A Pessoa e Obra do Espírito Santo (177)
6.3.5. Arrependimento para a vida (Continuação)
Sproul (1939-2017) afirma com precisão: “Não pense que o Evangelho que o liberta da maldição da lei é uma licença para você desprezar e ignorar a lei”.[1]
Paulo diz que“Cristo nos resgatou da maldição da lei”(Gl 3.13). Ele satisfez perfeitamente todas as exigências dela. Por isso, ele pode nos libertar definitivamente do seu aspecto condenatório, restaurando-nos à comunhão com Deus por meio de sua obra sacrificial, fazendo-se maldito em nosso lugar.
19 Ora, sabemos que tudo o que a lei diz, aos que vivem na lei o diz para que se cale toda boca, e todo o mundo seja culpável perante Deus, 20 visto que ninguém será justificado diante dele por obras da lei, em razão de que pela lei vem o pleno conhecimento do pecado. 21 Mas agora, sem lei, se manifestou a justiça de Deus testemunhada pela lei e pelos profetas; 22 justiça de Deus mediante a fé em Jesus Cristo, para todos e sobre todos os que creem; porque não há distinção, 23 pois todos pecaram e carecem da glória de Deus, 24 sendo justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus, 25 a quem Deus propôs, no seu sangue, como propiciação, mediante a fé, para manifestar a sua justiça, por ter Deus, na sua tolerância, deixado impunes os pecados anteriormente cometidos; 26 tendo em vista a manifestação da sua justiça no tempo presente, para ele mesmo ser justo e o justificador daquele que tem fé em Jesus. 27 Onde, pois, a jactância? Foi de todo excluída. Por que lei? Das obras? Não; pelo contrário, pela lei da fé. 28 Concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé, independentemente das obras da lei. 29 É, porventura, Deus somente dos judeus? Não o é também dos gentios? Sim, também dos gentios, 30 visto que Deus é um só, o qual justificará, por fé, o circunciso e, mediante a fé, o incircunciso. 31 Anulamos, pois, a lei pela fé? Não, de maneira nenhuma! Antes, confirmamos a lei. (Rm 3.19-31).
A Lei, portanto, no seu aspecto moral, não foi abolida. Escreve Calvino:
A lei moral de Deus é a verdadeira e perpétua regra de justiça, ordenada a todos os homens, de todo e qualquer país e de toda e qualquer época em que vivam, se é que pretendem reger a sua vida segundo a vontade de Deus. Porque esta é a vontade eterna e imutável de Deus: que Ele seja honrado por todos nós, e que todos nós nos amemos uns aos outros.[2]
A Lei não nos salva, contudo nos mostra a necessidade que temos do perdão e da purificação efetuada por Deus. “A regra de nossa santidade é a lei de Deus”.[3]
O anúncio do Evangelho envolve a Lei, a mesma que evidenciou o nosso pecado, apontou para a necessidade de salvação, se concretizando em Cristo Jesus: “O Evangelho e a Lei não devem ser separados, constituem uma única entidade no interior da qual o Evangelho é a coisa primordial e a Lei permanece contida na Boa Nova”, enfatiza Barth (1886-1968).[4] Sem Lei não há Evangelho.
Por intermédio de Cristo, somos libertos da tentativa insana de tentar ser salvo pelo cumprimento da Lei, o que é impossível. Além do mais, este desejo ainda que fosse moralmente possível, não o seria dentro do propósito glorioso de glorificar o nome de Deus, que deve ser o alvo final de todas as coisas, inclusive de nossa obediência (1Co 10.31).
Diante a Lei restam-nos hipoteticamente duas opções: cumprir as suas exigências, o que nos é impossível, arcando, assim, com o reto juízo condenatório de Deus, ou buscar refúgio na misericórdia de Deus por meio de Jesus Cristo.
Calvino orienta-nos:
Na Lei de Deus nos é apresentado um padrão perfeito de toda a justiça que pode, com razão, ser chamada de vontade eterna do Senhor. Deus condensou completa e claramente nas duas tábuas tudo o que Ele requer de nós. Na primeira tábua, com uns poucos mandamentos, Ele prescreve qual é o culto agradável à Sua majestade. Na segunda tábua, Ele nos diz quais são os ofícios de caridade devidos ao nosso próximo. Ouçamos a Lei, portanto, e veremos que ensinamentos devemos tirar dele e, similarmente, que frutos devemos colher dela.[5]
Contudo, o que a Lei exige, ela mesma não nos capacita a cumprir, deixando-nos sozinhos.[6] Esta capacitação é somente pela graça que, se envolve a Lei, não se restringe a ela.
