do Espírito Santo (216)

3. Santificação como processo inacabado   

Os corações devem ser purificados pela fé e mantidos por Deus. ‒ Matthew Henry (1662-1714).[1]

               Deus é absolutamente santo, majestoso em sua santidade (Ex 15.11; Sl 99.9; Is 6.3) e deseja do seu povo uma vida de santidade.         Nós fomos separados dos valores deste mundo a fim de progredirmos em nossa fé.  

          Santificação, portanto, é, como vimos, o processo sobrenatural que se inicia com a regeneração, consistindo no progressivo abandono do pecado em direção a Deus. Nós somos santos em santificação![2]

Em outras palavras: Fomos separados do mundo (sendo santificados definitivamente, santidade posicional) para crescermos, progredirmos em nossa fé (santificação processual ou progressiva). O Espírito opera em nós a salvação a qual se evidencia em santificação (1Co 6.11; 2Co 3.18; 1Pe 1.2/Jo 17.17). A santidade posicional requer necessariamente a santidade existencial!

          Paulo cultua a Deus considerando que Deus nos escolheu na eternidade para sermos santos (Ef 1.4).[3] Deus nos elegeu para sermos aquilo que não éramos. Assim, a escolha divina não foi baseada em mérito algum; o seu propósito é tornar-nos santos.

A doutrina da santificação pressupõe que não somos perfeitos. Ela está relacionada com o homem pecador, cônscio de seus pecados, mas que, ao mesmo tempo, insatisfeito com a sua prática, deseja não mais praticá-los e, se aperfeiçoar espiritualmente, obedecendo aos mandamentos de Deus.

          A vida cristã não significa apenas ser salvo. A salvação é apenas o seu início, consistindo numa busca efetiva por conhecer a Deus por meio da sua Palavra, e vivenciá-la diariamente. O fato é que, ou buscamos a santidade ou na realidade nunca fomos eleitos por Deus. Esta é a verdade bíblica pura e simples: Não há eleição e consequentemente vida cristã, sem santificação (Ef 1.4).

          A santificação jamais terá fim nesta vida. Nós não somos perfeitos, nem o seremos enquanto estivermos neste modo de vida terreno. Todavia, buscamos a perfeição; caminhamos em sua direção.

Como não estamos livres da influência do pecado, significa que a nossa caminhada não é sempre na mesma direção. Muitas vezes avançamos, outras vezes retrocedemos, somos tentados a seguir atalhos que se mostram fascinantes, que, contudo, nos conduzem ao desvio de rota do propósito de Deus.  Contudo, nesse processo, até mesmo as nossas quedas e desvios, de alguma forma fazem parte do nosso currículo salvador tendo como propósito final glorificar a Deus.[4]

          A oração do “Pai Nosso” indica que somos pecadores carentes da misericórdia perdoadora de Deus.[5] O pecado continuará por todo este estado de existência a exercer influência sobre nós. Por isso, qualquer conceito de perfeccionismo espiritual, que declare que o crente não mais peca, é ilusório e, portanto, antibíblico.[6]

          A Palavra de Deus ensina enfaticamente que nós pecamos, mesmo após o nosso novo nascimento.[7] Lemos nas Escrituras: “Quem pode dizer: Purifiquei o meu coração, limpo estou do meu pecado?” (Pv 29.9). “Não há homem justo sobre a terra, que faça o bem e que não peque” (Ec 7.20. Vejam-se: Rm 6.20; 7.13-25; Tg 3.2. 1Jo 1.8).

Contudo não existem carências em nossa vida cristã que não possam ser supridas pelo próprio Cristo, nosso Senhor. E ele o faz nos renovando por meio do seu conhecimento pela Palavra.

O pecado tem um poder sutil. Ele nos aliena de Deus e, consequentemente de nós mesmos. Fornece-nos óculos coloridos por meio dos quais nunca enxergamos a gravidade de nossa real situação.

 A visão do pecado, por esta ótica, sempre nos parecerá fascinante e atraente. As possíveis perdas que talvez enxerguemos por cima das lentes, serão consideradas acidentes de percurso ou um preço baixo a ser pago pelas conquistas e prazeres alcançados.

O Cristianismo, no entanto, tem como um de seus ingredientes fundamentais, a consciência de que somos pecadores e, que, sem o perdão de Deus permanecemos sob a sua ira.

