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Oração, intimidade e reverência - Hermisten Maia

Oração, intimidade e reverência

Crédito: David Beale on Unsplash

“Portanto, vós orareis assim: Pai nosso que estás nos céus, santificado seja o teu nome” (Mt 6.9).

 

Contrastando com a prática comum descrita nos versos anteriores (Mt 6.5-8), Jesus Cristo apresenta com ênfase qual seria o modo correto de orar, como que dizendo: “Vós, porém, como meus discípulos deveis orar assim….”.[1]

 

Jesus então ensina os seus discípulos a iniciar a oração com a meditação da glória de Deus. Aparentemente simples, na prática, nos parece uma dura e disciplinadora lição. Procuramos Deus nos limites de nossas forças, confessando de forma contundente a nossa limitação. No entanto, Jesus Cristo nos desafia a esquecer as nossas questões, os nossos problemas, e a conduzir os nossos olhos para a glória de Deus.

 

Lloyd-Jones (1899-1981) acentua corretamente:

 

Antes de começarmos a pensar em nós mesmos e em nossas próprias necessidades, antes de nossa preocupação com o próximo, devemos começar nossas orações por esse grande interesse acerca do Senhor Deus, de sua honra, de sua glória.[2]

 

Jesus quer nos educar de tal forma que tenhamos em tudo, a começar pela oração, o senso de prioridade e de urgência, já que o imperativo aoristo indica isto.[3] Ele nos mostra que por mais sérios e graves que sejam os nossos problemas e preocupações, Deus deve ter a primazia. “Somente quando se dá a Deus seu lugar próprio tudo o mais passa a ocupar o lugar que lhe corresponde”.[4]

 

Nesta oração, encontramos uma demonstração prática do ensino de Jesus: “Buscai, pois, em primeiro lugar, o seu reino e a sua justiça, e todas estas cousas vos serão acrescentadas” (Mt 6.33).

 

Lloyd-Jones (1899-1981), comenta:

 

Se quisermos conhecer a Deus e ser abençoados por Ele, precisamos começar as nossas orações pela adoração à Sua pessoa. Precisamos orar, dizendo: “santificado seja o teu nome”, dizendo-Lhe que, antes de mencionarmos qualquer preocupação conosco, o nosso mais profundo anelo é que Ele seja conhecido entre os homens.[5]

 

Neste ensinamento há outro ponto que deve se realçado: Quando oramos, estamos falando com o nosso Pai. Todavia, devemos ter em mente também que Deus é um Pai Santo, que deve ser reverenciado e adorado. Jesus Cristo, na oração sacerdotal, assim se refere ao Pai: “Pai Santo” (Jo 17.11).  “Este Deus, a quem chamamos Pai, é o Deus de quem devemos nos aproximar com reverência e adoração, com temor e maravilha. Deus é nosso Pai que está nos céus, e nele se combinam o amor e a santidade,” interpreta corretamente Barclay (1907-1978).[6]

 

É impossível louvar a Deus sem que sejamos tomados de um reverente temor diante da Sua grandeza. “O temor do Senhor é o princípio da sabedoria; revelam prudência todos os que a praticam. O seu louvor permanece para sempre” (Sl 111.10).

 

O alto privilégio que temos de nos relacionar com Deus por intermédio de Jesus Cristo deve estar sempre associado à visão da grandeza de Deus, que nos conduz ao seu serviço com santo temor. “Por isso, recebendo nós um reino inabalável, retenhamos a graça, pela qual sirvamos a Deus de modo agradável, com reverência e santo temor; porque o nosso Deus é fogo consumidor” (Hb 12.28-29).

 

Davi inicia o Salmo 25 – que é uma mescla de meditação e oração –, dizendo: “A ti, Senhor, elevo a minha alma” (Sl 25.1). O salmista sabe a quem se dirige, por isso fala de elevar a sua alma: Deus é santo e soberano; a oração tem sempre o sentido de enlevo espiritual, ainda que seja de confissão de pecados. Falar com Deus sempre é um ato de elevar a nossa alma! (Veja-se o post O Senhor Altíssimo, mas não distante).

