“Eu lhes tenho dado a tua Palavra” (Jo 17.1-26) (37)
4.3.5. Verdade libertadora
“A tua palavra é a verdade (a)lh/qeia)” (Jo 17.17). Aos judeus orgulhosos de sua suposta liberdade, Jesus Cristo diz: “E conhecereis (ginw/skw) a verdade (a)lh/qeia), e a verdade (a)lh/qeia) vos libertará (e)leuqero/w)” (Jo 8.32).
Antes de estudarmos o ensinamento bíblico, analisemos algumas questões referentes à liberdade. Comecemos com uma definição operacional.
A) Definição de liberdade
Aurélio define liberdade como a “Faculdade de cada um decidir ou agir segundo a própria determinação”.[1] Colocando em outros termos, podemos dizer que a liberdade é a ausência de constrangimentos em suas decisões e ações. Todavia, a liberdade envolve, como tudo o mais, um aspecto negativo e outro positivo; e é sobre isto que trataremos posteriormente.
B) Alguns tipos de liberdade
1) Liberdade física
É a isenção de constrangimento físico. É o direito de ir e vir. Esse tipo de liberdade é tão comum em uma sociedade democrática que, em geral, não paramos para pensar nisso.
2) Liberdade moral e psicológica
É “a capacidade que o homem possui de fazer ou não determinada coisa, de cumprir ou não determinada ação, quando já subsistem todas as condições requeridas para agir”.[2] Esta liberdade pressupõe as condições que facultam a escolha, bem como a consciência deste fato. Desta forma, esta escolha é livre e voluntária. Por isso, o seu exercício implica na responsabilidade do homem. O homem possui a capacidade de autodeterminação racional. Em outros termos, “Liberdade moral significa a capacidade de autodeterminação no sentido de que o homem é livre para escolher os fins, os alvos e os valores que ele quer buscar, e livre para aceitar ou rejeitar as exigências do dever”, resume Gardner.[3]
3) Liberdade política e social
É a ausência de coerção proveniente do grupo social, especialmente do poder público. Neste caso, o indivíduo é considerado livre quando pode, sem constrangimento algum, cumprir responsavelmente a lei. “A liberdade é o direito de fazer tudo o que as leis permitem; se um cidadão pudesse fazer tudo o que elas proíbem, não teria mais liberdade, porque os outros também teriam tal poder” comenta Montesquieu (1689-1755).[4]
Sem pretendermos nos alongar neste ponto, podemos, contudo, observar que a liberdade política deve ser vista como um resultado natural da nossa liberdade moral e psicológica. Seria inútil pretender criar uma sociedade livre, constituída de autômatos. “Não há liberdade política que não esteja indissoluvelmente ligada à liberdade interior pessoal dos indivíduos que constituem a nação, não há liberdade de uma nação de conformistas, não há nação livre formada de robôs”, diz Rollo May (1909-1994).[5] De forma semelhante havia escrito anteriormente Erich Fromm (1900-1980): “A liberdade política numa sociedade alienada, que contribui para a desumanização do homem, transforma-se em não-liberdade”.[6]
4) Liberdade no sentido metafísico
Consiste no reconhecimento de que os atos futuros dos homens são indeterminados e, portanto, em princípio, são imprevisíveis ao homem. Nada que é humano pode ser exaustivamente calculado. O homem não vive em um mundo biologicamente fechado, como os animais irracionais que se limitam ao seu corpo. A metafísica do homem é a metafísica da sua própria transcendência corpórea.
A liberdade no sentido metafísico indica que o comportamento humano ultrapassa o esquema estímulo-reação (S-R); isto porque, o homem não simplesmente reage; ele responde e, a resposta pode consistir num silêncio, indicando o seu grito eloquente de liberdade. “O reagir é um ato que se localiza na esfera do biológico. O responder, contudo, pertence à esfera da liberdade”, interpreta Alves (1933-2014).[7]
A liberdade do homem se manifesta no fato dele poder fazer uma pausa entre o estímulo e a resposta, optando por responder conforme melhor lhe parecer.
5) Liberdade no Sentido Teológico:
Consiste na compreensão de que o homem não-regenerado possui habilidade para realizar atos que sejam bons aos olhos de Deus e responder afirmativamente ao convite do Evangelho.
Todos outros tipos de liberdade analisados fazem parte da natureza essencial do homem; este último, entretanto, o homem perdeu desde a Queda e, só o readquire em Cristo Jesus.[8] Desta forma, todas as escolhas “livres” do homem natural estão na realidade a serviço do pecado[9] (Rm 6.17-22), conforme escreveu Seaton: “Somos como Lázaro em seu túmulo, mãos e pés amarrados; fomos tomados pela corrupção. Assim como não havia qualquer lampejo de vida no corpo morto de Lázaro, assim também não há ‘centelha interna receptiva’ em nossos corações”.[10]
Maringá, 13 de março de 2020.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1]Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, Novo Dicionário da Língua Portuguesa,2. ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
[2]Battista Mondin, O Homem, quem é ele?: elementos de antropologia filosófica, São Paulo: Paulinas, 1980, p. 109. (A definição de Mondin, se refere à liberdade psicológica).
[3]E.C. Gardner, Fé Bíblica e Ética Social, São Paulo:ASTE., 1965, p. 20.
[4]Montesquieu, Do Espírito das Leis, São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, Vol. 21), 1973, XI.3. p. 156.
[5]Rollo May, Liberdade e Destino, Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1987, p. 11.
[6]Erich Fromm, A Revolução da Esperança, São Paulo: Círculo do Livro, (s.d.), p. 105.
[7]Rubem Alves, DA Esperança, Campinas, SP.: Papirus, 1987, p. 45.
[8]Vd. Confissão de Westminster, IX.3-4; VI.2,4 e 5; A Segunda Confissão Helvética, IX; Os Cânones de Dort, III e IV.
[9]Vd. J.I. Packer, Liberdade: In: J.D. Douglas, ed. org.O Novo Dicionário da Bíblia, Vol. II, p. 930.
[10]W.J. Seaton, Os Cinco Pontos do Calvinismo, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, (s.d.), p. 8.