Calvino comenta:
Pela lei Deus exige o que lhe é devido, todavia não concede nenhum poder para cumpri-la. Entretanto, por meio do Evangelho os homens são regenerados e reconciliados com Deus através da graciosa remissão de seus pecados, de modo que ele é o ministério da justiça e da vida.[7]
Insistimos: desprezar a Lei de Deus é um ato de insanidade pecaminosa. Na Lei de Deus temos o princípio de sabedoria que deve nortear a nossa vida. Devemos, portanto, nos aplicar no estudo da Lei,[8] visto que “a Escritura outra coisa não é senão a exposição da lei”.[9]
Santo e pecadores
Outro aspecto que quero destacar é que devido à depravação de nossa natureza – todos pecamos e somos responsáveis diante de Deus –, a proximidade de Deus nos faz mais sensíveis a essa realidade de pecado e impureza. A contemplação da sua gloriosa santidade realça de forma eloquente a gravidade de nosso pecado.
Schaeffer (1912-1984) coloca a questão nestes termos:
Nós pecamos deliberadamente contra o santo de Deus; é por isso que a nossa situação é desesperadora. (…)
O problema não está na quantidade de pecados que praticamos, mas em quem ofendemos. Nós pecamos contra um Deus infinitamente santo, que realmente existe. E, a partir do momento em que pecamos contra um Deus infinitamente santo, que realmente existe, nosso pecado é infinito.[10]
Diversos servos de Deus ilustram a seriedade da percepção concreta da santidade do Senhor e responderam a isso:
Pedro, após pesca maravilhosa, registra Lucas,“prostrou-se aos pés de Jesus, dizendo: Senhor, retira-te de mim, porque sou pecador” (Lc 5.8).
Algo muito curioso aconteceu aqui. Aqueles que conheciam a Cristo, em geral, desejavam a sua presença, ter sua companhia, ouvir suas palavras e se beneficiar de seus milagres. Pedro no entanto, quando se depara com Cristo, vendo de forma estupefata o seu poder, se aterroriza de si mesmo: “Senhor, retira-te de mim, porque sou pecador” (Lc 5.8). (Desenvolveremos este assunto quando tratarmos sobre a santificação).
A glória da majestade de Deus revela de forma contundente e vergonhosa a nossa condição de miseráveis pecadores.
Maringá, 04 de maio de 2021.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1] R.C. Sproul, Oh! Como amo a tua lei!: In: Don Kistler, org. Crer e Observar: o cristão e a obediência, São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 14.
[2]João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 4, (IV.16), p. 160.
[3]J.I. Packer, O Plano de Deus para Você, 2. ed. Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2005, p. 155.
[4]Karl Barth, Esboço de uma Dogmática, São Paulo: Fonte Editorial, 2006, p. 22.
[5]João Calvino, Instrução na Fé, Goiânia, GO: Logos Editora, 2003,Cap. 8, p. 21.
[6] “A lei deixa o homem entregue às suas próprias forças e o desafia a empregá-las ao máximo; o Evangelho, porém, coloca o homem diante do dom de Deus e lhe pede que faça deste dom inefável o verdadeiro fundamento de sua vida” (J. Jeremias, O Sermão do Monte, 4. ed. São Paulo: Paulinas, 1980, p. 57).
[7]João Calvino, Exposição de Segunda Coríntios,São Paulo: Paracletos, 1995, (2Co 3.7), p. 70.
[8]Calvino comenta: “…. só são dignos estudantes da lei aqueles que se achegam a ela com uma mente disposta e se deleitam com suas instruções, não considerando nada mais desejável e delicioso do que extrair dela o genuíno progresso. Desse amor pela lei procede a constante meditação nela….” (João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 1, (Sl 1.2), p. 53).
[9]João Calvino, O Livro dos Salmos,v. 1, (Sl 1.2), p. 53. “No que tange à substância da Escritura, nada se acrescentou. Os escritos dos apóstolos nada contêm além de simples e natural explicação da lei e dos profetas juntamente com uma clara descrição das coisas expressas neles” (João Calvino, As Pastorais, São Paulo: Paracletos, 1998,(2Tm 3.17), p. 264).
[10]Francis Schaeffer. A Obra Consumada de Cristo, São Paulo: Cultura Cristã, 2003, p. 75.