 

Algumas pessoas, com uma ideia equivocada de “intimidade com Deus”, pensam que podem se aproximar dele de qualquer maneira, tratá-lo como a um igual ou em muitos casos, até mesmo como a um ser inferior a quem fazem verdadeiras imposições em suas “orações”. Ao contrário disso, a Palavra de Deus nos ensina que a nossa proximidade de Deus, antes de nos conduzir a uma suposta intimidade equivocada com Ele, dá-nos a perfeita dimensão da Sua gloriosa santidade e que, portanto, devemos nos aproximar dele em adoração e respeito. Davi é enfático: “A intimidade (dAs) (sod) (conselho secreto, conversa confidencial) do SENHOR é para os que o temem (arey) (yare’), aos quais ele dará a conhecer a sua aliança” (Sl 25.14).

 

Os “íntimos” de Deus são aqueles que o temem e lhe obedecem! O temor de Deus nos fala de um senso de reverência pelo fato de conhecermos a Deus, sabermos de sua grandeza e majestade. Os que temem a Deus são os íntimos; têm “conversas confidenciais” com o Senhor. Mais uma vez nos deparamos com um paradoxo. O senso de temor, longe de nos afastar, nos aproxima de Deus. Somos tornados íntimos de Deus. É ele mesmo quem nos aproxima de si.

 

Deus compartilha com os que o temem a sua aliança, o seu propósito e conselho, colocando no coração destes a alegria e a confiança de saber de forma experiencial quem é o seu Deus, o Deus da Aliança, digno de todo temor ‒ próprio daqueles que são íntimos do Senhor ‒, e alegre obediência. “O homem justo e reto, que anda no temor do Senhor, receberá o conselho secreto de Deus”.[7]

 

Salomão, falando sobre Deus, diz que Ele domina sobre o céu e a terra, não podendo o seu poder ser contido por estes. “Eis que os céus, e até o céu dos céus, não te podem conter” (1Rs 8.27).

 

Considerando isto, Jesus, o Deus encarnado, nos ensina a começar a nossa oração reconhecendo quem é Deus, proclamando a Sua Gloriosa Santidade!: “Santificado seja o teu nome” (Mt 5.9; Is 29.23; Ez 36.23). No entanto, devido à nossa limitação de cumprir este ato de glorificação de forma adequada, rogamos que Deus mesmo santifique o seu nome e implante o seu reino.

 

Jesus declara a santidade do nome de Deus. O que significa isto? É necessário que entendamos que, no mundo judeu, o nome significa a própria pessoa, por isso, falar no nome de Deus é falar no próprio Deus: a sua natureza e caráter.  O nome de Deus é a sua própria natureza. O nome envolve tudo quanto nos foi revelado a seu respeito: Todos os seus atributos e todas as suas obras.

 

Declarar a santidade de Deus significa proclamar que o seu ser, a sua Palavra e as Suas obras são santos. O nome de Deus está relacionado à Sua revelação. Jesus revelou (fanerw/n (phanerõn) = “tornar claro”; “manifestar”, “fazer conhecido”) o nome do Pai (Jo 17.6).

 

Revelar o nome significa revelar a própria pessoa e o seu caráter; assim como, confiar no nome é o mesmo que confiar na pessoa (Sl 9.10; 20.7; 22.22; Mt 12.21[8] etc.). Deste modo, a santificação do seu nome pressupõe o conhecimento daquele a quem o nome representa; ou seja, conhecer experimentalmente a Deus (Sl 9.10; 20.7). (Veja-se o post Revelação, conhecimento e relacionamento pessoal).

 

Nesta oração Jesus enfoca a honra de Deus entre os homens. Quando oramos estamos desejosos de que o caráter santo e bondoso de Deus seja reconhecido e respeitado entre os homens, como já sucede nos céus.

 

Quando oramos somos convidados a meditar naquilo que Deus é e tem feito. Ao dizermos: “santificado seja o teu nome”, estamos convidando a todos os homens a reverenciarem a Deus, reconhecendo sua santidade; estamos, como Davi, declarando de forma incisiva: “Engrandecei o Senhor comigo e todos à uma lhe exaltemos o nome” (Sl 34.3); de modo semelhante ao salmista que diz: “Aclamai a Deus, toda a terra. Salmodiai a glória do seu nome, dai glória ao seu louvor” (Sl 66.1-2).

 

A nossa oração deve ser sempre um ato de glorificação a Deus. Nós o glorificamos quando reconhecemos quem é Deus e, pelo Espírito, nos dispomos a cumprir a sua vontade, proclamando a sua majestade e glória reveladas no Seu nome (Jo 17.4,6).

