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Eu lhes tenho dado a tua Palavra” (Jo 17.1-26) (77) - Hermisten Maia

Eu lhes tenho dado a tua Palavra” (Jo 17.1-26) (77)

5.9. O Espírito como Senhor da vida e Mestre da Oração (Continuação)

A Obra do Espírito torna efetivo em nós aquilo que Cristo realizou definitivamente por nós. Podemos afirmar que sem as operações do Espírito, o Ministério Sacrificial de Cristo não teria valor objetivo para os homens, visto que os méritos redentores e salvadores de Cristo não seriam comunicados aos pecadores.

Calvino (1509-1564) afirmou corretamente, que é necessário que Cristo habite em nós para que compartilhe conosco o que recebeu do Pai. Ele conclui dizendo que: “O Espírito Santo é o elo pelo qual Cristo nos vincula efetivamente a Si”.[1] Em outro lugar declara: “Sabemos que nosso bem, nossa alegria e repouso é estar unido ao Filho de Deus.[2]

Cristo cumpriu perfeitamente as demandas da Lei e adquiriu todas as bênçãos que envolvem a salvação. A Obra do Espírito consiste em aplicar os merecimentos de Cristo aos pecadores, capacitando-os a receberem a Graça da salvação.[3] Somente por intermédio do Espírito “recebemos todos os bens e dons que nos são dados em Jesus Cristo”, escreve Calvino.[4]

É Ele quem derrama sobre nós, as bênçãos da graça, obtidas pela obra eficaz de Cristo. Desta forma, podemos dizer que o ministério soteriológico do Espírito se baseia nos feitos de Cristo e, que o ministério sacrificial de Cristo reclama a ação do Espírito (Jo 7.39/Jo 14.26; 16.13-14).[5] “A obra do Espírito na aplicação da redenção de Cristo é descrita como tão essencial quanto a própria redenção”, enfatiza Hodge (1797-1878).[6] “A condição prévia indispensável para a outorga do Espírito é a obra de Cristo”, sublinha Bruner.[7]

Bavinck resume:

A aplicação da redenção pelo Espírito Santo não pode, em nenhum sentido, ser transformada na aquisição da redenção, pois, embora o Espírito Santo receba todas as coisas de Cristo, a aplicação nesse campo de operação é tão necessária e tão importante quanto a aquisição. (…) E, a esse respeito, a aquisição e a aplicação estão tão fortemente ligadas que a primeira não pode ser concebida nem existir sem a segunda e vice-versa.[8]

A Palavra nos ensina que o Espírito Santo é o Espírito de Cristo (Gl 4.6; Fp 1.19).[9] Por isso, a presença do Espírito em nós, é a presença do Filho (Rm 8.9).[10] Quando evangelizamos, o fazemos, confiantes de que Deus, pelo Espírito, aplicará os méritos de Cristo no coração do Seu povo. Portanto, aí está a nossa responsabilidade e o nosso conforto, conforme bem observou Billy Graham (1918-2018):

O Espírito Santo é o grande comunicador do Evangelho, usando como instrumento pessoas comuns como nós. Mas é dele a obra. Assim, quando o Evangelho é fielmente proclamado, o Espírito Santo é quem o envia como dardo flamejante aos corações dos que foram preparados.[11]

Portanto, desprezar esta doutrina bíblica equivaleria a perder o significado do Evangelho,[12] sustentando uma fé indefinida e por isso mesmo superficial, não condizente com a plenitude da revelação bíblica.

O Espírito foi-nos outorgado uma única vez e para sempre: “O Espírito é o dom da certeza”, interpreta Bruner.[13] Paulo escreve aos Romanos: “…. O amor de Deus é derramado em nosso coração pelo Espírito Santo, que nos foi outorgado”(Rm 5.5). Anos mais tarde, exorta a Timóteo: “Guarda o bom depósito, mediante o Espírito Santo que habita em nós” (2Tm 1.14).

A presença do Espírito em nós é real, ainda que em parte ou, como disse Calvino, umas poucas gotas do Espírito”[14](Rm 8.23). As “primícias do Espírito” que temos, traz consigo a promessa da abundante colheita que teremos no futuro e, ao mesmo tempo, é o antegozo dela. O Espírito é uma realidade presente que nos fala da nossa salvação passada (justificação) e presente (santificação), indicando também, a consumação futura da nossa salvação (glorificação) (Rm 8.23-24). A amostragem que temos hoje pelo Espírito, indica a superioridade do que teremos no porvir (Rm 8.18).[15]

O Espírito em nós é o selo de propriedade divina, até o resgate final (2Co 1.22; 5.5; Ef 1.13,14/1Pe 2.9). O Espírito é o selo de Deus em nós.[16] Somos o Templo do Espírito (1Co 3.16; 6.19). Fomos comprados pelo precioso sangue de Jesus e, agora, pertencemos ao Senhor (At 20.28; 1Co 6.20; 7.23; 1Pe 1.18-19). O Espírito é o sinal da nossa total libertação futura da influência de Satanás, do pecado e da carne. “A nossa redenção ainda não se completou, mas está assegurada”.[17]

Deus nos concedeu o Espírito como um selo de inviolabilidade e preservação; o Espírito, constitui os Presbíteros para pastorearem o rebanho do Sumo Pastor que é Deus, até que Cristo volte (At 20.28/1Pe 5.1-4).