          O Apóstolo João não nos deixa nutrir nenhuma ilusão quanto a isso. Escrevendo aos crentes de todas as épocas, adverte-nos quanto ao fato concreto e real de nossos pecados:“Se dissermos que não temos pecado nenhum, a nós mesmos nos enganamos, e a verdade não está em nós”(1Jo 1.10/1Jo 2.1).

          Todavia, é preciso que entendamos que a consciência da não existência do perfeccionismo espiritual não nos pode conduzir ao extremo oposto de nos acomodar com o pecado e, até mesmo, nutrir um certo orgulho em preservá-lo.

A questão aqui é de equilíbrio: Não alcançamos a perfeita santidade; contudo, devemos buscá-la constantemente sem esmorecer.

Maringá, 18 de junho de 2021.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] Matthew Henry, Comentário Bíblico de Matthew Henry, 5. ed., Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2006, (Mt 5), p. 751.

[2] “O Novo Testamento não diz que os crentes devem ter vidas santas a fim de se tornarem santos; ao invés disso, ensina que os crentes, por serem santos, devem viver vidas santas! Esse, pois, é o primeiro e fundamental aspecto do dom divino da santificação” (J.I. Packer, Vocábulos de Deus, São José dos Campos, SP.: Fiel, 1994, p. 162-163).

[3]Assim como nos escolheu, nele, antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis perante ele; e em amor” (Ef 1.4).

[4] Veja-se: James P. Boyce,  Teologia Sistemática: Uma introdução aos pilares da fé,  Rio de Janeiro: Pro Nobis Editora, 2020, p. 498.

[5] Lutero (1483-1546), em seus sermões sobre o “Pai Nosso”, proferidos em 1517, nos chama a atenção para o fato de que, quando oramos a Deus pedindo que “Faça a Sua vontade”, estamos afirmando que desobedecemos a Deus, confessando “contra nós próprios” que não cumprimos a Sua vontade. Acrescenta: “Uma vez que temos de fazer esta oração até a morte, segue-se que até à hora da nossa morte seremos também acusados de sermos os que desobedeceram a vontade de Deus. Quem, pois, pode ser orgulhoso ou subsistir à sua própria oração, quando nela descobre que, se Deus o quisesse tratar com justiça, o poderia fazer, a toda a hora e com toda a equidade condenando-o e reprovando-o como desobediente, desobediência que ele confessa com a sua boca e de que está convencido?”. Portanto, conclui Lutero, esta petição deve nos conduzir à humildade, reconhecendo a iniquidade de nossa “vontade própria”,  e a procurar sinceramente  na graça de Deus a remissão de toda a nossa desobediência (Martinho Lutero, Explicação do Pai Nosso,Lisboa: Edições 70, (Estante Espiritualidade), (1996), p. 46ss.).

[6] Veja-se a exposição da teoria e a sua refutação em:  Augustus H. Strong, Teologia Sistemática, São Paulo: Hagnos, 2003, v. 2, p. 618-624.

[7] “Quanto trazemos ainda conosco de nossa carne é algo que não podemos ignorar, pois ainda que a nossa habitação está no céu, todavia somos ainda peregrinos na terra” (J. Calvino, Exposição de Romanos,(Rm 13.14), p. 462). “…. A referida perversidade da nossa natureza nunca cessa em nós, mas constantemente [Rm 7.7-25]  produz em nós novos frutos, quais sejam, as obras da carne acima descritas como uma fornalha acesa sempre a lançar labaredas e fagulhas, ou como um manancial de águas correntes continuamente vertendo sua água. Porque a concupiscência nunca morre nem é extinta por completo nos homens, até quando, livres da morte pela morte do corpo, sejam inteiramente despojados de si mesmos. É certo que o Batismo nos garante que o nosso faraó foi afogado e que a nossa carne está mortificada. Todavia, não ao ponto de que o nosso inimigo não mais exista e que já não nos incomode, mas somente no sentido de que já não nos pode vencer. Porque, enquanto vivermos encerrados na prisão que o nosso corpo é, os restos e as relíquiasdo pecado habitarão em nós. Mas, se pela fé retivermos a promessa que Deus nos fez no Batismo, essas forças adversas não nos dominarão e não reinarão em nós” (João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 3, (III.11), p. 166). Veja-se também:  James P. Boyce, Teologia Sistemática: Uma introdução aos pilares da fé,  Rio de Janeiro: Pro Nobis Editora, 2020, p. 496-497.

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