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A Pessoa e Obra do Espírito Santo (55) - Hermisten Maia

A Pessoa e Obra do Espírito Santo (55)

3) Preserva a Criação (Continuação)

Ordem na criação que reflete a Deus

Destaco outro aspecto. No Salmo 19 o salmista escreve:

2Um dia discursa a outro dia, e uma noite revela conhecimento a outra noite. 3 Não há linguagem, nem há palavras, e deles não se ouve nenhum som; 4 no entanto, por toda a terra se faz ouvir a sua voz, e as suas palavras, até aos confins do mundo. Aí, pôs uma tenda para o sol, 5 o qual, como noivo que sai dos seus aposentos, se regozija como herói, a percorrer o seu caminho. 6 Principia numa extremidade dos céus, e até à outra vai o seu percurso; e nada refoge ao seu calor. (Sl 19.2-6).

    O salmista ainda que não saiba explicar a ordem da Criação, sabe que o Deus Criador, o majestoso Senhor estabeleceu uma ordem que se sucede porque foi assim que Ele a fez e a preserva continuamente. Deste modo o escritor sagrado pode falar da sucessão de dia e dia; noite e noite (v. 2) e o sol que, percebido fenomenologicamente, percorre um caminho pré-estabelecido de uma extremidade a outra do céu mantendo o seu calor: há um testemunho constante e permanente (vs. 4-6).[1]

    A compreensão cristã de ordem na criação foi de fundamental importância para o desenvolvimento da ciência. Como sabemos, os pressupostos dos cientistas são de grande relevância na elaboração científica. Tentar negar a existência de pressupostos em nome de uma suposta “neutralidade” seria uma postura pueril e inútil, *** como escreveu Horton: “Não há algo que possa ser chamado de método epistemológico neutro. Sempre pressupomos certa visão de realidade antes de perguntar como investigá-la”.[2]

    Schaeffer (1912-1984), por exemplo, nos chama a atenção para o fato de que “a ciência moderna em seus primórdios foi o produto daqueles que viveram no consenso e cenário do Cristianismo”.[3] À frente, acrescenta: “A mentalidade bíblica é que deu origem à ciência”.[4]

    De fato, independentemente da fé professada pelo cientista, a sua formação, consciente ou não, era cristã. As suas pressuposições teístas – que obviamente orientavam as suas pesquisas – “já vinham no leite materno”.[5] O pressuposto da criação divina foi um incremento fundamental à ciência moderna.[6]

    Hooykaas (1906-1994) conclui o seu brilhante livro usando uma metáfora: “Podemos dizer (…) que, embora os ingredientes corporais da ciência possam ter sido gregos, suas vitaminas e hormônios foram bíblicos”.[7]

    Entre os Puritanos, o estudo científico, juntamente com o teológico e literário era amplamente estimulado. “Os Puritanos abraçaram o estudo das artes tão completamente como o da ciência”.[8]

    McGrath em suas abalizadas pesquisas, afirmou que: “Em anos recentes, surgiu um crescente corpo de obras acadêmicas sustentando que a contribuição decisiva para o aparecimento das ciências naturais não veio do cristianismo em geral, mas do protestantismo, em particular”.[9]

    O fato é que o princípio cristão de coerência da realidade resultante de sua compreensão de que toda ela parte de um Deus infinito e pessoal que não se confunde com a Criação e, que se revela, trazia como pressuposto a busca de compreensão dos fenômenos naturais visto que o mundo é possível de compreensibilidade. Estes elementos contribuíram para a busca de entendimento e sistematização dos fenômenos naturais. “A ciência moderna não poderia ter surgido sem a Bíblia”, conclui Veith Jr.[10]

    O que se depreende, é que a Ciência Moderna, que teve a sua gênese no século XVII em “toda a Europa”,[11] não estava em princípio dissociada da fé cristã.

    Kuyper resume isso:

Somente quando há fé na conexão orgânica do Universo, haverá também a possibilidade para a ciência subir da investigação empírica dos fenômenos especiais para o geral, e do geral para a lei que governa acima dele, e desta lei para o princípio que domina sobre tudo.[12]

    Assim, não há poder nesse mundo que não esteja sob o controle de Deus. Todos os reinos e impérios estão sob à preservação e domínio de Deus: “O SENHOR frustra os desígnios (hc'[e) (etsah) das nações e anula os intentos  (hb’v’x]m;) (machashabah) dos povos” (Sl 33.10). Esse é o nosso Pai.

