Uma fé que investiga e uma ciência que crê (14)
Davi tem como um dos fundamentos de sua fé, a certeza de que Deus reina. Ele é santo e rei: “Nos céus tem o Senhor o seu trono”(Sl 11.4). O trono celestial de Deus é o seu verdadeiro templo (lk’yhe) (heykal) (Mq 1.2; Hc 2.20).[1] Seus amigos têm uma visão apenas terrena, enquanto Davi vai além da aparente onipresença desta crise, que sabe ser circunstancial. O difícil para nós é enxergar de forma confiante as circunstâncias como tais, sem permitir que o nosso coração perenize a dor em ansiedade paralisante e destrutiva.
O Reino de Deus é o reinado de Deus. O seu governo absoluto sobre todas as coisas, visíveis e invisíveis. A sua providência é exercida sobre todos os homens; nada lhe escapa.
Todo o poder é derivado de Deus. Toda autoridade tem a Deus como Autor supremo. Confiar em qualquer manifestação de poder ou autoridade fora de Deus é pura tolice. Deus é a fonte de todo o poder. Todo poder está em Deus e todo poder é preservado por Deus, fora de Deus nada nem ninguém pode autoexistir. Como autor de todas as coisas, Ele tem autoridade sobre toda a realidade e poderes.[2]
O Deus soberano com a sua vontade perfeita tem todo o poder. O Reino e a Glória lhe pertencem eternamente. Nada lhe é acrescentado ou retirado. A sua soberana vontade é caracterizada pela perfeição: a sua vontade é perfeita (Rm 12.2) envolvendo todas as nossas necessidades.
Davi sabia quem era o seu Deus: Aquele que reina sobre todas as coisas. Por isso, não há impedimentos na concretização de suas promessas. É justamente isso que diz o anjo a Maria, surpresa, diante de sua gravidez anunciada: “Porque para Deus não haverá impossíveis em todas as suas promessas” (Lc 1.37).
O prazer e a suficiência de Deus estão nele mesmo. Deus não precisa de meios para executar o que quer. Como bem escreve Hodge (1797-1878): “Esta simples ideia da onipotência de Deus, de que Ele pode fazer sem esforço, mediante volição, tudo o que quer, é a ideia de poder mais elevada e mais claramente apresentada nas Escrituras”.[3]
O Rei pagão, Nabucodonosor, extasiado diante do poder manifesto de Deus, pela graça comum de Deus pôde exclamar genuinamente: “Segundo a sua vontade Ele opera com o exército do céu e os moradores da terra; não há quem lhe possa deter a mão, nem lhe dizer: Que fazes?” (Dn 4.35).
A Escritura nos relata que Deus é livre para usar os anjos, os eleitos, os ímpios, Satanás, uma jumenta, os montes etc. Ele é quem determina os fins e os meios pelos quais atuará. Ele é Senhor dos meios e dos fins. Os meios se tornam caminhos intermediários porque assim Deus os determinou. Portanto, ainda que as evidências apontassem para outra direção, Davi tinha como fundamento de sua fé a certeza da soberania do Deus santo.
É preciso que entendamos que a soberania de Deus não significa algo abstrato, antes, o seu cuidado para conosco: “Os seus olhos estão atentos, as suas pálpebras sondam os filhos dos homens” (Sl 11.4).
A figura quer demonstrar que Deus observa com atenção. A sua soberania não é distante, indiferente, ou obra do gênio inventivo do homem. Antes, é um Deus que se revela, dando-se a conhecer.
Ao mesmo tempo em que as Escrituras nos falam de um Deus transcendente, anterior à Criação, aquele de quem tudo provém, ensina-nos também que este Deus se dá a conhecer possibilitando-nos um relacionamento com Ele. A revelação de Deus começa pela criação de todas as coisas. “Ao criar o mundo por sua palavra e dar-lhe vida através de seu Espírito, Deus delineou os contornos básicos de toda a revelação subsequente”, interpreta Bavinck.[4]
O nosso Deus é um Deus transcendente e presente. Ele tem o controle de toda situação, de toda esta crise que o salmista está vivendo. Portanto, mais do que um simples exercício intelectual, a soberania de Deus é um desafio à nossa confiança no Deus poderoso e providente.
Jesus Cristo, no Sermão do Monte, nos instrui:
Não andeis ansiosos pela vossa vida, quanto ao que haveis de comer ou beber; nem pelo vosso corpo quanto ao que haveis de vestir (…). Não vos inquieteis com o dia de amanhã, pois o amanhã trará os seus cuidados; basta ao dia o seu próprio mal. (Mt 6.25,34).
Paulo, preso, seguindo os ensinamentos de Cristo, escreve aos filipenses: “Não andeis ansiosos de cousa alguma; em tudo, porém, sejam conhecidas diante de Deus as vossas petições, pela oração e pela súplica, com ações de graça”(Fp 4.6).
Calvino de forma bíblica e, com longa experiência espiritual a respeito dessa realidade, escreveu: “É pela fé que tomamos posse de sua providência invisível”, conclui Calvino.[5]
Maringá,
06 de abril de 2020.
Rev.
Hermisten Maia Pereira da Costa
[1] Veja-se: Leonard J. Coppes, Hêkãl: In: R. Laird Harris, et. al., eds. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento,São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 352-354.
[2] “Quando falamos de soberania divina, estamos falando sobre autoridade de Deus e sobre o poder de Deus. Como soberano, Deus é a suprema autoridade do céu e da terra. Toda outra autoridade é uma autoridade menor. Toda outra autoridade que existe no universo é derivada e dependente da autoridade de Deus. Todas as outras formas de autoridade existem ou pela ordem de Deus ou pela permissão de Deus.
“A palavra autoridade contém em si a palavra autor. Deus é o autor de todas as coisas sobre as quais Ele tem autoridade. Ele criou o universo. Ele possui o universo. Sua propriedade lhe dá certos direitos. Ele pode fazer com seu universo o que for agradável à sua santa vontade.
“Da mesma maneira, todo o poder no universo flui do poder de Deus. Todo o poder no universo é subordinado a Ele. Até mesmo Satanás não tem poder para agir sem a soberana permissão de Deus.
“Cristianismo não é dualismo. Não cremos em dois poderes extremos iguais, trancados numa luta eterna pela supremacia. Se Satanás fosse igual a Deus, não teríamos nenhuma confiança, nenhuma esperança do bem triunfando sobre o mal. Estaríamos destinados a um impasse eterno entre duas forças iguais e opostas” (R.C. Sproul, Eleitos de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 1998, p. 19-20).
[3]Charles Hodge, Teologia Sistemática, São Paulo: Hagnos Editora, 2001, p. 307.
[4]Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Prolegômena, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 1, p. 308.
[5]João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 1, (Sl 13.1), p. 262.