“Eu lhes tenho dado a tua Palavra” (Jo 17.1-26) (29)
b) Sinceridade com discernimento
Jesus Cristo afirma que aquele que deseja fazer a vontade de Deus deve examinar a doutrina: “Se alguém quiser fazer a vontade (Qe/lhma) dele (Deus), conhecerá (ginw/skw) a respeito da doutrina (didaxh/), se ela é de Deus” (Jo 7.17).
Já na década de 60 do primeiro século encontramos em Colossos vestígios de uma heresia que tentava fundir a simplicidade do Evangelho com especulações filosóficas – caracterizadas por práticas ascéticas – estando estes ensinamentos a prejudicar a Igreja (Cl 2.8, 16,18,20,21).
Paulo, acompanhado por Timóteo e Epafras (Cl 1.1; 4.12), escreve aos colossenses mostrando a supremacia de Cristo sobre todas as coisas (Cl 1.15,19; 2.3,19). Juntamente com o ensino correto, o apóstolo declara que ele próprio, Timóteo e Epafras estão orando pela Igreja: “Não cessamos de orar por vós, e de pedir que transbordeis de pleno conhecimento da sua vontade (Qe/lhma), em toda a sabedoria (Sofi/a) e entendimento (Su/nesij)”[1](Cl 1.9). À frente: “Saúda-vos Epafras que é dentre vós, servo de Cristo Jesus, o qual se esforça sobremaneira, continuamente, por vós, nas orações, para que vos conserveis perfeitos e plenamente convictos em toda a vontade (Qe/lhma) de Deus”(Cl 4.12).
Por isso, insistimos: é necessário discernimento para interpretar as doutrinas que nos são transmitidas a fim de saber se são de Deus, ou não (Jo 7.17). Devemos avidamente desejar conhecer a vontade de Deus (Ef 5.17). Contudo, sejamos cautelosos. Usar o nome de Deus e citar alguns versos avulsos das Escrituras, não é sinal suficiente de que aquele ensinamento procede da Palavra.
Paulo orava para que os colossenses “transbordassem” (plhrwqh=te). A voz passiva indica aqui a ação de Deus; para que “Deus encha vocês” deste genuíno conhecimento (Cl 1.9[2]/Cl 4.12/Hb 13.21).
Devemos dar crédito à verdade procedente de Deus (1Ts 2.10-13). Contudo como muitos falsos mestres têm saído pelo mundo, faz-se necessário provar os espíritos. Precisamos exercitar o “ceticismo cristão” que não aceita tudo, dentro de um comodismo intelectual paralisante[3] e pecaminoso,[4] contudo não rejeita a procura da verdade.[5]
O apóstolo João, escreveu no final do primeiro século da Era Cristã:
Amados, não deis crédito a qualquer espírito; antes, provai (dokima/zw)[6] os espíritos se procedem de Deus, porque muitos falsos profetas têm saído pelo mundo fora. Nisto reconheceis o Espírito de Deus: todo espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne é de Deus; e todo espírito que não confessa a Jesus não procede de Deus; pelo contrário, este é o espírito do anticristo, a respeito do qual tendes ouvido que vem e, presentemente, já está no mundo. Filhinhos, vós sois de Deus e tendes vencido os falsos profetas, porque maior é aquele que está em vós do que aquele que está no mundo. Eles procedem do mundo; por essa razão, falam da parte do mundo, e o mundo os ouve. Nós somos de Deus; aquele que conhece a Deus nos ouve; aquele que não é da parte de Deus não nos ouve. Nisto reconhecemos o espírito da verdade (a)lh/qeia) e o espírito do erro. (1Jo 4.1-6).[7]
A verdade não gera mentira: “Mentira alguma jamais procede da verdade (a)lh/qeia)” (1Jo 2.21).
Maringá, 25 de fevereiro de 2020.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1] Su/nesij, ocorre 7 vezes no NT.: Mc 12.33; Lc 2.47; 1Co 1.19; Ef 3.4; Cl 1.9; 2.2; 2Tm 2.7, significando, discernimento, inteligência, envolvendo, conforme vimos, a ideia de reunir as evidências para avaliar e chegar a uma conclusão. Este “entendimento” deve ser fruto de uma reflexão, recorrendo, contudo, à iluminação de Deus (2Tm 2.7). Esta palavra é da mesma raiz de Suni/hmi.
[2] “Quando todo o espaço das nossas mentes for preenchido até transbordar com o conhecimento da vontade do Senhor, já não teremos muito interesse em satisfazer egoisticamente a nossa própria vontade” (R. P. Shedd, Andai Nele: Exposição bíblica de Colossenses, São Paulo: ABU., 1979, p. 22).
[3] “[O ceticismo] (…) produziu o que chamo de epílogo cético do desenvolvimento antigo. (…) Os céticos, assim, duvidaram de todas as formulações das escolas de filosofia. (…) Assim, essa atmosfera cética invadiu todas as escolas e permeou a vida toda no mundo antigo de então. Tratava-se de assunto vital e muito sério. Não se tratava novamente de se sentar em mesas de estudo para descobrir que se podia duvidar de todas as coisas. Essa tarefa seria comparativamente fácil. Na verdade, esse movimento significava o desabamento de todas as convicções. A consequência dessa atitude – bastante característica da mentalidade grega – foi uma espécie de paralisia da ação. Se não somos mais capazes de produzir juízos teóricos, não podemos agir na prática” (Paul Tillich, História do pensamento Cristão, São Paulo: ASTE, 1988, p. 19).
[4] “Há muito conforto no ceticismo. Se a verdade é inalcançável, então não é preciso sofrer as dores de sua procura. Ninguém chegará ao desapontamento de descobrir uma falha em um argumento lapidado com diligência e, até então, confiável. Já não será necessário deitar outro fundamento pesado entre as ruínas de um edifício magnífico. O ceticismo dispensa todo esforço. Pode ser desespero, mas é um desespero bastante confortável” (Gordon H. Clark, Uma visão cristã dos Homens e do Mundo, Brasília, DF.: Monergismo, 2013, p. 37).
[5] Vejam-se: François Turretini, Compêndio de Teologia Apologética, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 1, p. 233; Gene Edward Veith Jr., De Todo o teu entendimento, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 129-131.
[6]Dokima/zw ressalta o aspecto positivo de “provar” para “aprovar”, indicando a genuinidade do que foi testado (2Co 8.8; 1Ts 2.4; 1Tm 3.10).
[7]Archibald Alexander (1772-1851), um dos fundadores do Seminário de Princeton e seu primeiro professor de Teologia Sistemática, resumiu:
“Na avaliação da experiência religiosa é de todo importante manter continuamente à vista o sistema de verdade divina contido nas Sagradas Escrituras; caso contrário, nossa experiência, como ocorre muito frequentemente, se degenerará em entusiasmo. (…) Em nossos dias não há nada mais necessário que estabelecer na religião, uma cuidadosa distinção entre as experiências verdadeiras e as falsas; para ‘provar os espíritos se procedem de Deus.’ E ao fazer esta discriminação, não há outro padrão de prova senão a infalível Palavra de Deus. Tragamos cada pensamento, motivo, impulso e emoção, ante esta pedra de toque. ‘À lei e ao testemunho, se não falam de acordo com estes, é porque não há luz neles’” (Archibald Alexander, Thoughts on Religious Experience,Carlisle, Pennsylvania: The Banner of Truth Trust, 1989 (Reprinted), p. XVIII).