Rei e Pastor: O Senhor na visão e vivência dos salmistas (59)
Algumas aplicações: Qual deve ser a atitude do perdoado?
1) Gratidão
A certeza do nosso perdão, gerado pela graça misericordiosa de Deus, deve nos levar, à semelhança de Davi, a bendizer ao Senhor: “Bendize, ó minha alma, ao Senhor, e não te esqueças de nem um só de seus benefícios. Ele é quem perdoa todas as tuas iniquidades; quem sara todas as tuas enfermidades” (Sl 103.2-3).
2) Arrependimento sincero
O genuíno arrependimento produz forte tristeza pelo pecado, o santo desejo de não mais cometê-lo e, quando possível, corrigir os efeitos dele.
Erickson resume:
O arrependimento é a tristeza verdadeira de uma pessoa pelos seus pecados acompanhada da resolução de se afastar deles. Há outras formas de uma pessoa sentir pesar pelos seus erros, cujas motivações são diferentes. Se pecamos e as consequências são desagradáveis, pode ser que sintamos remorso pelo que fizemos, mas isso não é verdadeiro arrependimento. É mera penitência. O verdadeiro arrependimento é a tristeza da pessoa pelo que seu pecado fez contra Deus e pelo mal a ele infligido. Essa tristeza é acompanhada de um desejo genuíno de abandonar o pecado. Há pesar pelo pecado, mesmo que o pecador não tenha sofrido qualquer consequência pessoal por causa dele.[1]
Deus deseja que nos arrependamos de nossos pecados e, como evidência desta transformação, mudemos de comportamento. Na parábola dos dois filhos contada por Jesus, temos exemplificado este princípio:
E que vos parece? Um homem tinha dois filhos. Chegando-se ao primeiro, disse: Filho, vai hoje trabalhar na vinha. Ele respondeu: Sim, senhor; porém não foi. Dirigindo-se ao segundo, disse-lhe a mesma cousa. Mas este respondeu: não quero, depois arrependido, foi. Qual dos dois fez a vontade (qe/lhma)do Pai? Disseram: O segundo. Declarou-lhes Jesus: Em verdade vos digo que publicanos e meretrizes vos precedem no reino de Deus. Porque João veio a vós outros no caminho da justiça, e não acreditastes nele; ao passo que publicanos e meretrizes creram. Vós, porém, mesmo vendo isto não vos arrependestes, afinal, para acreditardes nele.
(Mt 21.28-32)
A vontade de Deus é que os homens, confrontados com a mensagem salvífica de Deus, se arrependam de seus pecados, recebendo a Cristo como seu Salvador pessoal, iniciando uma nova fase em sua vida, tendo como princípio animador agradar a Deus, sendo-lhe obediente.
Frutos do arrependimento
O arrependimento, portanto, envolve uma atitude de abandono do pecado e uma prática da Palavra de Deus. Esta prática consiste nos “frutos do arrependimento”.
Paulo, testemunhando diante do rei Agripa a respeito do seu ministério, diz: “Pelo que ó rei Agripa, não fui desobediente à visão celestial, mas anunciei primeiramente aos de Damasco e em Jerusalém, por toda a região da Judéia, e aos gentios, que se arrependessem e se convertessem a Deus praticando obras dignas de arrependimento”(At 26.19,20. Veja-se também: At 20.21).
O arrependimento e a fé são passos iniciais, inseparáveis e complementares[2] da vida cristã como resposta ao chamado divino. No entanto, ambos devem acompanhar a nossa vida. Devemos continuar crendo em Deus em todas as circunstâncias e cultivar, pelo Espírito, uma atitude de arrependimento pelas nossas falhas.[3]
“O espírito quebrantado e o coração contrito são as marcas permanentes da alma crente”, resume Murray.[4] Isto indica o fato de que somos pecadores e, ainda que não mais dominados pelo pecado, continuamos mantendo esta luta em nosso coração. As nossas quedas seguidas de um arrependimento sincero, nos envergonha porque percebemos o quão distante estamos do alvo proposto por Deus para nós. O arrependimento pleno é um ideal da vida cristã que jamais será concretizado neste estado de existência.
Olyott escreve sobre isso com a sua costumeira sensibilidade:
Arrependimento é ter vergonha de quem você é. Você faz o que você faz porque você é quem você é. E o que você é, é o que Deus diz que você é: um pecador! O evangelho é que Cristo Jesus veio ao mundo para salvar pecadores! E sem esse sentido claro de pecado, você não pode ser salvo.[5]
O arrependimento é parte integrante e essencial de nossa santificação. Deus deseja que procuremos agradá-lo em todas as coisas. No entanto, sabemos que pecamos, falhamos, não atingimos o alvo proposto por Deus. Por isso, conscientes de nossos pecados, devemos nos arrepender, buscando o perdão de Deus e o reparo para o nosso erro.
A Confissão de Westminster(1647) resume: “O pecador pelo arrependimento, de tal maneira sente e aborrece os seus pecados, que, deixando-os, se volta para Deus, tencionando e procurando andar com Ele em todos os caminhos dos seus mandamentos” (XV.2).
São Paulo, 28 de outubro de 2019.
Rev. Hermisten Maia
Pereira da Costa
[1] Millard J. Erickson, Teologia Sistemática, São Paulo: Vida Nova, 2015, p. 908.
[2]“O arrependimento é fruto da fé, que é, ela própria, fruto da regeneração. Contudo, na vida real, o arrependimento é inseparável da fé, sendo o aspecto negativo (a fé é o aspecto positivo) de voltar-se para Cristo como Senhor e Salvador. A ideia de que pode haver fé salvadora sem arrependimento, e que uma pessoa pode ser justificada por aceitar Jesus como Salvador, e ao mesmo rejeitá-lo como Senhor, é uma ilusão destrutiva” (J.I. Packer, Teologia Concisa, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1999, p. 152-153). Vejam-se: João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 2, (II.5), p. 129ss.; A.A. Hoekema, Salvos pela graça, São Paulo: Cultura Cristã, 1997, p. 129.
[3] Ferguson argumenta de forma simples, porém, objetiva destacando o perigo de entendermos o “arrependimento” apenas como ato único (“emoção inicial”) na vida cristã (Veja-se: Sinclair Ferguson A Graça do Arrependimento. São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2014, p. 46ss.).
[4]John Murray, Redenção: Consumada e Aplicada, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1993, p. 130.
[5]Stuart Olyott, Jonas – O Missionário bem sucedido que fracassou, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2012, p. 58.