Paulo escreve aos gálatas: “E, porque vós sois filhos, enviou Deus ao nosso coração o Espírito de seu Filho, que clama: Aba, Pai! De sorte que já não és escravo, porém filho; e, sendo filho, também herdeiro por Deus” (Gl 4.6-7). (Vejam-se: Rm 8.16,17; Ef 1.14,18; Cl 3.24; Tt 3.7/1Jo 3.1,2). É significativo para nossa abordagem, o fato de que o apóstolo diz que Deus enviou “o Espírito de seu Filho”. Ou seja, podemos nos relacionar com o Pai por meio de Seu Filho (Jo 14.6). E, é o Espírito do Filho, Aquele que é eternamente o Filho de Deus, Quem nos conduz ao Filho em nossa irmandade com Ele e, pela mesma graça, na condição de filhos de Deus (Jo 1.12; Gl. 3.26).

Maringá, 16 de junho de 2020.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] João Calvino, As Institutas,III.1.1.

[2]Juan Calvino, Sermones Sobre La Obra Salvadora De Cristo, Jenison, Michigan: T.E.L.L. 1988, “Sermon nº 2”, p. 23.

[3] “De fato a graça reina, mas uma graça reinante à parte da justiça não é apenas inverossímil, mas também inconcebível” (John Murray, Redenção: Consumada e Aplicada, p. 19).

[4]Catecismo de Genebra, (1541/2), Perg. 91. (Veja-se: Hermisten M.P. Costa, A Graça de Deus: Comum ou Exclusiva?,São Paulo: 2000).

[5]“Isto ele disse com respeito ao Espírito que haviam de receber os que nele cressem; pois o Espírito até aquele momento não fora dado, porque Jesus não havia sido ainda glorificado” (Jo 7.39). “Mas o Consolador, o Espírito Santo, a quem o Pai enviará em meu nome, esse vos ensinará todas as coisas e vos fará lembrar de tudo o que vos tenho dito” (Jo 14.26). “Quando vier, porém, o Espírito da verdade, ele vos guiará a toda a verdade; porque não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos anunciará as coisas que hão de vir. Ele me glorificará, porque há de receber do que é meu e vo-lo há de anunciar” (Jo 16.13-14).

[6] Charles Hodge, Teologia Sistemática,São Paulo: Hagnos Editora, 2001, p. 390.

[7]Frederick D. Bruner, Teologia do Espírito Santo, São Paulo: Vida Nova, 1983, p. 179.

[8]Herman Bavinck, Dogmática Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 4, p. 221.

[9]“E, porque vós sois filhos, enviou Deus ao nosso coração o Espírito de seu Filho, que clama: Aba, Pai!” (Gl 4.6). “Porque estou certo de que isto mesmo, pela vossa súplica e pela provisão do Espírito de Jesus Cristo, me redundará em libertação” (Fp 1.19).

[10] “Vós, porém, não estais na carne, mas no Espírito, se, de fato, o Espírito de Deus habita em vós. E, se alguém não tem o Espírito de Cristo, esse tal não é dele” (Rm 8.9)

[11] Billy Graham,Por que Lausanne?: In: A Missão da Igreja no Mundo de Hoje, São Paulo/Belo Horizonte, MG.: ABU.; Visão Mundial, 1982, p. 30. A consciência de que os “resultados” da Evangelização dependem do Deus soberano, traz como implicação a nossa ousada confiança em Deus, não em nosso métodos. Packer analisou bem este ponto, fazendo aplicações complementares: “Se esquecermos que a prerrogativa de Deus é produzir resultados quando o evangelho é pregado, acabaremos pensando que é nossa responsabilidade assegurá-los. E, se nos esquecermos de que somente Deus pode infundir fé, acabaremos pensando que a conversão, em última análise, depende não de Deus, mas de nós, e que o fator decisivo é a maneira como evangelizamos. E essa linha de pensamento, coerentemente seguida, nos fará desviar em muito” (J.I. Packer, Evangelização e Soberania de Deus,2. ed. São Paulo: Vida Nova, 1990, p. 22).

[12] Ver: Albertus Pieters, Fundamentos da Doutrina Cristã, São Paulo: Vida Nova, 1979, p. 179-180.

[13]Frederick D. Bruner, Teologia do Espírito Santo, p. 209.

[14]João Calvino, Exposição de Romanos,(Rm 8.23), p. 287. Estejamos atentos à figura de Calvino. Comentando Tt 3.6, diz: “…. uma gota do Espírito, por assim dizer, por menor que seja, é como uma fonte a fluir tão abundantemente que jamais secará” (J. Calvino, As Pastorais, (Tt 3.6), p. 351).

[15]O Espírito Santo, pois, nos foi outorgado a fim de que pudéssemos nutrir algum tipo de ideia quanto ao que nos aguarda quando chegarmos na glória. Deus nos deu as primícias. (…) Por conseguinte, em certo sentido nossa salvação não é completada, mas será completada, e o Espírito nos é conferido a fim de que possamos, não só saber isso com toda certeza, mas também para podermos até começar a experimentá-lo. E tudo o que experimentamos nesta vida, num sentido espiritual, é simplesmente primícias, ou uma prelibação, algo posto por conta, uma espécie de prestação de Deus, a fim de que pudéssemos saber o que nos está por vir” (D.M. Lloyd-Jones, Deus o Espírito Santo,São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1998, p. 334, 325).

[16] Veja-se: John Owen, Two Discourses Concerning the Holy Spirit and His Work. The Works of John Owen, (CD-ROM), (Ages Software, 2000), v. 4, p. 504ss.

[17] Walter T. Conner, A Obra do Espírito Santo,Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista, 1961, p. 114.

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