Maringá, 20 de novembro de 2020.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] “O texto é claramente metafórico, e não mitológico: o sol não é uma divindade nem um espírito, mas é simplesmente comparado a alguém que mora em uma tenda. A literatura de Isaías também compara os céus a uma tenda (Is 40.22), uma vez mais enfatizando o poder de Deus, capaz de estender os céus como cortina” (Anthony Tomasino, Ohel: In: Willem A. VanGemeren, org., Novo Dicionário Internacional de Teologia e Exegese do Antigo Testamento, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 1, p. 293).

[2]Michael Horton, Doutrinas da fé cristã, São Paulo: Cultura Cristã, 2016, p. 53.

[3]Francis A. Schaeffer, A morte da razão, São Paulo: ABU; FIEL, 1974, p. 29. Um dos grandes cientistas do século XX, W. Heisenberg (1901-1976), atesta a ligação da física moderna com Bacon, Galileu e Kepler: “A física moderna não é mais do que um elo na longa cadeia de acontecimentos que se iniciaram com a obra de Bacon, Galileu e Kepler e das aplicações práticas das ciências da natureza nos séculos XVII e XVIII” (Werner Heisenberg, Páginas de reflexão e auto-reflexão, Lisboa: Gradiva, 1990, p. 52). “O trabalho científico do presente século seguiu essencialmente o método descoberto e desenvolvido por Copérnico, Galileu e seus sucessores nos séculos XVI e XVII” (Werner Heisenberg, Páginas de reflexão e auto-reflexão, Lisboa: Gradiva, 1990, p. 80-81).

[4] Francis A. Schaeffer, A morte da razão, São Paulo: ABU; FIEL, 1974, p. 31. Trata desse assunto mais detalhadamente em alguns livros e artigos. Veja-se: Hermisten M.P. Costa, Introdução à cosmovisão Reformada: um desafio a se viver responsavelmente a fé professada, Goiânia, GO.: Cruz, 2017,  p. 376-390.

[5]James W. Sire, O Universo ao lado, São Paulo: Hagnos, 2004, p. 28.

[6]Veja-se: Eugene M. Klaaren, Religious origins of modern science, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1977.

[7]R. Hooykaas, A religião e o desenvolvimento da ciência moderna,Brasília, DF.: Universidade de Brasília, 1988, p. 196.

[8]Leland Ryken, Santos no Mundo,São José dos Campos, SP.: FIEL, 1992, p. 178. Sobre o envolvimento dos Puritanos com as diversas ciências, Ver: Richard L. Greaves, The Puritan Revolution and Educational Thought: Background for Reform,New Brunswick, New Jersey: Rutgers University Press, 1969; Christopher Hill, Origens Intelectuais da Revolução Inglesa,São Paulo: Martins Fontes, 1992; Idem., A Bíblia Inglesa e as Revoluções do Século XVII,Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003; R. Hooykaas, A Religião e o Desenvolvimento da Ciência Moderna, Brasília, DF.: Editora Universidade de Brasília, 1988; Perry Miller; Thomas H. Johnson, eds. The Puritans, Mineola, New York: Dover Publications, (2 Volumes bounds as one), 1991; Alister E. McGrath, A Vida de João Calvino, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2004. (Trata mais especificamente da influência de Calvino sobre o estudo das Ciências Naturais).

[9]Alister E. McGrath, A revolução Protestante, Brasília, DF.: Editora Palavra, 2012, p. 368. À frente, continua: “As novas estratégias hermenêuticas promovidas pelos primeiros protestantes foram de importância fundamental no estabelecimento das condições que tornaram possível o aparecimento da ciência moderna” (Alister E. MacGrath, A revolução Protestante, p. 369).

[10]Gene Edward Veith, Jr., De todo o teu entendimento, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 23. “A ciência moderna surgiu dentro de uma cultura impregnada pela fé cristã. Esse fato histórico, por si só, já é sugestivo. Foi a Europa cristianizada – e nenhum outro lugar – que se tornou o berço da ciência moderna” (Nancy R. Pearcey; Charles B. Thaxton, A alma da ciência, São Paulo: Cultura Cristã, 2005, p. 19). Vejam-se também: Nancy Pearcey, Verdade Absoluta: libertando o cristianismo de seu cativeiro cultural, Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2006, p. 39; Hermisten M.P. Costa, O Deus que fala: um estudo do Salmo 19, Goiânia, GO.: Edições Vila Nova, 2016.

[11]Paolo Rossi, O Nascimento da ciência moderna na Europa, Bauru, SP.: EDUSC, 2001, p. 9.

[12]Abraham Kuyper, Calvinismo, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2002, p. 123. Vejam-se: Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Deus e a Criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 623ss.; Alister E. MacGrath, A Revolução Protestante, Brasília, DF.: Editora Palavra, 2012, p. 368-369.

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