O Catecismo de Heidelberg (1563), à questão 122 – “Qual é a primeira petição?” –, responde:

 

“Santificado seja o teu nome.” Isto é: Ajuda-nos primeiro que tudo, a conhecer-te, glorificar-te e louvar-te e todas as tuas obras, pelas quais brilham o teu poder onipotente, a tua sabedoria, bondade, justiça, misericórdia e verdade. E de tal modo disciplina toda a nossa vida, no que diz respeito a pensamento, palavras e obras, que teu nome nunca seja blasfemado por nossa causa, mas seja sempre honrado e louvado.

 

Calvino comentando o Pai Nosso, interpreta:

 

Quando pedimos na oração que o nome de Deus seja santificado, não devemos fazer essa petição tendo em vista algum proveito para nós, mas somente tendo em consideração a glória de Deus, sem nenhum outro interesse, fim ou intenção. E, contudo, essa mesma petição redunda em nosso proveito e utilidade. Porque, quando pedimos dessa maneira que o nome de Deus seja santificado, paralelamente é feito benefício à nossa santificação. Mas, como foi dito, nem nesse proveito devemos pensar quando fazemos a primeira petição. De tal modo deve ser assim que, ainda que fosse excluído todo o nosso proveito e que nada recebêssemos de Deus em resposta à oração, não devemos deixar de desejar e pedir em oração esta santificação do nome de Deus, bem como as outras coisas semelhantes que pertencem à sua glória.[9]

 

Aproximemo-nos de Deus com alegre confiança e reverente temor: Deus é o nosso Pai e é absolutamente Santo. Em Cristo, nosso Senhor, temos livre e reverente acesso (Jo 14.6; Hb 10.19-23). A reverência deve caracterizar a nossa vida, orações e pesquisas teológicas.

 

Maringá, 18/19 de novembro de 2018.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

 


 

[1] Cf. R.C.H. Lenski, The Interpretation of St. Matthew’s Gospel, Peabody, Massachusetts:  Hendrickson Publishers, 1998, p. 263.

[2] D.M. Lloyd-Jones, Estudos no Sermão do Monte, São Paulo: FIEL., 1984, p. 344.

[3] Cf. A.T. Robertson, Word Pictures in the New Testament, Grand Rapids, Michigan:  Baker Book House, © 1930, v. 1, p. 52-53.

[4]William Barclay, El Nuevo Testamento Comentado, Buenos Aires: La Aurora, 1973, (Mateo I), v. 1, p. 212.

[5] D.M. Lloyd-Jones, Estudos no Sermão do Monte, p. 347.

[6] William Barclay, El Nuevo Testamento Comentado, (Mateo I), v. 1, p. 217.

[7]R.D. Patterson, Swd: In: R. Laird Harris, et. al., eds. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 1031.

[8] Em ti, pois, confiam os que conhecem ([dy) (yada) o teu nome, porque tu, SENHOR, não desamparas os que te buscam (Sl 9.10). Uns confiam em carros, outros, em cavalos; nós, porém, nos gloriaremos em o nome do SENHOR, nosso Deus (Sl 20.7). A meus irmãos declararei o teu nome; cantar-te-ei louvores no meio da congregação” (Sl 22.22). E, no seu nome, esperarão os gentios (Mt 12.21). 

[9] João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 3, (III.9), p. 124.

2 thoughts on “Oração, intimidade e reverência

  • 21 de novembro de 2018 em 12:25
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    Excelente!!! Após a leitura deste texto fui compelido a me ajoelhar e glorificar a Deus com pedido de perdão por não colocar a Sua Gloria em primeiro lugar não só nas minhas orações como em todos os aspectos de minha vida.
    Muito obrigado pela reflexão.

    Um grande abraço

    Resposta
  • 22 de novembro de 2018 em 07:28
    Permalink

    Partilhei e compartilhei com terceiros essa excelente reflexão bíblica. Sendo a oração um meio de graça e, ainda assim, notoriamente negligenciado, conhecer e levar em conta esses aspectos salientados nesse texto permite que seus fins sejam alcançados. Louvado seja o Senhor Deus por nos outorgar tamanho instrumento de acesso a Ele!

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