A Pessoa e Obra do Espírito Santo (183)
6.3.5. Arrependimento para a vida (Continuação)
Culpa e autoestima
“A verdadeira culpa tem somente uma causa: o pecado. Até que o pecado seja tratado, a consciência lutará para acusar. E o pecado – e não a baixa estima – é o que o Evangelho veio derrotar”, enfatiza MacArthur.[1]
O Cristianismo não é uma religião de doença e enfermidade com ênfase mórbida e patológica no pecado. Mesmo sabendo que o Cristianismo não é triste nem melancólico, devemos pontuar que as Escrituras evidenciam de forma franca os nossos pecados para que, buscando o perdão, nos alegremos no Senhor da Glória, rico em misericórdia[2] (Sl 16.11; Gl 5.22; Fp 3.1; 4.4; 1Ts 5.16). A alegria do Espírito é resultado de um coração guiado por Ele.
O Cristianismo trata essencialmente com doentes e, sincera e misericordiosamente apresenta com clareza o seu diagnóstico terminal a permanecer distante de Deus. Porém, ao mesmo tempo, apresenta a cura definitiva na expiação de Cristo Jesus. A cura em Cristo tem sido intensamente demonstrada ao longo da história. A sua verificação está diante de todos por meio da vida da igreja constituída de pecadores enfermos em seus pecados, mas, que foram curados, restabelecidos em Cristo e caminham, por graça, em direção a Deus.
Portanto, não podemos falar de perdão sem considerarmos o pecado.
Mohler Jr., coloca bem a questão:
Onde o pecado não é encarado como pecado, a graça não pode ser graça. Que necessidade de expiação poderiam ter homens e mulheres quando lhes é dito que o seu problema mais profundo é algo menos do que aquilo que a Bíblia ensina explicitamente? O ensino fraco sobre o pecado leva à graça barata e não conduz ao evangelho.[3]
Jesus Cristo veio salvar os enfermos, não os supostamente sãos: “31 Respondeu-lhes Jesus: Os sãos não precisam de médico, e sim os doentes. 32 Não vim chamar justos, e sim pecadores, ao arrependimento” (Lc 5.31-32).
Considerar-nos sãos quando na realidade estamos em um estado terminal é algo terrivelmente nocivo a todos nós.
Por isso, o sentimento de culpa pode ser uma das bênçãos de Deus para que não nos entreguemos totalmente ao pecado. “A culpa que sentimos como pecadores é legítima, natural e até mesmo apropriada”, conclui MacArthur.[4]
E quanto ao sentimento de culpa resultante de uma interpretação errada dos fatos e de nossa responsabilidade?
Sem dúvida, essa sensação é terrível porque nos culpamos por algo que, na realidade, não somos culpados. Isso, sem dúvida, nos neutraliza colocando um peso imenso sobre nossos ombros, à semelhança de Atlas, sentimo-nos condenados a carregar os céus sobre os nossos ombros, nos destruindo em nossa caminhada produtiva de obediência e louvor a Deus.
Para o sentimento de culpa decorrente de uma interpretação equivocada da realidade, da mesma forma, devemos suplicar a Deus que nos liberte desse sentimento e que nos dê uma compreensão adequada da realidade, amparados na obra de Cristo que nos perdoa de todos os nossos pecados, inclusive deste que, por vezes é decorrente de um julgamento errado a respeito de nossos poderes e por isso, de nossa responsabilidade.
Portanto, esse sentimento pode se constituir no caminho para, por graça, compreendermos que a solução para o nosso problema não está em um simples autoexame, meditações ou técnicas respiratórias, mas no arrependimento sincero e confissão a Deus de nossa culpa.
Algo fundamental para a solução de um problema, é ter uma definição clara e correta sobre ele. Definição é delimitação. A definição, sendo apropriada, nos permite ver o objeto como ele de fato é.[5] A conceituação de Espinosa (1632-1677) é-nos orientadora: “A verdadeira definição de cada coisa não envolve nem exprime senão a natureza da coisa definida”.[6]
Deus por meio de sua Palavra nos mostra com objetividade o que somos. Deus nos leva a sério bem como o problema do pecado, da culpa e da condenação humana. Ele não nos é indiferente a despeito de nosso sofrimento gerado como consequência de nossa desobediência.
Poythress está correto ao dizer que o “problema fundamental é o problema do pecado e da culpa (…) Somente quando começamos a ver a magnitude do problema é que desistimos de seguir nossos próprios caminhos, fazer nossas próprias regras e seguir nossos próprios desejos”.[7]
Por isso nós não tratamos primariamente da culpa mas, do que gerou a culpa. O sentimento de culpa sendo verdadeiro, no sentido de que de fato somos culpados, é um sintoma importante que indica a necessidade de sermos tratados espiritual e moralmente.
Deus não nos trata com paliativos. Por isso, Ele não simplesmente nos “des-culpa” de forma banal e corriqueira. Ele nos perdoa. No perdão de Deus e sua internalização em nossos corações encontramos a solução definitiva para nossa culpa que foi levada por Jesus Cristo sobre a cruz, nos perdoando de todos os pecados.
O caminho para a libertação da culpa real, é o arrependimento sincero e a confissão de nossos pecados, reconhecendo a graça de Deus em nossa vida.
Maringá, 12 de maio de 2021.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1]John F. MacArthur, O aconselhamento e a pecaminosidade humana: In: John F. MacArthur, et. al., eds. Introdução ao aconselhamento bíblico: um guia básico dos princípios e prática do aconselhamento, São Paulo: Hagnos, 2004, p. 130.
[2] “A verdadeira alegria da vida cristã também depende de um correto entendimento da doutrina” (D. Martyn Lloyd-Jones, A Vida de Paz, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2008, p. 26). “Uma das glórias da mensagem cristã é que ela oferece alegria e dá alegria real. O indivíduo tristonho, desanimado e de cara-amarrada não é bom representante do verdadeiro cristianismo” (David Martyn Lloyd-Jones, Uma Nação sob a Ira de Deus: estudos em Isaías 5, 2. ed. Rio de Janeiro: Textus, 2004, p. 62).
[3]Albert Mohler Jr., O Desaparecimento de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 32.
[4] John F. MacArthur, O aconselhamento e a pecaminosidade humana: In: John F. MacArthur, et. al., eds. Introdução ao aconselhamento bíblico: um guia básico dos princípios e prática do aconselhamento, São Paulo: Hagnos, 2004, p. 138. Do mesmo modo, escreveu Stott: “Se os seres humanos pecaram (o que aconteceu), e se são responsáveis por seus pecados (o que são), então são culpados perante Deus. A culpa é dedução lógica das premissas do pecado e responsabilidade. Erramos por nossa própria falta, e, portanto, devemos arcar com a justa penalidade de nosso erro” (John R.W. Stott, A Cruz de Cristo,Miami: Editora Vida, 1991, p. 86).
[5]“Uma definição não arbitrária deve afirmar o conjunto de características singulares compartilhado por todas as coisas do tipo que está sendo definido” (Roy A. Clouser, O mito da neutralidade religiosa: Um ensaio sobre a crença religiosa e seu papel no pensamento teórico, Brasília, DF.: Editora Monergismo, 2020. Edição do Kindle. (Posição 287 de 11450).
[6]Baruch Espinosa, Ética, São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, v. 17), 1973, I.8. Escólio 2, p. 91.
[7] Vern S. Poythress, O senhorio de Cristo: servindo o nosso Senhor o tempo todo, em toda a vida e de todo o nosso coração, Brasília, DF.: Monergismo, 2019, p. 16.